Giulia
Dias depois— Não sei o porquê de tanta reclamação. — Antônia passava os dedos sobre as peças de roupas chiques expostas nos cabides de uma loja de marca. Ela era a minha única amiga e adorava comprar roupas e joias caras. — Tem tudo que deseja. Seu pai não economiza na sua mesada e aposto que Pablo também vai te agradar assim. Só basta você dar uma chance ao cara. Ele até que é gostosinho.— Você pode se casar no meu lugar — debochei, sentindo raiva do que ela falou. — Pablo é um machista de merda; só quer transar comigo e vai me tratar como um lixo depois do casamento.— Assim como todos, Giulia. Não pode se esquecer de que não estamos em um conto de fadas. Mas se eu fosse você, aprenderia a seduzir o homem e a fazer com que ele me venerasse, não desprezasse.— Se dependesse de mim, eu cortaria o pau dele só para não ter que me casar. — Bufei, cruzando os braços e me sentindo frustrada. — E não quero falar sobre isso.Eu não via o tempo passar. Minha amiga não parava de falar sobre sua vida e de como eu deveria agradecer pela minha.Saí da loja sem nenhuma sacola, só com raiva e chateada por tudo. Paramos em uma cafeteria e eu pensei em tomar um café. Estávamos ao lado de fora, aproveitando o ar livre e o pouco sol.— Vamos sair hoje à noite? — ela sugeriu.Pelo menos isso me interessava naquele dia chato.— Meu pai está bem ranzinza nesta semana por conta do meu desgosto em não querer me casar com Pablo, mas sair pode me ajudar e, talvez, ele querendo me agradar mais, possa concordar com isso.Meu pai até que estava tolerante ultimamente. O que me deixava com a pulga atrás da orelha. Sempre que ele me dava algo, cobrava-me no futuro. Eu teria que ser bem mais esperta que ele se quisesse me livrar de todos os compromissos que ele poderia me dar.***Tive que mentir para ir àquela boate. Se meu pai soubesse aonde iríamos, obviamente, não me deixaria sair. O meu problema mesmo seria quando eu voltasse para casa, pois sabia bem que ele colocava seus homens atrás de mim e que ficava ciente de tudo que eu fazia.Era arriscado provocá-lo quando ele estava sendo bem bonzinho, então eu sabia que minha libertinagem iria me render algumas punições. Contudo, fazia um tempo que eu não saía e ia a lugares assim.Entrei no local, sentindo que deveria me comportar, porém nem tanto. Se eu iria ficar de "castigo", que fosse por me divertir o bastante.Antônia era a filha de um burocrata mau-caráter que roubava de todos os lados. Por isso era tão rico. Ultimamente, ele estava na boca do povo e sendo acusado pelo óbvio, só que nem isso conseguia abaixar o temperamento da sua filha, que usufruía do dinheiro como se fosse uma fonte sem fim.— Fiquei surpresa por seu pai ter sido tão.... bom em deixar você vir comigo — ela falou perto do meu ouvido, pois a música nos impedia de conversar normalmente.— Eu não disse onde seria a festa. — Ri antes de tomar mais um gole da bebida cor-de-rosa, sabor morango, que pedi. — Minha noite não vai acabar bem.— Vamos para a área VIP. Aqui está muito lotado. — Pegou-me pela mão e me conduziu às escadas da boate, que eram iluminadas com luzes fluorescentes neons.Enquanto eu subia, olhava para todos que estavam lá embaixo se esfregando uns nos outros e bebendo álcool como se fosse água. Na área VIP podíamos conversar normalmente. Havia sofás confortáveis de couro, mesas, cadeiras, pufes e um bar exclusivo.Antônia e eu ficamos olhando para as pessoas no andar inferior enquanto ela me contava mais sobre os escândalos do seu pai como se não fossem nada demais. Então, por cima dos seus ombros, eu o vi. Estava com dois outros homens. Acho que um deles era seu irmão Lorenzo. Mas ele, em particular, estava me encarando com um sorriso de canto.Voltei minha atenção à minha amiga e tentei não parecer desconfortável, mesmo sabendo que ele ainda me observava.