Giulia
Um ano e cinco meses antesSer filha de um capo, um dos mais bem-sucedidos no mundo do tráfico, não era fácil. Eu era filha única. Bem, pelo menos era o que eu sabia. E como tal, não poderia sucedê-lo. O que eu achava bom, pois de nenhuma forma queria me sentar naquela cadeira.Porém, tendo sangue Santini, fui prometida em casamento para um dos seus protegidos e braço direito, Pablo Bell Monte. Eu o odiava desde então. Esse homem não via a hora de me ter em sua cama e eu o achava um verme que fazia de tudo para agradar meu pai. Não tinha interesse algum em me casar com ele, mas até o momento não possuía um plano para fugir desse compromisso.Estávamos no Complexo Mitolli, um dos lugares mais reservados de toda a cidade. A família achou que colocar seu exército bem ao lado da mansão seria uma estratégia de guerra. E até que era bem verdade, pois aquilo era considerado uma prisão ou fortaleza.Por mim, não estaríamos naquele lugar. Sempre odiei essa coisa de máfia, muito por conta do meu pai, que era um tirano e fazia de tudo uma vantagem. E o outro motivo era bem óbvio: tudo isso era errado. Mas eu seria hipócrita se dissesse que não usufruía do dinheiro que vinha do crime.Saí do carro, jogando os meus cabelos loiros e longos para trás. Não nego que eu chamava a atenção e que era bem vaidosa. Desde que eu era muito pequena, meu pai me dizia que uma Santini deveria ser notada e me dava tudo que fosse de luxo.Hoje vejo o quanto tudo isso estava sendo cobrado de mim.Eu nunca tinha visto os Mitolli dando uma festa assim antes. Todas as famílias foram convidadas e a casa estava iluminada. O que deu à fachada branca um brilho lindo. Mas ninguém entrava na mansão. O salão de festas era mais ao ar livre, com tecidos, arranjos e um tapete vermelho. Mesas e cadeiras estavam espalhadas pelo lugar e já tinha bastante gente presente.Todos ali se conheciam. As meninas estudavam na mesma escola católica, recebiam as mesmas regras e destino, enquanto os meninos eram preparados para a iniciação, na qual aprendiam a ser criminosos e assassinos.Apesar de todo o charme e personalidade considerada forte, eu não gostava de eventos como esse ou de estar em um mesmo lugar com todas aquelas pessoas.Tudo ali era um jogo sobre quem agradava melhor aos chefões, quem os respeitava e quem era o mais bem-sucedido naquele ramo. Sempre havia uma inimizade velada e uma rixa que poderia ser apaziguada com uma bebida e um charuto ou com um casamento, o que eles chamavam de acordo de sangue.Enquanto meu pai conversava com alguns de seus parceiros, pude ficar livre para andar e me manter o mais longe possível daquela gente. Eu não tinha visto nenhum membro da família por perto e nem sabia o porquê daquela festa.A noite estava estrelada, porém fria. Não fiz uma boa escolha ao optar por um vestido tomara que caia, preto, e deixar de levar algo para cobrir meus ombros.Eu nem queria estar aqui.— Giulia! — A voz de Pablo me dava ânsia.Ele era um homem insuportável, que esperava de mim algo para que pudesse se aproveitar. Por sorte, eu ainda estava perto de outras pessoas. Poderia, assim, ter um pouco de vantagem e, talvez, conseguir me livrar desse babaca.— Está linda hoje.— Obrigada, mas não preciso ouvir isso de você. — Revirei os olhos e virei o rosto, buscando uma forma de escapar dele.— Sempre usando essa sua língua como uma faca — disse, parecendo não ligar para o meu tom sarcástico. — Vou gostar de arrancá-la quando nos casarmos. Algo que está cada dia mais perto de acontecer.— Até lá, tenho o direito de te responder como quero. E se me der licença, vou ao banheiro — falei, irritada, saindo da sua frente.Eu não sabia onde ficava o banheiro e nem queria realmente ir lá, no entanto faria esse "sacrifício" para ficar distante desse homem. Mas fui rapidamente impedida de ir para longe ao quase tropeçar no chão instável, coberto por pequenas pedras. Por sorte, alguém me segurou.— Deus! Me desculpe. Eu... — Ao olhar para cima e enxergar o meu salvador, quase engoli a língua.Dante Mitolli era um homem temido e bem sombrio. Era o bastardo que todos odiavam, mas também o mais perigoso deles.Ele me encarou de cima, com seus olhos escuros e penetrantes, fazendo-me sentir todo o meu corpo tremer. Não sabia que o encontraria. Na verdade, poucos conseguiam falar com ele.— Deve tomar cuidado, menina. — Largou-me depois de se certificar que eu não iria mais cair. — O terreno é um pouco instável para saltos tão pontiagudos.— Certo — foi o que consegui dizer, dando um sorriso tímido.Ele tinha mais que o dobro da minha idade, era perigoso e um homem sério demais, para o meu gosto. Ainda me deixava nervosa, totalmente fora de mim, e quente por dentro quando me olhava tão intensamente.Deixando-me para trás, ele seguiu o caminho em direção ao salão. Encarando-o, pensei no que faria. Sairia ou, simplesmente, voltaria de onde tinha vindo?