Passava das 22h00 quando finalmente chegamos em casa, retirei o casaco, colocando-o sobre o sofá e me despi dos sapatos que tornavam a apertar o calo que havia se formado em meu dedo mínimo, e suspirei sentindo-me culpada por não ter tido uma refeição decente com meu afiliado até aquele momento. Desde que saímos para trabalhar pela manhã, não havíamos comido nada muito consistente.Fitei o suporte ao lado da porta e notei que o casaco de Gabriel repousava sobre ele, indicando que estava em casa, voltei meus olhos ao restante da casa, enfim percebendo as luzes já acesas e um cheiro bom que vinha da cozinha. Pelo visto, teríamos jantar caseiro.— Parece que temos companhia... – comentei para Filipe que retirava seus sapatos, coloquei a bolsa ao lado do meu casaco e caminhei em direção ao lavabo para lavar as mãos.Filipe me acompanhou, imitando minhas ações enquanto eu seguia em direção a cozinha, pelo canto do olho podia o ver secando as mãos na toalha branca e pensei comigo mesma se h
FelipeMinha madrinha saiu do quarto, mas suas palavras continuam retumbando em minha mente, atormentando meus pensamentos já perturbados. Lágrimas me vieram aos olhos fazendo-me encolher, uma sensação forte de dor espalhou-se pelo meu corpo como uma queimadura e uma inexplicável falta de ar me sufocou.Levei as mãos à minha cabeça, sentindo como se fosse explodir e senti meu estômago se revirando, corri para o banheiro e acabei vomitando tudo o que havia comido. Eu conhecia aqueles sintomas, sabia que eram sinais de uma crise de abstinência. Fazia apenas três dias que não usava nenhum tipo de drogas, mas meu corpo já estava sentindo falta delas.Quis gritar, correr pela casa ou até mesmo enfiar qualquer porcaria nas minhas veias para que aquela sensação passasse, mas era impossível. Não havia mais nada no meu estômago para vomitar, e minha garganta começava a doer, sentei-me no chão frio do banheiro e acabei deslizando minhas costas pela parede, ficando em uma posição que me causaria
SarahDepois daquela conversa que pareceu ser muito impactante para o meu afiliado, fiz um chá para ambos e finalmente o sono se fez presente, então sugeri que ele fosse deitar e fiz o mesmo. No quarto, meu marido dormia tranquilamente de bruços, no canto da nossa grande cama de casal, a janela da sacada estava aberta e uma brisa leve entrava, balançando suavemente seus fios castanhos claro.Deitei-me ao seu lado e abracei suas costas largas, me aninhando no calor de seu corpo, sorrindo ao vê-lo virar-se em minha direção para me abraçar. Foi surpreendente, mas consegui dormir logo, e tive uma noite repleta de sonhos com passagens do passado.Em um deles, estava passeando com minha comadre pelas movimentadas ruas de nossa antiga cidade, Filipe era pequeno e corria ao nosso redor com um sorriso enorme, cheio de pequenos dentinhos de leite; vez ou outra, balançava nossas saias longas enquanto mostrava algo que havia visto de interessante e tentava nos convencer a se aproximar.Minha barri
Filipe A conversa que tive com Ralf ainda me incomodava. Eu confiava nele e foi um grande golpe ser traído daquela forma, mas decidi que seguiria a minha vida em frente, estava disposto a mudar meu modo de agir e me tornar uma pessoa melhor. Conclusão que cheguei depois de uma noite cheia de pesadelos, acompanhados da pequena alucinação que tive no banheiro, que ainda me afetava, me fazendo questionar novamente o que era real e o que não era. Quando pequeno, havia ouvido histórias antigas da minha madrinha que via fantasmas na infância, pensei no que havia me dito sobre a insônia, os calmantes, e uma ideia se impregnou na minha mente.Éramos casos parecidos, será que realmente estávamos vendo coisas sobrenaturais ou eram apenas nossos problemas psiquiátricos criando espectros?Decidi não pensar muito nisso, estava cansado e me encher de grilos apenas tornaria tudo ainda mais complicado, pesquei meu celular sobre o criado-mudo, notando que faltava pouco para as 7h da manhã, havia