— Preciso de algo mais forte. — Afastei-me dela e fui em direção ao bar.Eu sentia frio na barriga só de pensar que ele estava ali e me encarava. Não fazia ideia do porquê estava desse jeito. Dante não queria nada comigo, nem eu com ele. Além disso, ele era pior que Pablo. Eu deveria manter distância de mafiosos, um abismo de distância.— É uma surpresa vê-la aqui — a voz grossa e intimidadora soou ao meu ouvido como um vento gelado que me paralisou.Aja naturalmente.— Pelo que conheço de Marcos, ele não permitiria que sua única filha viesse a um lugar como esse.Dei um leve sorriso, sentindo-me motivada a respondê-lo à altura.— Meu pai é um homem inteligente, senhor Mitolli: me dá algo e pede outra coisa em troca. — Fiquei feliz por meu drink ter chegado rápido. — Além disso, não estou em um bordel. É só uma festa com minha amiga.— Uma festa regada a muito álcool e drogas. — Levantou uma das sobrancelhas.Eu não deveria olhá-lo tão de perto, como no outro dia. Ele possuía traços fortes e um charme que poucos tinham, que chamava a atenção. Todos sempre falavam que Dante era o mais parecido com o pai. E devo admitir que esse homem, apesar de ter mais que o dobro da minha idade, deixava-me atraída por ele e totalmente desestabilizada.— Não preciso que cuide de mim. Ele já faz esse trabalho — falei antes de sair sem olhar para trás, ou perderia a mínima coragem que criei para o responder.Confesso que, por dentro, fiquei orgulhosa de mim mesma. Poucas mulheres, creio eu, responderia ele desse jeito.***Minha melhor amiga, simplesmente, sumiu com algum carinha e me deixou a ver navios na área VIP. Quando saí do banheiro feminino, ela já não estava mais ali, e como era hora de eu ir, por saber que não deveria provocar meu pai mais do que já havia provocado, decidi ir embora.Desci as escadas, com esperança de encontrá-la em meio à multidão. Todavia, conhecendo Antônia, eu sabia que ela já deveria estar agarrando alguém em algum lugar daquela balada barulhenta. Segui em frente, pronta para sair, quando uma pessoa me pegou pelo braço. Ela não fez mais do que isso.Então olhei para trás e encontrei Dante, que, sem dizer uma palavra, conduziu-me para o lado oposto da saída. Nunca tinha me sentido tão indefesa e amedrontada. Não que ele pudesse fazer algo de ruim comigo, mas alguma coisa nele me despertava um instinto de fuga. Talvez fosse o meu cérebro tentando me alertar, só que, por ora, meu corpo foi simplesmente manipulado pelas boas vibrações que vinham daquele simples toque na mão.Eu não sabia o porquê de tudo isso, só o segui. Então, em um determinado canto quase sem ninguém e iluminado por algumas luzes neons, ele não disse nada, somente me colocou contra a parede e me beijou. Achei estranho no início, entretanto fui inundada por uma sensação boa de calor e prazer. Suas mãos no meu corpo tocavam nas partes certas para me acender de vez.Passei os braços em volta do seu pescoço enquanto uma de suas mãos em minha coxa subia pela saia fina e brilhosa que escolhi usar. Nada além de "mais e mais" se passava na minha cabeça. Eu tinha até me esquecido de onde e com quem estava.E, de repente, foi um estalo de consciência que me acordou.— Tenho que ir antes que meu pai venha e me carregue à força — falei, ofegante e bêbada com aquele beijo.— Um minuto a mais ou a menos não vai fazer diferença. — Abriu em seus belos lábios um meio-sorriso.— Acredite: a cada segundo, ele fica mais irritado — expliquei, não conseguindo parar de fitar a sua boca.Sem me dar espaço, ele me beijou novamente, agora com mais rapidez e urgência, tirando-me o resto de ar que tinha em meus pulmões.