***Passei o evento todo tentando me concentrar na realidade, nas pessoas ao meu redor e no meu pai, que conversava com outros homens da sua idade, só que falhei miseravelmente por conta de uma única pessoa.Dante me encarou por quase todo o tempo. Meus olhos buscavam por ele também, que me deixava desconfortável, mas não de um jeito ruim.Em um determinado momento, afastei-me de todos. Dessa vez, eu realmente queria ir ao banheiro e fiquei um bom tempo me olhando no espelho. Parecia que algo havia me possuído. Minhas mãos suavam e eu não conseguia parar de pensar naquele homem me segurando.— Deus! Ele é pior que Pablo. Por que estou assim? — perguntei a mim mesma.Retoquei o batom vermelho, dei uma última olhada no espelho e saí, respirando fundo, com a certeza de que aquele mero encontro não era importante nem me afetaria.Claro que qualquer mulher a ser encarada daquela forma por um homem como ele ficaria mexida. Nada tão exagerado como uma atração em si, porém confesso que sempre que nossos olhares se encontravam, eu me sentia atraída por ele em algum sentido.Esqueça, Giulia. Isso não significa nada e você odeia esse tipo de homem. Deve focar no plano de se livrar do seu pai e de Pablo.GiuliaDias depois— Não sei o porquê de tanta reclamação. — Antônia passava os dedos sobre as peças de roupas chiques expostas nos cabides de uma loja de marca. Ela era a minha única amiga e adorava comprar roupas e joias caras. — Tem tudo que deseja. Seu pai não economiza na sua mesada e aposto que Pablo também vai te agradar assim. Só basta você dar uma chance ao cara. Ele até que é gostosinho.— Você pode se casar no meu lugar — debochei, sentindo raiva do que ela falou. — Pablo é um machista de merda; só quer transar comigo e vai me tratar como um lixo depois do casamento.— Assim como todos, Giulia. Não pode se esquecer de que não estamos em um conto de fadas. Mas se eu fosse você, aprenderia a seduzir o homem e a fazer com que ele me venerasse, não desprezasse.— Se dependesse de mim, eu cortaria o pau dele só para não ter que me casar. — Bufei, cruzando os braços e me sentindo frustrada. — E não quero falar sobre isso.Eu não via o tempo passar. Minha amiga não parava de falar
GiuliaDias atuaisMeu plano só ia até a parte em que eu o encontrava, e ponto final. Eu sabia que os meus sentimentos pelo babaca iriam aflorar. Gostaria muito de ser aquela pessoa que sabe bem como esconder o que sente ou que o olharia como um simples idiota que me abandonou do nada.Entretanto, estar no mesmo lugar que Dante era difícil. Todas as vezes que estivemos juntos vinham, a todo tempo, à minha cabeça, torturando-me e fazendo com que minha guarda, a casca dura que tentei formar em torno de mim, desse uma quebrada bem na hora que eu deveria ser a durona.Dante estava nervoso, era bem visível. O que era estranho e surpreendente para mim, pois eram poucas as vezes que o víamos tendo algum tipo de sentimento que não fosse arrogância ou raiva.Foque, Giulia. Não pode fraquejar. Não se envolva emocionalmente, fale o que veio falar, peça o mínimo de coisas e saia.— Por que está aqui vestindo isso? — ele finalmente disse algo, usando um tom enojado e raivoso. Bem, não era difícil
DanteIsso não pode estar acontecendo, deve ser algum engano ou sonho louco.Giulia foi a única pessoa em toda a minha miserável vida que realmente amei. Amor era uma palavra forte para ser usada por mim. A última mulher que, algum dia, pôde me amar minimamente, morreu em um trágico acidente. A minha mãe não era de sangue. Essa era uma prostituta drogada que fez da minha existência, aos cinco anos de idade, um inferno.Nunca tive sorte para o amor ou uma família normal. Não que eu estivesse reclamando da minha vida com meus irmãos. Se não fosse por Paola, eu nunca teria uma família por quem lutar. Aquela mulher não me odiou por ser um bastardo do seu marido, ela me defendia e me amava. E era punida por isso. Meu pai era um tirano, filho da puta.Sempre disse a mim mesmo que nunca amaria ninguém, que eu não seria o escolhido e que alguém jamais me amaria de verdade. Então, em uma noite estrelada e fria, Giulia apareceu. Seus cabelos loiros estavam soltos e uma mecha caía sobre o seu ro
