Camila
A água quente escorre pelo meu corpo juntamente com algumas lágrimas que persistem em banhar minha face. Envolvo minhas mãos ao redor dos meus quadris e luto para não ser massacrada pela aflição que domina o meu peito.
— Por que estou com tanto medo? — me questiono mentalmente. — Eu sou uma mulher forte. Eu consigo fazer isso sozinha. A certeza em mim de que Henrique irá renegar esta criança é tão grande que antes mesmo de ouvir as palavras da sua boca eu já estou sofrendo. Mal chegamos ao apartamento e eu corri direto para o banheiro, trancando a porta por dentro. Viemos durante todo o trajeto sem proferir uma única palavra. Apenas a sua mão sobre a minha, apertando-a forte a cada sinal vermelho. Ele nem sequer ousou tentar abrir a porta. Talvez por ter percebido que eu precisava de um tempo sozinha. — Por que você está com medo, Camila? Por quê? — Muitas pessoas acham que eu sou forte e na maioria das vezes eu tento ser. O únicoCamilaUM leve arrepio me percorre ao sentir os dedos de Henrique tracejarem as finas estrias esbranquiçadas do meu quadril esquerdo. Sua outra mão repousa sobre o meu ventre, e sua barba faz deliciosas cócegas na curvatura do meu ombro.Ainda domina na minha cabeça as palavras que mamãe proferiu durante a ligação que a fiz há minutos atrás. Mesmo não tendo dito, percebi pela mudança na sua voz que ela não esperava que Henrique fosse aceitar a minha gravidez. Muito menos que ele teria a coragem de pedir o divórcio. Eu entendo sua insegurança com relação a ele, mas não me agrada em nada saber que minha mãe não gosta do homem que escolhi para ter ao meu lado. Henrique não disse nada, mas sei que também ficou chateado. Ele estava bem próximo a mim, e mesmo não estando no viva-voz, pôde ouvir a tudo que minha mãe disse. Só espero que com o tempo ela possa desfazer a má impressão que construiu dele.— Tem certeza que não quer que eu a acompanhe? — pergunta Henr
Henrique— POSSO entrar? — pergunta Marcone segurando a porta entreaberta da minha sala.— Claro — confirmo fechando a janela do Excel e voltando minha atenção para ele.— Nós mal conversamos desde que você voltou de viagem, cara — elucida indo até o mini-bar, servindo-se de uma dose de uísque.— Por que você sempre vem pra cá quando quer beber? — indago erguendo minhas sobrancelhas para ele.— Porque alguém precisa beber essa belezinha, meu amigo — explica ao levar o copo aos lábios, caminhando até a minha mesa e sentando-se de frente para mim. — Então, alguma novidade? — pergunta, curioso.— Sim, pedi o divórcio e vou ser pai — comunico. Marcone tosse, quase esgasgando-se com a bebida, e olha para mim completamente perplexo.— Que merda é essa, Henrique? Isso lá é brincadeira que se faça? — questiona, irritado, passando a manga do palitó sobre os lábios.— Eu não estou brinc
CristinaOBSERVO as paredes inertes esperando que a minha mente reviva uma lembrança de algo que me faça sorrir, mas não há nada. Nada que me faça recordar um momento meu com Henrique vivido aqui. Nada nesta casa me lembra dele. É como se ele nunca realmente tivesse feito parte desse lugar.Tento forçar um choro mas as lágrimas não vêm. Parece que até elas cansaram-se de mim. Ponho sobre a pia o prato de comida quase intocado. Meu estômago dá voltas e mais voltas, vazio, assim também como o meu coração. Lanço meu olhar por toda a cozinha, com suas cores neutras, totalmente limpa. Acordei às cinco da manhã, não tenho certeza se dormir, e levantei às pressas, limpando cada centímetro da casa como se isso fosse fazer com que eu me sentisse melhor, e de certo modo fez. Recordei-me de um dos poucos momentos da minha vida em que me impus; do quão persistente eu fui para convencer Henrique a comprar essa casa. Espaçosa o suficiente para criar os filhos que nunca
CristinaAINDA é confuso para mim percorrer este trajeto, sentir os ombros apressados passarem por mim, ouvir os irritantes sons das buzinas, o peso dos livros nas minhas mãos e a sensação térmica do ambiente sob os meus pés, mesmo estando fazendo-o há quase duas semanas.Às vezes digo para mim mesma que eu voltaria à faculdade a qualquer momento, mas, talvez, se não fosse pela intromissão de Henrique e Marcone, eu teria adiado meu regresso por muito mais tempo.De certo modo é como se eu tivesse voltado a ter dezenove anos de idade. Só que agora com o cabelo sobre os ombros e não nos quadris, e principalmente, não sendo mais uma jovem prestes a subir ao altar, mas sim uma mulher separada.A princípio imaginei que me sentiria completamente fora de habitat. Naquela manhã, três dias após a visita de Marcone, pesquisei na internet o número da faculdade e liguei para lá. Inacreditavelmente foi um processo bem simples. A prova em questão que precisei faze