— Você agora é minha, Giulia Santini.GiuliaDias atuaisMeu plano só ia até a parte em que eu o encontrava, e ponto final. Eu sabia que os meus sentimentos pelo babaca iriam aflorar. Gostaria muito de ser aquela pessoa que sabe bem como esconder o que sente ou que o olharia como um simples idiota que me abandonou do nada.Entretanto, estar no mesmo lugar que Dante era difícil. Todas as vezes que estivemos juntos vinham, a todo tempo, à minha cabeça, torturando-me e fazendo com que minha guarda, a casca dura que tentei formar em torno de mim, desse uma quebrada bem na hora que eu deveria ser a durona.Dante estava nervoso, era bem visível. O que era estranho e surpreendente para mim, pois eram poucas as vezes que o víamos tendo algum tipo de sentimento que não fosse arrogância ou raiva.Foque, Giulia. Não pode fraquejar. Não se envolva emocionalmente, fale o que veio falar, peça o mínimo de coisas e saia.— Por que está aqui vestindo isso? — ele finalmente disse algo, usando um tom enojado e raivoso. Bem, não era difícil
DanteIsso não pode estar acontecendo, deve ser algum engano ou sonho louco.Giulia foi a única pessoa em toda a minha miserável vida que realmente amei. Amor era uma palavra forte para ser usada por mim. A última mulher que, algum dia, pôde me amar minimamente, morreu em um trágico acidente. A minha mãe não era de sangue. Essa era uma prostituta drogada que fez da minha existência, aos cinco anos de idade, um inferno.Nunca tive sorte para o amor ou uma família normal. Não que eu estivesse reclamando da minha vida com meus irmãos. Se não fosse por Paola, eu nunca teria uma família por quem lutar. Aquela mulher não me odiou por ser um bastardo do seu marido, ela me defendia e me amava. E era punida por isso. Meu pai era um tirano, filho da puta.Sempre disse a mim mesmo que nunca amaria ninguém, que eu não seria o escolhido e que alguém jamais me amaria de verdade. Então, em uma noite estrelada e fria, Giulia apareceu. Seus cabelos loiros estavam soltos e uma mecha caía sobre o seu ro
GiuliaA enorme casa de dois andares, piso escuro e detalhes em madeira era bonita, entretanto não deveríamos estar nela. Eu não queria dormir embaixo de um teto luxuoso, onde um Mitolli poderia entrar a qualquer momento.Dante sabia como mudar o jogo para o seu lado, e eu não seria a idiota de antes, que caiu no seu charme. O meu objetivo era me livrar dos homens que só me machucaram.Nina já estava mais quieta. Ela nem se importava mais com as mudanças de ares às quais era forçada graças à perseguição do meu pai.Nada era só "uma coisa" com esses mafiosos, sempre tiravam uma parte de nós. E, dessa vez, eu estava tentando mudar o rumo da minha vida. O melhor para a minha filha era ficar longe de Drakoy e dos homens que já tinham nos ferido.A noite foi longa. A menina de cabelos claros dormiu como um anjo ao meu lado, na grande cama macia de lençóis brancos.Assim que amanheceu, eu não sabia o que fazer. Não queria ficar mais do que meio segundo longe da minha filha. O medo me cercav
DanteNão consegui mais fechar os olhos e dormir depois da noite em que reencontrei Giulia. Saber que eu tinha uma filha era a coisa que mais me tirava o sono; não por ser um absurdo, mas por tudo que vinha com isso.Como se já não bastasse eu não fazer ideia de como um cara idiota como eu podia ser pai, vinha de brinde a ameaça de Marcos, que estava com seu orgulho ferido por conta disso.Estar perto delas me deixava estranhamente vulnerável, todavia eu precisaria demonstrar superioridade ao encarar aquele filho da mãe naquela noite. Vesti o meu melhor terno, pensando em toda a situação em que eu me encontrava desde a noite anterior. Giulia me odiava, com razão, e a criança em seus braços era o ser mais puro que eu já tinha visto na vida. Muitas vezes, eu já havia ficado com meus sobrinhos no colo, mas nunca imaginei que, em algum momento, seria a minha criança no meu colo. A responsabilidade de ser pai era uma das coisas que mais me botava medo, pois eu não sabia como fazer isso.
