Giulia
Não dava para eu imaginar que, novamente, estava cometendo o erro de correr atrás de Dante Mitolli. Eu poderia mandar esse idiota para o inferno, mas não naquele exato momento, pois precisava dele e da sua proteção.
Eu nunca tinha amado alguém como o amei, e talvez o amasse ainda, mesmo querendo muito exorcizá-lo da minha vida. Depois do amor que vivemos naqueles poucos meses em que jurei que ele mudaria, sofri com mais do que um término. Para Dante, não fui mais do que um corpo quente em sua cama.
E depois de ele ter me largado sem uma justificativa, tive que me virar como pude para me manter em pé e longe do meu pai, pois dentro de mim uma filha estava sendo gerada e ele odiava os Mitolli. Eles eram os reis da cidade, mandavam em tudo; eram perigosos. E o homem que me pôs no mundo não passava de um pau mandado que os traiu e que jurava vingança a eles.
Ao descobrir sobre a minha “traição” de me unir a Dante, ele me prometeu que me mataria junto com minha filha, de quem seu pai não fazia ideia da existência.
Queria ter o poder de mudar as coisas, mas a ver no meu colo todos os dias me trazia a certeza de que, por mais sofrido que fosse amar alguém que não prestava, faria tudo de novo só para a ter comigo.
Como se já não fosse o bastante ter que fugir a todo momento do monstro que se dizia ser meu pai, ainda tinha que me humilhar e me rastejar aos pés de um homem frio e egocêntrico. Nas duas vezes anteriores que tentei contato com ele, fui barrada pelos seus seguranças, que foram reforçados desde a última tentativa de golpe que os Mitolli sofreram.
Nenhum deles confiava mais em ninguém. Seu legado estava sendo construído a base do medo. Seja quem fosse e quanto dinheiro tivesse, poderia sofrer com as consequências de ter sua cabeça decepada caso saísse dos trilhos.
A máfia tomou por completo a cidade que já era considerada uma das piores no crime e tráfico. E, naquele momento, eu me via tendo que pagar uma quantia que não tinha com tanta facilidade só para poder entrar pelos fundos de uma boate suja e impura atrás de uma oportunidade de estar cara a cara com o homem que um dia jurei nunca mais ter o desprazer de encontrar.
Respirei fundo antes de me olhar no espelho e me ver com aquelas roupas vulgares e maquiagem pesada.
Deus! O que eu já tinha feito para manter minha filha a salvo? Nunca havia ido tão longe, mas trabalhar sabendo que meu pai queria matá-la era difícil. Acho que perdi as contas de quantos trabalhos perdi e de quantas vezes tive que me mudar. E, mesmo assim, ele ainda estava a poucos passos de mim.
Sem Dante, eu não poderia sair daquela cidade. Eu não buscava por paternidade ou nada além da sua proteção e ajuda. Tirar-me do país era o meu objetivo, e eu tentaria não o olhar nos olhos para não esquecer tudo que ele já tinha feito comigo e, novamente, cair no seu charme.
— Ele chegou — avisou-me Ava, a pessoa que administrava o lugar onde mulheres vendiam seus corpos e o comércio de drogas rolava solto. — Ele não vem aqui em busca de mulheres, geralmente só se senta e observa — explicou, olhando-me dos pés à cabeça. — Não sei se vai querer a sua aproximação.
— Não preciso que ele me queira. Vou até aquele imbecil, falar o que vim dizer e ir embora — contei, furiosa, tentando abaixar a saia minúscula. Eu nem sabia por que tinha aceitado vestir essas merdas. — Só me diga onde ele está, e eu resolvo o resto.
— Área VIP. — O olhar de desdém não era novidade para mim. — A única forma de conseguir chegar perto dele é servindo as bebidas.
— Certo. Então, vamos logo. — Respirei fundo e saí da sala onde as mulheres se vestiam e se maquiavam antes de irem para o salão.
