Giulia
Minha consciência repetia essa pergunta veementemente: "O que está fazendo, Giulia?". E eu não sabia como responder tão fácil.A única vez que achei estar certa foi naquele dia em que me vesti como uma vadia e pedi a ajuda dele. Só que eu não parava de pensar se essa foi a coisa certa a se fazer. Passei o dia andando de um lugar para o outro, tentando imaginar o que faria, como sairia dessa e como ficaríamos longe da cidade.Dante era um homem misterioso. O que era um charme lá no início, mas, no momento, era uma tortura. Deixar tudo em suas mãos não era nada legal. Ele fazia o que bem entendia, o que era bom para si mesmo, enquanto eu ficava naquela casa que mais parecia uma prisão particular, com uma garotinha minúscula nos braços, sem saber o que aconteceria com nossas vidas.A mulher que ele trouxe até que era simpática, mas me limitei a uma conversa superficial com ela e a me isolar em algum lugar da casa. Eu sabia que ali, eu não precisaria ficar sempre alerta em relação à nossa segurança, então, em vez de pensar em fugir, eu apenas temia a presença de Dante.A tarde veio depois de um dia chato no qual fiquei brincando e cuidando de Nina. Assim que o céu começou a escurecer, ela caiu no sono. Eu sabia bem como funcionava esse seu cochilo: com certeza ela acordaria no meio da madrugada, toda elétrica, impedindo-me de dormir tranquilamente. Já tinha até me acostumado com tudo isso, visto que passava a maior parte da noite acordada, com medo de ser encontrada e morta pelo homem que deveria me proteger de tudo.Vendo que minha filha dormia como um anjo na cama, pensei em tomar um banho e, talvez, poder relaxar um pouco. Apesar de ela estar em um berço, protegida, eu tinha um certo medo de deixá-la por um segundo sequer naquele lugar. Aquela não era a nossa casa. Nunca havíamos tido uma, na verdade.A pessoa que confiava em Deus e no mundo tomou um choque de realidade e começou a ver as coisas como elas eram. Portanto, eu sabia bem que não dava para confiar em mais ninguém, nem mesmo naqueles que achamos que nos amará no bom ou no mau momento.Pouco tempo depois de ligar o chuveiro e começar a me ensaboar, ouvi o choramingo de Nina.— Merda! — murmurei. — A mamãe já vai, querida. Só mais um instante.Não era que eu não a deixasse chorar quando estava ocupada, porém me sentia mais segura estando a todo momento ao seu lado, já que ali não tinha ninguém de minha confiança a olhando. Tentei ser a mais rápida possível, até não ouvir mais nada. Acredito que isso era o que mais me deixava em pânico. Nina era uma bebê calma, que sempre estava sorrindo e brincando, mas era bem chorona às vezes. O cessar do seu choro me deixou assustada, já imaginando que algo ruim tinha acontecido para isso.Estiquei-me para pegar a toalha, enrolei-a no meu corpo e saí o mais breve possível do banheiro. A primeira coisa que notei foi a sua ausência no berço. Depois, mais do que surpreendente, vi ela nos braços de Dante, que estava na varanda.Senti o frio na barriga e quase uma falta de ar ao observar essa cena, pois até então o homem mal tinha olhado para a filha sem que tivesse que fugir depois.— Fico feliz por parecer tanto com a sua mãe. — Eu o ouvi dizer para ela. — Quanto menos tiver de semelhança comigo, melhor para você.Uma parte de mim queria ir até eles e a arrancar de seus braços. Eu sentia que não era necessário ele forçar uma interação entre pai e filha. Porém, passei mais um tempo assistindo ao que acontecia. Dante parecia saber como agir com uma criança, afinal de contas, tinha sobrinhos. Entretanto, desde que lhe falei sobre nossa filha ou estivemos juntas na sua presença, esse cara frio ainda não havia demonstrado o mínimo de felicidade que me parecesse que ele poderia criar afeto por ela.Bem... Sendo um idiota ou