GiuliaMinha consciência repetia essa pergunta veementemente: "O que está fazendo, Giulia?". E eu não sabia como responder tão fácil. A única vez que achei estar certa foi naquele dia em que me vesti como uma vadia e pedi a ajuda dele. Só que eu não parava de pensar se essa foi a coisa certa a se fazer. Passei o dia andando de um lugar para o outro, tentando imaginar o que faria, como sairia dessa e como ficaríamos longe da cidade.Dante era um homem misterioso. O que era um charme lá no início, mas, no momento, era uma tortura. Deixar tudo em suas mãos não era nada legal. Ele fazia o que bem entendia, o que era bom para si mesmo, enquanto eu ficava naquela casa que mais parecia uma prisão particular, com uma garotinha minúscula nos braços, sem saber o que aconteceria com nossas vidas.A mulher que ele trouxe até que era simpática, mas me limitei a uma conversa superficial com ela e a me isolar em algum lugar da casa. Eu sabia que ali, eu não precisaria ficar sempre alerta em relação
DanteAs pessoas sempre vinham a mim em busca de ajuda, fosse meus irmãos ou os demais membros da organização. Mas, no momento, eu me via tentando buscar por essa ajuda, sem saber por onde começar. Não queria ser dramático, como se essa situação fosse a mais difícil da minha vida, mesmo parecendo ser. Era o meu maior desafio.Eu tinha certeza sobre os meus sentimentos por Giulia. Mesmo depois de meses longe dela, eu a amava. E em algum lugar daquele ser cheio de ódio por mim, eu sabia que ainda existia aquela paixão que sentíamos um pelo outro.Nunca tinha precisado correr atrás de uma mulher. Jamais havia existido motivos para isso. Contudo, naquele instante, eu tinha. E com ela, vinha a minha filha, que eu havia acabado de descobrir. A menina era uma mini cópia da mãe, mas, diferentemente dela, possuía olhos castanhos.Pegá-la nos braços foi mais difícil do que pensei que seria, pois assim que ela veio para mim, uma coisa muito estranha e sem explicação aconteceu. Eu nunca havia me
Giulia"Tome as rédeas da sua vida, Giulia", meu cérebro dizia. Só que fazer era bem mais difícil do que pensar. No entanto, quem desiste na praia é considerado fraco. E eu não iria desistir tão cedo.Ainda poderia me levantar da cama e pensar em algo que fosse além de olhar para o teto, esperando que meu super-herói Dante Mitolli salvasse o dia.Claro, isso também era difícil, pois eu não sabia o que fazer, nem por onde começar. Não queria ser uma medrosa do caralho que ficaria debaixo das asas do ex, entretanto, olhando para Nina, todo o conceito de coragem sumia. Ela era o meu raio de luz, a única coisa que me fazia ficar de pé, e precisava de mim para não se tornar uma segunda eu.Nina estava precisando de um ar livre, então levantei cedo. Ela já estava toda elétrica, esperando-me. Eu a peguei no meu colo e saí da casa. Dessa vez, com mais calma e claridade, consegui ver como era ao lado de fora. Tinha um enorme portão de ferro na entrada, uma fonte de água na frente, sem muita ve
Giulia— Gi!Abri os olhos e encarei Dante ao meu lado, na cama. Seu sorriso, que eu tanto amava, era como um "bom dia". Não importava a hora, ele estava lindo como na primeira vez que nos vimos. Claro, sem camisa era outra história. Suas tatuagens e algumas cicatrizes até eram atraentes.— Espera. O que está fazendo aqui? — questionei, sentando-me na cama, sem entender nada. — Você não tem permissão para se deitar na mesma cama que eu.— Foi você quem me pediu. — Usou aquele sorriso de canto, achando estranha a minha reação. — Não lembra?Abri os olhos, assustada. Olhando para o outro lado da cama King Size, vi que ele estava vazio. Eu não sabia se me sentia aliviada ou triste. Desde a conversa estranha com aquela mulher, eu vinha me questionando assim. Como se já não fosse ruim o bastante já estar pensando nisso antes da sua visita.Eu não deveria me deixar vencer por aquele sentimento persistente dentro de mim. Dante era um mentiroso de carteirinha e manipulador. Não tinha como eu