Aquele lugar era grande, moderno e com um ar de mistério. As cores predominantes eram vermelho e preto. Mesas de jogos ficavam no térreo, e um salão para beber e dançar ficava no primeiro andar. A área VIP era próxima a ele, onde reuniões e negócios eram feitos. Ainda existiam alguns quartos particulares para os quais as mulheres levavam os homens.
Senti-me exposta ao olhar para o lugar e ver alguns deles me encarando. As minhas roupas eram tão pequenas, que só cobriam as partes importantes do meu corpo.
Segui para o bar e perguntei sobre os drinks que seriam levados à área VIP. Peguei a bandeja, pensando que os copos cairiam da minha mão. Eu estava nervosa; não só por estar naquele local, mas também porque em poucos minutos estaria na presença dele.
Quanto mais eu andava, mais homens, de todas as idades, olhavam-me dos pés à cabeça. O frio na barriga me incomodou assim que pisei no primeiro degrau. Respirei fundo mais uma vez e coloquei na cabeça que ele era um idiota, que eu o odiava. Despejaria todo o meu ódio nele, e só.
A cada passo que eu dava, parecia que estava pisando em chamas. Evitei encarar as pessoas, entreguei algumas bebidas e segui em frente.
Em um sofá escuro de couro, olhando alguns papéis, estava Dante. Ele parecia concentrado, com raiva. Isso só me deixou ainda mais ansiosa. Dois homens estavam a poucos passos dele, fazendo a sua segurança. Eu já os conhecia. Eles me mandaram embora, praticamente enxotada, nas outras vezes que tentei me aproximar dele.
Eu esperava que o meu pequeno e exagerado disfarce me fizesse passar por esse primeiro nível.
— Pare onde está! — um deles me ordenou e eu evitei encará-lo. Estava tão nervosa, que poderia perder aquela chance. — Ele não pediu bebida.
— É uma cortesia — informei.
Não posso perder essa chance, nem que eu tenha que chutar esses dois.
— Então me dê, que eu entrego a ele. — Ele se aproximou de mim para pegar o copo, porém o afastei.
— Não. Esse trabalho é meu. — Finalmente fitei o homem alto, de cara fechada e com algumas cicatrizes. — É só uma bebida.
— Se afaste! — Seu olhar escureceu no rosto.
Senti um frio na espinha que se espalhou pelo meu corpo e fiquei frustrada. Aquela era a minha oportunidade. Eu não poderia mais fugir, não tinha saída. Minha filha precisava de proteção.
— DANTE! — berrei.
Nunca que eu faria algo assim, mas foi o jeito.
Ele levantou o olhar para mim com o cenho franzido, tão surpreso quanto eu, e apenas me observou.
— Preciso falar com você agora! — continuei.
Eu não estava esperando pela reação do brutamonte de me pegar pelo pulso com força, derrubando a bandeja e o copo, deixando molhar todo o chão. Minha reação foi tentar me soltar dele. O que o fez me apertar ainda mais, assim como o outro, que também me agarrou, tentando me mandar embora.
Não medi a força quando pisei com o salto fino no pé do primeiro, que, com a dor, soltou-me, dando-me a oportunidade de passar um milímetro para que Dante pudesse me enxergar.
— Por favor, preciso da sua ajuda!
O carinha furioso me puxou com tanta força, que pensei que arrancaria os meus braços.
— SOLTEM ELA AGORA!
