Sarah O dia seguinte a um acontecimento como aquele era sempre caótico e tenso, as reações variavam de comedidas a exageradas, tornando a situação ainda mais complicada e todos pareciam inquietos em expressar suas opiniões. Era como estar certo e errado ao mesmo tempo. A sensação que eu sentia era de que uma única palavra mal utilizada poderia cavar ainda mais a cova em que Filipe estava afundando-se, ele precisava de apoio, havia visto algo horrendo e merecia uma chance de tentar consertar seus erros.Karen, aparentemente, não queria me contar sobre o incidente, porém, quando pai e filho chegaram em casa, ambos preocupados, trazidos por uma viatura policial, e sendo amparados por Ayla, que ainda estava acordada, minha comadre não pode mais esconder a verdade de mim. Não tive tempo de conversar com Ayla sobre a situação em que seu “primo” encontrava-se e sequer sabia que ela estava no apartamento, logo, ao presenciar aquela cena caótica, sua confusão foi evidente.Quando finalm
Depois de pensar um pouco, decidimos que o melhor momento para a mudança de Filipe seria no fim de semana, ele não perderia aulas e poderia observar as empresas funcionando no período de horas-extra, achei que seria interessante para que se familiarizasse com a vida trabalhista dos adultos à sua volta. Cecília não estaria em casa, minha mãe havia saído em viagem e a levou consigo, desde que havia se aposentado, quase não parava em casa, aproveitando para paparicar a neta horrores, da mesma forma que fazia durante a infância. Meus pais eram carinhosos com a minha filhinha, me ajudaram muito enquanto ela ainda era pequena para que eu não precisasse abandonar meus planos e mesmo atualmente durante um período mais estável, ainda me ajudavam muito. Fui tirada dos meus devaneios quando finalmente visualizei a estação da linha cinco, olhei ao redor procurando pelo rapaz que já deveria estar me esperando na praça de alimentação e ouvi nos alto falantes que seu trem havia atra
Passava das 22h00 quando finalmente chegamos em casa, retirei o casaco, colocando-o sobre o sofá e me despi dos sapatos que tornavam a apertar o calo que havia se formado em meu dedo mínimo, e suspirei sentindo-me culpada por não ter tido uma refeição decente com meu afiliado até aquele momento. Desde que saímos para trabalhar pela manhã, não havíamos comido nada muito consistente.Fitei o suporte ao lado da porta e notei que o casaco de Gabriel repousava sobre ele, indicando que estava em casa, voltei meus olhos ao restante da casa, enfim percebendo as luzes já acesas e um cheiro bom que vinha da cozinha. Pelo visto, teríamos jantar caseiro.— Parece que temos companhia... – comentei para Filipe que retirava seus sapatos, coloquei a bolsa ao lado do meu casaco e caminhei em direção ao lavabo para lavar as mãos.Filipe me acompanhou, imitando minhas ações enquanto eu seguia em direção a cozinha, pelo canto do olho podia o ver secando as mãos na toalha branca e pensei comigo mesma se h
FelipeMinha madrinha saiu do quarto, mas suas palavras continuam retumbando em minha mente, atormentando meus pensamentos já perturbados. Lágrimas me vieram aos olhos fazendo-me encolher, uma sensação forte de dor espalhou-se pelo meu corpo como uma queimadura e uma inexplicável falta de ar me sufocou.Levei as mãos à minha cabeça, sentindo como se fosse explodir e senti meu estômago se revirando, corri para o banheiro e acabei vomitando tudo o que havia comido. Eu conhecia aqueles sintomas, sabia que eram sinais de uma crise de abstinência. Fazia apenas três dias que não usava nenhum tipo de drogas, mas meu corpo já estava sentindo falta delas.Quis gritar, correr pela casa ou até mesmo enfiar qualquer porcaria nas minhas veias para que aquela sensação passasse, mas era impossível. Não havia mais nada no meu estômago para vomitar, e minha garganta começava a doer, sentei-me no chão frio do banheiro e acabei deslizando minhas costas pela parede, ficando em uma posição que me causaria