não, ele era o seu pai e não lhe representava uma ameaça, ou não estaria nos ajudando. Decidi não correr até lá e ser a babacona. Tentei escolher algo que me deixasse confortável. Nada naquele lugar era realmente meu, nem mesmo as roupas. Contudo, não ficaria nua na presença daquele homem. Não outra vez.Penteei os cabelos e os enrolei no topo da cabeça, deixando uma mecha cair sobre o rosto. Saí e fui até onde eles estavam. Nina já estava deitada em seus ombros, e ver isso me deixou nervosa. Não queria me iludir, achando a cena fofa e, novamente, enganar-me com a "mudança" dele.— Acho melhor colocá-la no berço — não falei muito alto para não a acordar de novo. — Deixe que eu faço isso.Calmamente, ele se virou e me encarou. Estava sério, como sempre. Parecia chateado, mas isso também era comum.— Sei como colocar uma criança no berço, Giulia.Eu diria mais alguma coisa, mas por respeito à paz de espirito da minha filha, calei-me.Ele foi até lá e a colocou no berço com calma e delicadeza, deixando-me ainda mais estranha por dentro, como na primeira vez em que nos vimos. Eu não era idiota. Sabia que, apesar da mágoa, ainda sentia algo pelo imbecil. Só que a nova Giulia não era mais tão inocente. Apesar da sua disposição em nos ajudar, em parecer bom com crianças, eu não iria baixar a guarda e o deixar entrar nas nossas vidas assim, tão facilmente.— Ótimo. Muito obrigada pela sua ajuda, mas...— Temos que conversar — interrompeu-me. — Lá fora. — Puxou-me pelo braço.Do lado de fora do quarto, puxei meu braço com força para que ele me soltasse. Odiei a sua atitude logo quando achei que poderíamos nos dar minimamente bem.— Não faça mais isso. — Cruzei os braços, com raiva. — O que quer? Ou melhor, o que resolveu?— Giulia, sei bem que estou longe de ser a pessoa mais perfeita do mundo — ele começou o seu discurso. Eu sabia bem onde queria chegar. — E não tenho direito algum de pedir que confie em mim ou que me perdoe.— Coisas que não iriam acontecer de forma alguma — apontei, irônica.— Ouça-me — pediu mais parecendo mandar. — Tive um encontro com seu pai.— O quê?! — Merda! Esses dois juntos? — Por quê? O que aconteceu? — Aproximei-me dele, olhando-o nos olhos, claramente ansiosa. — Ele, obviamente, não gostou nada disso.— Desde quando eu tenho medo dele? — Franziu o cenho.— Você não, mas eu sim.— Como eu disse e deixei claro a ele, vocês estão comigo agora, e nada nem ninguém vai machucá-las enquanto estiverem aqui — foi firme.— Se bem me lembro, não pedi que fosse falar com meu pai e lhe desse uma bronca, e sim que nos tirasse daqui — lembrei-o.Dante apenas me deixou falando sozinha e desceu as escadas, indo para a sala de estar.Mais furiosa do que eu naquele momento não existia. Eu o segui, tentando evitar gritar e acordar a minha filha. Se possível, socaria aquele rostinho bonito.— Temos que falar sobre isso — ele disse, vendo que eu o seguia, furiosa.— Não temos nada mais para conversar sobre isso — apontei, irada. — Deixei claro o meu desejo ao procurá-lo. O que pensa que está fazendo? Quer mudar o passado e me provar que mudou ou que pode mudar? — Achei isso quase uma piada de mau gosto. — Não vai rolar.— Olha, querida — falou calmamente, como se fosse ele quem desse o tom da conversa. — Eu mesmo quero que vocês fiquem seguras. E sei bem que ficar comigo é o oposto disso.— Concordamos. — Novamente, cruzei os braços.— Mas a Nina é minha filha — justificou. — Apesar do meu erro, meu intuito é a proteger.— Tendo me deixado com um tirano?— Cometi um erro — repetiu. — Não sou um santo, não sou perfeito. Amor não é algo que me foi ensinado. Sempre que eu amava, alguém se machucava. E se machuca. — Revirei os olhos ao vê-lo tentando se justificar. — Giulia, eu estou sendo sincero.— Então vá direto ao ponto.