GiuliaA enorme casa de dois andares, piso escuro e detalhes em madeira era bonita, entretanto não deveríamos estar nela. Eu não queria dormir embaixo de um teto luxuoso, onde um Mitolli poderia entrar a qualquer momento.Dante sabia como mudar o jogo para o seu lado, e eu não seria a idiota de antes, que caiu no seu charme. O meu objetivo era me livrar dos homens que só me machucaram.Nina já estava mais quieta. Ela nem se importava mais com as mudanças de ares às quais era forçada graças à perseguição do meu pai.Nada era só "uma coisa" com esses mafiosos, sempre tiravam uma parte de nós. E, dessa vez, eu estava tentando mudar o rumo da minha vida. O melhor para a minha filha era ficar longe de Drakoy e dos homens que já tinham nos ferido.A noite foi longa. A menina de cabelos claros dormiu como um anjo ao meu lado, na grande cama macia de lençóis brancos.Assim que amanheceu, eu não sabia o que fazer. Não queria ficar mais do que meio segundo longe da minha filha. O medo me cercav
DanteNão consegui mais fechar os olhos e dormir depois da noite em que reencontrei Giulia. Saber que eu tinha uma filha era a coisa que mais me tirava o sono; não por ser um absurdo, mas por tudo que vinha com isso.Como se já não bastasse eu não fazer ideia de como um cara idiota como eu podia ser pai, vinha de brinde a ameaça de Marcos, que estava com seu orgulho ferido por conta disso.Estar perto delas me deixava estranhamente vulnerável, todavia eu precisaria demonstrar superioridade ao encarar aquele filho da mãe naquela noite. Vesti o meu melhor terno, pensando em toda a situação em que eu me encontrava desde a noite anterior. Giulia me odiava, com razão, e a criança em seus braços era o ser mais puro que eu já tinha visto na vida. Muitas vezes, eu já havia ficado com meus sobrinhos no colo, mas nunca imaginei que, em algum momento, seria a minha criança no meu colo. A responsabilidade de ser pai era uma das coisas que mais me botava medo, pois eu não sabia como fazer isso.
GiuliaMinha consciência repetia essa pergunta veementemente: "O que está fazendo, Giulia?". E eu não sabia como responder tão fácil. A única vez que achei estar certa foi naquele dia em que me vesti como uma vadia e pedi a ajuda dele. Só que eu não parava de pensar se essa foi a coisa certa a se fazer. Passei o dia andando de um lugar para o outro, tentando imaginar o que faria, como sairia dessa e como ficaríamos longe da cidade.Dante era um homem misterioso. O que era um charme lá no início, mas, no momento, era uma tortura. Deixar tudo em suas mãos não era nada legal. Ele fazia o que bem entendia, o que era bom para si mesmo, enquanto eu ficava naquela casa que mais parecia uma prisão particular, com uma garotinha minúscula nos braços, sem saber o que aconteceria com nossas vidas.A mulher que ele trouxe até que era simpática, mas me limitei a uma conversa superficial com ela e a me isolar em algum lugar da casa. Eu sabia que ali, eu não precisaria ficar sempre alerta em relação
DanteAs pessoas sempre vinham a mim em busca de ajuda, fosse meus irmãos ou os demais membros da organização. Mas, no momento, eu me via tentando buscar por essa ajuda, sem saber por onde começar. Não queria ser dramático, como se essa situação fosse a mais difícil da minha vida, mesmo parecendo ser. Era o meu maior desafio.Eu tinha certeza sobre os meus sentimentos por Giulia. Mesmo depois de meses longe dela, eu a amava. E em algum lugar daquele ser cheio de ódio por mim, eu sabia que ainda existia aquela paixão que sentíamos um pelo outro.Nunca tinha precisado correr atrás de uma mulher. Jamais havia existido motivos para isso. Contudo, naquele instante, eu tinha. E com ela, vinha a minha filha, que eu havia acabado de descobrir. A menina era uma mini cópia da mãe, mas, diferentemente dela, possuía olhos castanhos.Pegá-la nos braços foi mais difícil do que pensei que seria, pois assim que ela veio para mim, uma coisa muito estranha e sem explicação aconteceu. Eu nunca havia me
Giulia"Tome as rédeas da sua vida, Giulia", meu cérebro dizia. Só que fazer era bem mais difícil do que pensar. No entanto, quem desiste na praia é considerado fraco. E eu não iria desistir tão cedo.Ainda poderia me levantar da cama e pensar em algo que fosse além de olhar para o teto, esperando que meu super-herói Dante Mitolli salvasse o dia.Claro, isso também era difícil, pois eu não sabia o que fazer, nem por onde começar. Não queria ser uma medrosa do caralho que ficaria debaixo das asas do ex, entretanto, olhando para Nina, todo o conceito de coragem sumia. Ela era o meu raio de luz, a única coisa que me fazia ficar de pé, e precisava de mim para não se tornar uma segunda eu.Nina estava precisando de um ar livre, então levantei cedo. Ela já estava toda elétrica, esperando-me. Eu a peguei no meu colo e saí da casa. Dessa vez, com mais calma e claridade, consegui ver como era ao lado de fora. Tinha um enorme portão de ferro na entrada, uma fonte de água na frente, sem muita ve