GiuliaUm ano e cinco meses antesSer filha de um capo, um dos mais bem-sucedidos no mundo do tráfico, não era fácil. Eu era filha única. Bem, pelo menos era o que eu sabia. E como tal, não poderia sucedê-lo. O que eu achava bom, pois de nenhuma forma queria me sentar naquela cadeira.Porém, tendo sangue Santini, fui prometida em casamento para um dos seus protegidos e braço direito, Pablo Bell Monte. Eu o odiava desde então. Esse homem não via a hora de me ter em sua cama e eu o achava um verme que fazia de tudo para agradar meu pai. Não tinha interesse algum em me casar com ele, mas até o momento não possuía um plano para fugir desse compromisso.Estávamos no Complexo Mitolli, um dos lugares mais reservados de toda a cidade. A família achou que colocar seu exército bem ao lado da mansão seria uma estratégia de guerra. E até que era bem verdade, pois aquilo era considerado uma prisão ou fortaleza.Por mim, não estaríamos naquele lugar. Sempre odiei essa coisa de máfia, muito por cont
GiuliaDias depois— Não sei o porquê de tanta reclamação. — Antônia passava os dedos sobre as peças de roupas chiques expostas nos cabides de uma loja de marca. Ela era a minha única amiga e adorava comprar roupas e joias caras. — Tem tudo que deseja. Seu pai não economiza na sua mesada e aposto que Pablo também vai te agradar assim. Só basta você dar uma chance ao cara. Ele até que é gostosinho.— Você pode se casar no meu lugar — debochei, sentindo raiva do que ela falou. — Pablo é um machista de merda; só quer transar comigo e vai me tratar como um lixo depois do casamento.— Assim como todos, Giulia. Não pode se esquecer de que não estamos em um conto de fadas. Mas se eu fosse você, aprenderia a seduzir o homem e a fazer com que ele me venerasse, não desprezasse.— Se dependesse de mim, eu cortaria o pau dele só para não ter que me casar. — Bufei, cruzando os braços e me sentindo frustrada. — E não quero falar sobre isso.Eu não via o tempo passar. Minha amiga não parava de falar
GiuliaDias atuaisMeu plano só ia até a parte em que eu o encontrava, e ponto final. Eu sabia que os meus sentimentos pelo babaca iriam aflorar. Gostaria muito de ser aquela pessoa que sabe bem como esconder o que sente ou que o olharia como um simples idiota que me abandonou do nada.Entretanto, estar no mesmo lugar que Dante era difícil. Todas as vezes que estivemos juntos vinham, a todo tempo, à minha cabeça, torturando-me e fazendo com que minha guarda, a casca dura que tentei formar em torno de mim, desse uma quebrada bem na hora que eu deveria ser a durona.Dante estava nervoso, era bem visível. O que era estranho e surpreendente para mim, pois eram poucas as vezes que o víamos tendo algum tipo de sentimento que não fosse arrogância ou raiva.Foque, Giulia. Não pode fraquejar. Não se envolva emocionalmente, fale o que veio falar, peça o mínimo de coisas e saia.— Por que está aqui vestindo isso? — ele finalmente disse algo, usando um tom enojado e raivoso. Bem, não era difícil
DanteIsso não pode estar acontecendo, deve ser algum engano ou sonho louco.Giulia foi a única pessoa em toda a minha miserável vida que realmente amei. Amor era uma palavra forte para ser usada por mim. A última mulher que, algum dia, pôde me amar minimamente, morreu em um trágico acidente. A minha mãe não era de sangue. Essa era uma prostituta drogada que fez da minha existência, aos cinco anos de idade, um inferno.Nunca tive sorte para o amor ou uma família normal. Não que eu estivesse reclamando da minha vida com meus irmãos. Se não fosse por Paola, eu nunca teria uma família por quem lutar. Aquela mulher não me odiou por ser um bastardo do seu marido, ela me defendia e me amava. E era punida por isso. Meu pai era um tirano, filho da puta.Sempre disse a mim mesmo que nunca amaria ninguém, que eu não seria o escolhido e que alguém jamais me amaria de verdade. Então, em uma noite estrelada e fria, Giulia apareceu. Seus cabelos loiros estavam soltos e uma mecha caía sobre o seu ro