— Certo. O ponto é que... quero ter o direito de conviver com minha filha.Ri com ironia.— Não sabia dela até ontem, e agora está agindo como um pai? — Levantei uma das sobrancelhas.— Não por escolha, não é?— Sim. Foi sua escolha me deixar para trás. — Aproximei-me dele, apontando-lhe o dedo. — Você escolheu sua família, e quanto a mim, fiquei no inferno e quase morri. Não pode vir aqui agora com esse papo.— Pode me odiar, mas eu amo você. — Bateu-me uma vontade de socar o seu rosto, no entanto resolvi me segurar. — Vou pagar, se já não estou pagando, por tudo que fiz com você. Pode não ter volta, mas saiba que farei de tudo para a reconquistar. Além disso, aquela menina é minha filha. Aqui ou em qualquer lugar no mundo podem correr perigo. Não posso voltar no tempo e mudar as coisas, porém posso fazer o máximo possível para tentar consertá-las a partir de agora.— Não vai rolar.— Então, vou ter que arriscar.DanteAs pessoas sempre vinham a mim em busca de ajuda, fosse meus irmãos ou os demais membros da organização. Mas, no momento, eu me via tentando buscar por essa ajuda, sem saber por onde começar. Não queria ser dramático, como se essa situação fosse a mais difícil da minha vida, mesmo parecendo ser. Era o meu maior desafio.Eu tinha certeza sobre os meus sentimentos por Giulia. Mesmo depois de meses longe dela, eu a amava. E em algum lugar daquele ser cheio de ódio por mim, eu sabia que ainda existia aquela paixão que sentíamos um pelo outro.Nunca tinha precisado correr atrás de uma mulher. Jamais havia existido motivos para isso. Contudo, naquele instante, eu tinha. E com ela, vinha a minha filha, que eu havia acabado de descobrir. A menina era uma mini cópia da mãe, mas, diferentemente dela, possuía olhos castanhos.Pegá-la nos braços foi mais difícil do que pensei que seria, pois assim que ela veio para mim, uma coisa muito estranha e sem explicação aconteceu. Eu nunca havia me
Giulia"Tome as rédeas da sua vida, Giulia", meu cérebro dizia. Só que fazer era bem mais difícil do que pensar. No entanto, quem desiste na praia é considerado fraco. E eu não iria desistir tão cedo.Ainda poderia me levantar da cama e pensar em algo que fosse além de olhar para o teto, esperando que meu super-herói Dante Mitolli salvasse o dia.Claro, isso também era difícil, pois eu não sabia o que fazer, nem por onde começar. Não queria ser uma medrosa do caralho que ficaria debaixo das asas do ex, entretanto, olhando para Nina, todo o conceito de coragem sumia. Ela era o meu raio de luz, a única coisa que me fazia ficar de pé, e precisava de mim para não se tornar uma segunda eu.Nina estava precisando de um ar livre, então levantei cedo. Ela já estava toda elétrica, esperando-me. Eu a peguei no meu colo e saí da casa. Dessa vez, com mais calma e claridade, consegui ver como era ao lado de fora. Tinha um enorme portão de ferro na entrada, uma fonte de água na frente, sem muita ve
Giulia— Gi!Abri os olhos e encarei Dante ao meu lado, na cama. Seu sorriso, que eu tanto amava, era como um "bom dia". Não importava a hora, ele estava lindo como na primeira vez que nos vimos. Claro, sem camisa era outra história. Suas tatuagens e algumas cicatrizes até eram atraentes.— Espera. O que está fazendo aqui? — questionei, sentando-me na cama, sem entender nada. — Você não tem permissão para se deitar na mesma cama que eu.— Foi você quem me pediu. — Usou aquele sorriso de canto, achando estranha a minha reação. — Não lembra?Abri os olhos, assustada. Olhando para o outro lado da cama King Size, vi que ele estava vazio. Eu não sabia se me sentia aliviada ou triste. Desde a conversa estranha com aquela mulher, eu vinha me questionando assim. Como se já não fosse ruim o bastante já estar pensando nisso antes da sua visita.Eu não deveria me deixar vencer por aquele sentimento persistente dentro de mim. Dante era um mentiroso de carteirinha e manipulador. Não tinha como eu