SarahDepois daquela conversa que pareceu ser muito impactante para o meu afiliado, fiz um chá para ambos e finalmente o sono se fez presente, então sugeri que ele fosse deitar e fiz o mesmo. No quarto, meu marido dormia tranquilamente de bruços, no canto da nossa grande cama de casal, a janela da sacada estava aberta e uma brisa leve entrava, balançando suavemente seus fios castanhos claro.Deitei-me ao seu lado e abracei suas costas largas, me aninhando no calor de seu corpo, sorrindo ao vê-lo virar-se em minha direção para me abraçar. Foi surpreendente, mas consegui dormir logo, e tive uma noite repleta de sonhos com passagens do passado.Em um deles, estava passeando com minha comadre pelas movimentadas ruas de nossa antiga cidade, Filipe era pequeno e corria ao nosso redor com um sorriso enorme, cheio de pequenos dentinhos de leite; vez ou outra, balançava nossas saias longas enquanto mostrava algo que havia visto de interessante e tentava nos convencer a se aproximar.Minha barri
Filipe A conversa que tive com Ralf ainda me incomodava. Eu confiava nele e foi um grande golpe ser traído daquela forma, mas decidi que seguiria a minha vida em frente, estava disposto a mudar meu modo de agir e me tornar uma pessoa melhor. Conclusão que cheguei depois de uma noite cheia de pesadelos, acompanhados da pequena alucinação que tive no banheiro, que ainda me afetava, me fazendo questionar novamente o que era real e o que não era. Quando pequeno, havia ouvido histórias antigas da minha madrinha que via fantasmas na infância, pensei no que havia me dito sobre a insônia, os calmantes, e uma ideia se impregnou na minha mente.Éramos casos parecidos, será que realmente estávamos vendo coisas sobrenaturais ou eram apenas nossos problemas psiquiátricos criando espectros?Decidi não pensar muito nisso, estava cansado e me encher de grilos apenas tornaria tudo ainda mais complicado, pesquei meu celular sobre o criado-mudo, notando que faltava pouco para as 7h da manhã, havia
O edifício era gigantesco, luxuoso e quase completamente espelhado, passamos pela portaria e notei como meu padrinho cumprimentava educadamente todos os funcionários por quem passava, mesmo os de baixo escalão. Fiquei impressionado, sempre tive uma imagem muito “fixa” do meu padrinho como um executivo rígido e em momento nenhum imaginei que seria tão “amigável”.– Que cara é essa? – ele questionou voltando seus olhos castanhos-claros em minha direção, parecia ter percebido o que eu estava pensando. – Tenho tanta cara de mau assim?– Não. Quero dizer... – gaguejei sem conseguir colocar meus pensamentos em palavras corretas, apenas me enrolando ainda mais. – ‘Tô’ ciente de que não faz o menor sentido…– Não tenho motivos para os destratar... – explicou pensativo enquanto apertava os botões do elevador. – E aliás, eu já estive nessa posição, seria muita hipocrisia da minha parte.– Que? – indaguei surpreso, desde que me entendia por gente, meu padrinho era executivo daquela empresa.– Faz
Quando nos encontramos no saguão principal, minha madrinha trazia consigo dois copos descartáveis de café expresso, um sorriso bonito instalava-se em sua face e vestia-se de maneira mais esportiva, não parecia estar a trabalho, mas seus olhos esverdeados focavam-se no relógio de pulso, checando o horário, aparentemente, andar apressada parecia já ter se tornado um hábito.– E então, gostou da área administrativa? – questionou entregando-me um dos copos, bebeu um pouco do seu próprio café e puxou-me em direção ao seu carro que estava estacionado a alguns metros de distância. – Não mencionei antes, mas como você está no último ano, pensei que poderia servir de incentivo…– Os professores falavam muito dessa área... – respondi quase em um resmungo, sentei no banco do carona e coloquei o cinto, apenas esperando-a ligar a chave na ignição. – É interessante, os funcionários têm bons pagamentos, mas ainda não sei se tenho vocação.– Vocação, é? – dona Sarah repetiu fazendo uma expressão pens