GiuliaA enorme casa de dois andares, piso escuro e detalhes em madeira era bonita, entretanto não deveríamos estar nela. Eu não queria dormir embaixo de um teto luxuoso, onde um Mitolli poderia entrar a qualquer momento.Dante sabia como mudar o jogo para o seu lado, e eu não seria a idiota de antes, que caiu no seu charme. O meu objetivo era me livrar dos homens que só me machucaram.Nina já estava mais quieta. Ela nem se importava mais com as mudanças de ares às quais era forçada graças à perseguição do meu pai.Nada era só "uma coisa" com esses mafiosos, sempre tiravam uma parte de nós. E, dessa vez, eu estava tentando mudar o rumo da minha vida. O melhor para a minha filha era ficar longe de Drakoy e dos homens que já tinham nos ferido.A noite foi longa. A menina de cabelos claros dormiu como um anjo ao meu lado, na grande cama macia de lençóis brancos.Assim que amanheceu, eu não sabia o que fazer. Não queria ficar mais do que meio segundo longe da minha filha. O medo me cercav
DanteNão consegui mais fechar os olhos e dormir depois da noite em que reencontrei Giulia. Saber que eu tinha uma filha era a coisa que mais me tirava o sono; não por ser um absurdo, mas por tudo que vinha com isso.Como se já não bastasse eu não fazer ideia de como um cara idiota como eu podia ser pai, vinha de brinde a ameaça de Marcos, que estava com seu orgulho ferido por conta disso.Estar perto delas me deixava estranhamente vulnerável, todavia eu precisaria demonstrar superioridade ao encarar aquele filho da mãe naquela noite. Vesti o meu melhor terno, pensando em toda a situação em que eu me encontrava desde a noite anterior. Giulia me odiava, com razão, e a criança em seus braços era o ser mais puro que eu já tinha visto na vida. Muitas vezes, eu já havia ficado com meus sobrinhos no colo, mas nunca imaginei que, em algum momento, seria a minha criança no meu colo. A responsabilidade de ser pai era uma das coisas que mais me botava medo, pois eu não sabia como fazer isso.
GiuliaMinha consciência repetia essa pergunta veementemente: "O que está fazendo, Giulia?". E eu não sabia como responder tão fácil. A única vez que achei estar certa foi naquele dia em que me vesti como uma vadia e pedi a ajuda dele. Só que eu não parava de pensar se essa foi a coisa certa a se fazer. Passei o dia andando de um lugar para o outro, tentando imaginar o que faria, como sairia dessa e como ficaríamos longe da cidade.Dante era um homem misterioso. O que era um charme lá no início, mas, no momento, era uma tortura. Deixar tudo em suas mãos não era nada legal. Ele fazia o que bem entendia, o que era bom para si mesmo, enquanto eu ficava naquela casa que mais parecia uma prisão particular, com uma garotinha minúscula nos braços, sem saber o que aconteceria com nossas vidas.A mulher que ele trouxe até que era simpática, mas me limitei a uma conversa superficial com ela e a me isolar em algum lugar da casa. Eu sabia que ali, eu não precisaria ficar sempre alerta em relação
DanteAs pessoas sempre vinham a mim em busca de ajuda, fosse meus irmãos ou os demais membros da organização. Mas, no momento, eu me via tentando buscar por essa ajuda, sem saber por onde começar. Não queria ser dramático, como se essa situação fosse a mais difícil da minha vida, mesmo parecendo ser. Era o meu maior desafio.Eu tinha certeza sobre os meus sentimentos por Giulia. Mesmo depois de meses longe dela, eu a amava. E em algum lugar daquele ser cheio de ódio por mim, eu sabia que ainda existia aquela paixão que sentíamos um pelo outro.Nunca tinha precisado correr atrás de uma mulher. Jamais havia existido motivos para isso. Contudo, naquele instante, eu tinha. E com ela, vinha a minha filha, que eu havia acabado de descobrir. A menina era uma mini cópia da mãe, mas, diferentemente dela, possuía olhos castanhos.Pegá-la nos braços foi mais difícil do que pensei que seria, pois assim que ela veio para mim, uma coisa muito estranha e sem explicação aconteceu. Eu nunca havia me