O edifício era gigantesco, luxuoso e quase completamente espelhado, passamos pela portaria e notei como meu padrinho cumprimentava educadamente todos os funcionários por quem passava, mesmo os de baixo escalão. Fiquei impressionado, sempre tive uma imagem muito “fixa” do meu padrinho como um executivo rígido e em momento nenhum imaginei que seria tão “amigável”.– Que cara é essa? – ele questionou voltando seus olhos castanhos-claros em minha direção, parecia ter percebido o que eu estava pensando. – Tenho tanta cara de mau assim?– Não. Quero dizer... – gaguejei sem conseguir colocar meus pensamentos em palavras corretas, apenas me enrolando ainda mais. – ‘Tô’ ciente de que não faz o menor sentido…– Não tenho motivos para os destratar... – explicou pensativo enquanto apertava os botões do elevador. – E aliás, eu já estive nessa posição, seria muita hipocrisia da minha parte.– Que? – indaguei surpreso, desde que me entendia por gente, meu padrinho era executivo daquela empresa.– Faz
Quando nos encontramos no saguão principal, minha madrinha trazia consigo dois copos descartáveis de café expresso, um sorriso bonito instalava-se em sua face e vestia-se de maneira mais esportiva, não parecia estar a trabalho, mas seus olhos esverdeados focavam-se no relógio de pulso, checando o horário, aparentemente, andar apressada parecia já ter se tornado um hábito.– E então, gostou da área administrativa? – questionou entregando-me um dos copos, bebeu um pouco do seu próprio café e puxou-me em direção ao seu carro que estava estacionado a alguns metros de distância. – Não mencionei antes, mas como você está no último ano, pensei que poderia servir de incentivo…– Os professores falavam muito dessa área... – respondi quase em um resmungo, sentei no banco do carona e coloquei o cinto, apenas esperando-a ligar a chave na ignição. – É interessante, os funcionários têm bons pagamentos, mas ainda não sei se tenho vocação.– Vocação, é? – dona Sarah repetiu fazendo uma expressão pens
Sarah…Filipe saiu do consultório em silêncio, seu rosto estava um pouco pálido e sua mente parecia imersa em pensamentos, queria questionar-lhe a respeito da consulta, mas não consegui encontrar as palavras corretas para tocar no assunto e acabamos ficando ambos calados. No fim, optei por apenas levá-lo de volta ao carro, estava quase no horário do almoço e imaginei que poderíamos ter uma conversa mais tranquila em um ambiente mais descontraído.Decidi levá-lo a um restaurante que costumava ir nos encontros com minhas antigas colegas da faculdade, ficava próximo à clínica, coincidência que geralmente resultava em piadinhas bobas, o espaço era enorme e possuía boa ventilação natural, e era administrado por uma família, um casal de imigrantes chineses que trabalhavam junto com suas três filhas.– Ela não me disse, mas imagino que seja uma psiquiatra... – Filipe resmungou quando encontramos uma mesa livre, havia uma expressão de incômodo em seu rosto, mas não parecia estar pensando em de
Ayla... Fitei minha mãe afastando-se e senti uma súbita vontade de rir, não podia acreditar que ela simplesmente despediu-se, explicando vagamente sobre algum imprevisto e apenas fugiu deixando-nos sob a responsabilidade dos meus avós. Contudo não reclamei, pelo contrário, chequei o horário notando que ainda faltava muito para anoitecer e uma ideia me veio à mente.– Deveríamos aproveitar o resto do dia... – comentei sentando-me no banco de trás, Filipe estava sentado ao meu lado, ouvindo-me em silêncio, então vi uma deixa para nos distrairmos um pouco antes do retorno das aulas. – Podemos patinar, esse horário geralmente o ginásio não está muito cheio. Filipe fitou-me por alguns instantes, parecendo incerto, imaginei que não estivesse muito disposto a sair com a “prima”, mas para a minha surpresa, o vi concordar balançando a cabeça positivamente depois de parecer refletir um pouco. Liguei para o meu pai, murmurei que sentia saudade, sentindo meu rosto corar,
