Camila
— POR favor, que seja negativo — repito várias vezes na minha cabeça. Sinto como se o chão estivesse se abrindo sobre os meus pés; como se a gravidade estivesse sendo roubada de mim. Minha mãe e Bruna estão sentadas ao meu lado. Ambas seguram minhas mãos firmemente. Nós estamos há duas malditas horas no consultório de Leila esperando pelo resultado do exame Beta HCG. — Por favor, que seja negativo — volto a repetir.
Leila adentra ao consultório com um envelope branco em mãos. Toma seu lugar em frente a nós, me dando seu sorriso gentil. Ela ajudou minha mãe a trazer-me ao mundo e é minha ginecologista desde a minha adolescência. Sei que deve está me achando uma irresponsável, apesar de não ter me criticado. Como eu pude esquecer de tomar a injeção? Ela abre o envelope e direciona seus olhos castanho-claros por todo o conteúdo do papel, esboçando um leve sorriso.— Parabéns, Camila — deseja olhando fixamente para mim. — O exame deu positivo. Você está
Cristina— APENAS respire — falo mentalmente. — Apenas respire. Não consigo fazer com que minhas lágrimas cessem. É como se o mundo estivesse desabando sobre mim. O meu mundo está ruindo. E o pior é ter a consciência que, de certa forma, eu já esperava por isso, e mesmo assim deixei acontecer.Quando Henrique começou a me contar tudo fez sentido. Vislumbrei na minha cabeça todos os acontecimentos das últimas semanas. Desde a noite em que ele chegou muito tarde à sua explosão no almoço da casa de sua mãe. Foi tudo tão rápido. Aconteceu ao alcance dos meus olhos e eu não fiz nada para impedir.— Mas o que você poderia fazer? — questiona uma vozinha na minha cabeça. — O que você teria feito, Cristina? — Nada. Pura e simplesmente nada. Poucas vezes tomei atitudes por mim mesma na minha vida. As únicas ocasiões em que realmente lutei por algo foram para conseguir fazer minha graduação em Serviço Social, que acabei desistindo no sexto semestre, e
CamilaDESDE pequena eu tinha liberdade para fazer somente aquilo que tivesse vontade. Meus pais nunca me impuseram nada; educaram-me para ser uma mulher consciente das suas ações, que poderia levar sua vida segundo os seus desejos e vontades desde que mantivesse o seu caráter e não fizesse nada que pudesse magoar outras pessoas em prol da sua felicidade.Eu segui por muito tempo esses ensinamentos como os norteadores da minha vida, mas ultimamente tenho fechado os meus olhos para tanta coisa... Eu costumava ponderar as consequências dos meus atos, e agora, por permitir que a paixão falasse acima da razão, perdi totalmente o controle sobre a minha vida.Não me arrependo em nenhum momento por ter me envolvido com Henrique. Fiquei com ele sabendo que era casado. Com outros homens eu não teria nem pensado duas vezes antes de me afastar, mas com ele... Foi algo além de mim. Um desejo intenso que não fui capaz de controlar, e que me fez camuflar os olhos par
CamilaA água quente escorre pelo meu corpo juntamente com algumas lágrimas que persistem em banhar minha face. Envolvo minhas mãos ao redor dos meus quadris e luto para não ser massacrada pela aflição que domina o meu peito.— Por que estou com tanto medo? — me questiono mentalmente. — Eu sou uma mulher forte. Eu consigo fazer isso sozinha.A certeza em mim de que Henrique irá renegar esta criança é tão grande que antes mesmo de ouvir as palavras da sua boca eu já estou sofrendo. Mal chegamos ao apartamento e eu corri direto para o banheiro, trancando a porta por dentro. Viemos durante todo o trajeto sem proferir uma única palavra. Apenas a sua mão sobre a minha, apertando-a forte a cada sinal vermelho. Ele nem sequer ousou tentar abrir a porta. Talvez por ter percebido que eu precisava de um tempo sozinha.— Por que você está com medo, Camila? Por quê? — Muitas pessoas acham que eu sou forte e na maioria das vezes eu tento ser. O único