CamilaVOLTAS, voltas e mais voltas. Tomo uma inspiração profunda e tento controlar a ânsia de vômito que sobe pela minha garganta. Apoio minhas mãos sobre o tapete e fico de pé, desfazendo a balasana. Nem mesmo a prática de Yoga está ajudando a passar a minha irritação.Às nove da manhã de uma quinta-feira eu normalmente estaria participando de uma reunião da imobiliária dos meus pais, conferindo o estoque de bebidas da Casa ou ensaiando a coreografia de alguma música na barra de pole dance. Porém não é essa a rotina que tenho seguido nos últimos dias.Paro o meu corpo em frente à televisão desligada da sala e levanto minha blusa branca de algodão; o short de moletom cinza abraçando os meus quadris. Minha barriga ainda não está perceptível. Se não fosse pelos enjoos matinais e pelo meu sono além do normal eu nem me lembraria que estou grávida. E claro, o excesso de zelo das pessoas ao redor como se eu de uma hora para outra tivesse me transformado numa porce
CamilaEU nunca fui uma mulher muito paciente. Se eu quero uma coisa, ela tem que estar disponível para mim no momento em que eu a quero. Talvez por essa razão eu tenha recusado os pedidos de namoro que recebi durante toda a minha vida. É muito difícil adaptar-se à rotina de alguém quando normalmente os outros é que precisam se moldar aos seus horários e costumes. Porém nos momentos em que os outros costumam perder a paciência, eu consigo manter o controle sobre mim. Como por exemplo agora. Depois de quase quarenta minutos sem parecer sair do lugar, os veículos que me cercam buzinam incessantemente e alguns motoristas xingam as motocicletas que ultrapassam os carros. O caos congestionado que é o trânsito em toda grande metrópole. Normalmente uso esse tempo de inércia para escutar as músicas que gosto ou o audiobook de algum livro. Mas hoje eu só consigo pensar no resultado do exame de sexagem fetal, e claro, ouvir pela primeira vez os batimentos cardíacos do meu bebê.
Henrique— VOCÊ pode parar de fazer este batuque insuportável? — peço para Marcone, fixando meus olhos por alguns instantes em seus dedos sobre o painel do carro.— Pedindo assim com tanto carinho... — ironiza, levando seus dedos para a coxa.— Posso saber por que você não quis vir com o seu próprio carro? — pergunto ao acelerar o veículo logo que o sinal verde é aberto.— Simples, meu amigo, para preservar o meio ambiente — responde com seu sorriso cínico. — Se estamos indo para o mesmo lugar por que eu gastaria a minha gasolina à toa? Além disso, podemos conversar durante o trajeto. Você não me explicou o que exatamente pretende fazer com relação a Priscila.— Por enquanto nada — replico. — Ela já entendeu que se voltar a perturbar Camila será demitida do escritório. Nem que para isso eu a processe por assédio — falo seriamente. — Priscila é uma boa advogada e sabe a credibilidade que tem em nosso escritório. Ela não é id
CamilaHENRIQUE leva sua mão esquerda à base da minha coluna, conduzindo-nos em meio às tendas e mesas ornamentadas por toalhas de renda rosa chá. A cor das toalhas nos transmite uma sensação acolhedora junto ao sol do fim da tarde.A cada três meses o orfanato organiza um evento a fim de celebrar os novos benfeitores, apresentar as ações educacionais em que o dinheiro é investido e também conscientizar a sociedade sobre a importância da adoção.É estranho para mim estar em um evento como esse e não ser recepcionada por Ester, com seu sorriso frouxo e os bracinhos ligeiros em volta da minha cintura.Quando Íris me ligou há cinco dias atrás convidando-me para o evento, ela me informou antes mesmo que eu a perguntasse que Ester e seus novos pais não compareceriam. Eles achavam que trazê-la aqui poderia atrapalhar o seu processo de adaptação, já que ela sentia saudade do convívio com as outras crianças.Passeio os meus olhos pelas crianças que