O edifício era gigantesco, luxuoso e quase completamente espelhado, passamos pela portaria e notei como meu padrinho cumprimentava educadamente todos os funcionários por quem passava, mesmo os de baixo escalão. Fiquei impressionado, sempre tive uma imagem muito “fixa” do meu padrinho como um executivo rígido e em momento nenhum imaginei que seria tão “amigável”.– Que cara é essa? – ele questionou voltando seus olhos castanhos-claros em minha direção, parecia ter percebido o que eu estava pensando. – Tenho tanta cara de mau assim?– Não. Quero dizer... – gaguejei sem conseguir colocar meus pensamentos em palavras corretas, apenas me enrolando ainda mais. – ‘Tô’ ciente de que não faz o menor sentido…– Não tenho motivos para os destratar... – explicou pensativo enquanto apertava os botões do elevador. – E aliás, eu já estive nessa posição, seria muita hipocrisia da minha parte.– Que? – indaguei surpreso, desde que me entendia por gente, meu padrinho era executivo daquela empresa.– Faz
Quando nos encontramos no saguão principal, minha madrinha trazia consigo dois copos descartáveis de café expresso, um sorriso bonito instalava-se em sua face e vestia-se de maneira mais esportiva, não parecia estar a trabalho, mas seus olhos esverdeados focavam-se no relógio de pulso, checando o horário, aparentemente, andar apressada parecia já ter se tornado um hábito.– E então, gostou da área administrativa? – questionou entregando-me um dos copos, bebeu um pouco do seu próprio café e puxou-me em direção ao seu carro que estava estacionado a alguns metros de distância. – Não mencionei antes, mas como você está no último ano, pensei que poderia servir de incentivo…– Os professores falavam muito dessa área... – respondi quase em um resmungo, sentei no banco do carona e coloquei o cinto, apenas esperando-a ligar a chave na ignição. – É interessante, os funcionários têm bons pagamentos, mas ainda não sei se tenho vocação.– Vocação, é? – dona Sarah repetiu fazendo uma expressão pens
Sarah…Filipe saiu do consultório em silêncio, seu rosto estava um pouco pálido e sua mente parecia imersa em pensamentos, queria questionar-lhe a respeito da consulta, mas não consegui encontrar as palavras corretas para tocar no assunto e acabamos ficando ambos calados. No fim, optei por apenas levá-lo de volta ao carro, estava quase no horário do almoço e imaginei que poderíamos ter uma conversa mais tranquila em um ambiente mais descontraído.Decidi levá-lo a um restaurante que costumava ir nos encontros com minhas antigas colegas da faculdade, ficava próximo à clínica, coincidência que geralmente resultava em piadinhas bobas, o espaço era enorme e possuía boa ventilação natural, e era administrado por uma família, um casal de imigrantes chineses que trabalhavam junto com suas três filhas.– Ela não me disse, mas imagino que seja uma psiquiatra... – Filipe resmungou quando encontramos uma mesa livre, havia uma expressão de incômodo em seu rosto, mas não parecia estar pensando em de
Ayla... Fitei minha mãe afastando-se e senti uma súbita vontade de rir, não podia acreditar que ela simplesmente despediu-se, explicando vagamente sobre algum imprevisto e apenas fugiu deixando-nos sob a responsabilidade dos meus avós. Contudo não reclamei, pelo contrário, chequei o horário notando que ainda faltava muito para anoitecer e uma ideia me veio à mente.– Deveríamos aproveitar o resto do dia... – comentei sentando-me no banco de trás, Filipe estava sentado ao meu lado, ouvindo-me em silêncio, então vi uma deixa para nos distrairmos um pouco antes do retorno das aulas. – Podemos patinar, esse horário geralmente o ginásio não está muito cheio. Filipe fitou-me por alguns instantes, parecendo incerto, imaginei que não estivesse muito disposto a sair com a “prima”, mas para a minha surpresa, o vi concordar balançando a cabeça positivamente depois de parecer refletir um pouco. Liguei para o meu pai, murmurei que sentia saudade, sentindo meu rosto corar,