CamilaUM leve arrepio me percorre ao sentir os dedos de Henrique tracejarem as finas estrias esbranquiçadas do meu quadril esquerdo. Sua outra mão repousa sobre o meu ventre, e sua barba faz deliciosas cócegas na curvatura do meu ombro.Ainda domina na minha cabeça as palavras que mamãe proferiu durante a ligação que a fiz há minutos atrás. Mesmo não tendo dito, percebi pela mudança na sua voz que ela não esperava que Henrique fosse aceitar a minha gravidez. Muito menos que ele teria a coragem de pedir o divórcio. Eu entendo sua insegurança com relação a ele, mas não me agrada em nada saber que minha mãe não gosta do homem que escolhi para ter ao meu lado. Henrique não disse nada, mas sei que também ficou chateado. Ele estava bem próximo a mim, e mesmo não estando no viva-voz, pôde ouvir a tudo que minha mãe disse. Só espero que com o tempo ela possa desfazer a má impressão que construiu dele.— Tem certeza que não quer que eu a acompanhe? — pergunta Henr
Henrique— POSSO entrar? — pergunta Marcone segurando a porta entreaberta da minha sala.— Claro — confirmo fechando a janela do Excel e voltando minha atenção para ele.— Nós mal conversamos desde que você voltou de viagem, cara — elucida indo até o mini-bar, servindo-se de uma dose de uísque.— Por que você sempre vem pra cá quando quer beber? — indago erguendo minhas sobrancelhas para ele.— Porque alguém precisa beber essa belezinha, meu amigo — explica ao levar o copo aos lábios, caminhando até a minha mesa e sentando-se de frente para mim. — Então, alguma novidade? — pergunta, curioso.— Sim, pedi o divórcio e vou ser pai — comunico. Marcone tosse, quase esgasgando-se com a bebida, e olha para mim completamente perplexo.— Que merda é essa, Henrique? Isso lá é brincadeira que se faça? — questiona, irritado, passando a manga do palitó sobre os lábios.— Eu não estou brinc
CristinaOBSERVO as paredes inertes esperando que a minha mente reviva uma lembrança de algo que me faça sorrir, mas não há nada. Nada que me faça recordar um momento meu com Henrique vivido aqui. Nada nesta casa me lembra dele. É como se ele nunca realmente tivesse feito parte desse lugar.Tento forçar um choro mas as lágrimas não vêm. Parece que até elas cansaram-se de mim. Ponho sobre a pia o prato de comida quase intocado. Meu estômago dá voltas e mais voltas, vazio, assim também como o meu coração. Lanço meu olhar por toda a cozinha, com suas cores neutras, totalmente limpa. Acordei às cinco da manhã, não tenho certeza se dormir, e levantei às pressas, limpando cada centímetro da casa como se isso fosse fazer com que eu me sentisse melhor, e de certo modo fez. Recordei-me de um dos poucos momentos da minha vida em que me impus; do quão persistente eu fui para convencer Henrique a comprar essa casa. Espaçosa o suficiente para criar os filhos que nunca
CristinaAINDA é confuso para mim percorrer este trajeto, sentir os ombros apressados passarem por mim, ouvir os irritantes sons das buzinas, o peso dos livros nas minhas mãos e a sensação térmica do ambiente sob os meus pés, mesmo estando fazendo-o há quase duas semanas.Às vezes digo para mim mesma que eu voltaria à faculdade a qualquer momento, mas, talvez, se não fosse pela intromissão de Henrique e Marcone, eu teria adiado meu regresso por muito mais tempo.De certo modo é como se eu tivesse voltado a ter dezenove anos de idade. Só que agora com o cabelo sobre os ombros e não nos quadris, e principalmente, não sendo mais uma jovem prestes a subir ao altar, mas sim uma mulher separada.A princípio imaginei que me sentiria completamente fora de habitat. Naquela manhã, três dias após a visita de Marcone, pesquisei na internet o número da faculdade e liguei para lá. Inacreditavelmente foi um processo bem simples. A prova em questão que precisei faze
CamilaVOLTAS, voltas e mais voltas. Tomo uma inspiração profunda e tento controlar a ânsia de vômito que sobe pela minha garganta. Apoio minhas mãos sobre o tapete e fico de pé, desfazendo a balasana. Nem mesmo a prática de Yoga está ajudando a passar a minha irritação.Às nove da manhã de uma quinta-feira eu normalmente estaria participando de uma reunião da imobiliária dos meus pais, conferindo o estoque de bebidas da Casa ou ensaiando a coreografia de alguma música na barra de pole dance. Porém não é essa a rotina que tenho seguido nos últimos dias.Paro o meu corpo em frente à televisão desligada da sala e levanto minha blusa branca de algodão; o short de moletom cinza abraçando os meus quadris. Minha barriga ainda não está perceptível. Se não fosse pelos enjoos matinais e pelo meu sono além do normal eu nem me lembraria que estou grávida. E claro, o excesso de zelo das pessoas ao redor como se eu de uma hora para outra tivesse me transformado numa porce