Ayla..Era incômodo vê-los indecisos simplesmente sobre conversarem, quis gritar com ambos, bater neles, mas respirei fundo juntando as mãos em frente ao rosto e pensei no que poderia fazer para contornar aquela situação sem ferir o ego masculino dos dois. No final, sem muitas alternativas, acabei optando pela mais louca e precipitada. Gritei o nome de Allen fazendo-o virar-se em minha direção, nossos olhos se encontraram e notei seu rosto pálido corando, quase nunca conversávamos na época que estudamos juntos, mas lembrava do quanto ele era tímido, ainda mais quando se tratava de garotas. – Como tem passado? – perguntei fazendo sinais com a mão para que se aproximasse, e sorri ao vê-lo comentar algo com os outros rapazes que sorriram incentivando-o a se aproximar de mim. – Você foi transferido, que colégio é esse? – Estou numa preparatória... – ele respondeu, sua voz soando baixa e comedida, exatamente como me lembrava da época do ginásio. – Onde você está estudando?– Continuo na
Ayla..O rosto de Allan não saia da minha mente, apertei as mãos no volante pensando nele e senti o aperto no meu peito aumentar, a disparidade entre nossas realidades era dolorosamente gritante. A situação de sua família nunca foi um segredo, ele não escondia, e por consequência, víamos com clareza seus grandes esforços para ser diferente. Porém, não tive muito tempo para refletir sobre aquela questão, pois, minha atenção voltou-se a um rapaz de rosto familiar caminhando tropegamente pelas calçadas, estreitei os olhos tentando o reconhecer e quando consegui, quase não pude acreditar.Era Felipe. Seu semblante era estranho e aparentava estar desnorteado ao ponto de sequer me reconhecer ou o carro, seus olhos fixos na tela do celular. Parei o carro em uma vaga vazia e o seguia a pé, tendo o cuidado de não me deixar ser vista, pelo canto do olho notei que meu pai também o seguia ao longe, parecia tão preocupado quanto eu, e totalmente alheio a minha presença.O que está acontecendo?Fe
Sara…Ayla desde muito nova, mostrava-se uma garota forte, e raramente chorava, mesmo quando era judiada por outras crianças ou se machucava fazendo alguma travessura, as reuniões entre mães do bairro sempre resultavam em questionamentos a respeito de como nós a criamos já que nunca presenciaram minha menininha fazendo uma das famigeradas birras nos mercados.E era justamente por motivos como aqueles que seu desabafo nos chocou tanto, ela era uma moça de mente muito racional, nunca havia nos dado problemas, então, quando seu emocional vinha à tona com tanta violência, causava uma sensação agonizante de desespero.Quando nos casamos, eu decidi que teríamos apenas uma criança, independe do sexo, pois, acreditava que somente assim, poderia ter um maior controle sobre seu comportamento, era um pensamento um tanto totalitarista, mas que na época, parecia o melhor a se fazer. Contudo, enquanto a via crescer, percebi o quanto se isolava em sua própria solidão, preocupando-me muito no início,
Foi impossível não me engasgar ao ouvir aquelas palavras, tossi algumas vezes tentando me recompor e ergui as mãos em frente ao rosto dizendo a mim mesma que poderia lidar com aquela situação, mesmo que longos arrepios escorressem por minha coluna enquanto pensava na gravidade daquela situação. Cecilia estava praticamente adulta, então vê-la tão assustada, fazia com que meus instintos gritassem.– Eu parei de vê-los depois que você nasceu, agora eu apenas os sinto. – Expliquei fingindo calma depois de refletir um pouco procurando pelas palavras corretas.– Eu estou vendo-as desde ontem... – Ela choramingou sussurrando e fazendo uma expressão de desanimo, chegando inclusive a formar um beicinho fofo. – A Susan disse que o estúdio de patinação era assombrado então achei que elas fossem de lá