DanteNão era do meu agrado levá-las para longe de mim, entretanto era o mais seguro. Giulia estava presa, e eu sabia que isso não iria funcionar. Ela já estava vivendo assim por todo aquele tempo. Ser alguém sempre a impedindo de fazer o que queria só a afastaria de mim. Além do mais, eu sabia bem o que a tinha feito passar. Só esse fato era o suficiente para a fazer me odiar.Pelo menos consegui realizar um de seus sonhos. E era o melhor para a minha filha. Óbvio que eu nunca iria deixar de protegê-las ou de saber como estaria Nina, todavia, se eu queria ser o mais diferente possível do meu pai, teria que fazer o que fosse melhor para ela.Giulia estava desconfiada e se calou o caminho todo. O que foi estranho. Não queria chateá-la, então a deixei em paz.Essa estava sendo a coisa mais difícil que eu já tinha feito, sendo que já havia passado por muita merda.Foi difícil achar um lugar que fosse seguro para as duas, já que nossa família era conhecida no mundo todo, fosse por parceir
GiuliaTudo estava começando a ficar complicado e confuso para mim. Eu sabia que seria difícil me manter serena quando finalmente nos reencontrássemos, mas nunca imaginei que seria tão difícil vê-lo sendo calmo e compreensivo. Pior, vê-lo sendo um pai para a Nina.Dante sempre deixou claro o que era: um homem frio que estava constantemente correndo para resolver as merdas que aconteciam na sua família. Eu deveria estar ciente disso, porém não conseguiria deixar o meu lado magoado tão cedo.Ele era problema com "P" maiúsculo e, ainda assim, eu me via olhando-o pela janela, esperando-o entrar com Nina, que estava começando a se acostumar com sua presença.Tudo estava pronto para a sua partida, enquanto nós ficaríamos ali, encarando o teto.Era o que você queria, Giulia. Foi o que pediu a ele.Lembrei-me do que aquela mulher disse. Dark não era uma pessoa nada confiável, no entanto suas palavras estavam me perturbando desde a sua visita. Pouco se sabia sobre ela. O que tínhamos de conhec
GiuliaEu não queria aceitar que estava sentindo tanta saudade daquele idiota, mas estava sim. Dante era um filho da puta traidor, egocêntrico e frio, porém tinha algo nele e no que vivemos que me fazia falta quando ele não estava por perto ou quando eu tinha uma certeza de que, em algum período do dia, ele estaria presente.Naqueles últimos dias em que estivemos juntos, ele foi um homem diferente, um cara que eu não conhecia. Pensei que Dante iria ignorar o fato de termos uma filha. Ele sempre dizia que nunca seria pai, e naquela época não me importei. Foi só quando descobri que ele tinha me deixado grávida, que pensei nessa frase milhares de vezes. Achei que ele me ajudaria simplesmente pelo passado ou pela responsabilidade das consequências do nosso curto período juntos.Todos poderiam dizer milhares de injúrias contra ele, e eu era uma dessas pessoas, só que ninguém poderia negar que ele não era um homem que não respeitava ou cumpria com a sua palavra.Todavia, depois do que ele m
DanteSempre me orgulhei de ser um homem que não se abalava por nada e que tinha um foco no trabalho que me ajudava a ser o melhor no que eu fazia, mas aquelas últimas três semanas só serviram para me mostrar que eu não era nada disso. Ser comparado a outros me irritava até certo ponto. Eu era humano e, constantemente, cometia erros. Contudo, nunca imaginei que estaria rendido por uma mulher e que meus pensamentos fossem roubados para onde Giulia e minha filha estivessem.Dizer em voz alta que eu tinha uma filha ainda era estranho. Nunca imaginei que isso poderia acontecer e não sabia como alguém tão minúscula e frágil poderia me fazer tanta falta.Não era como se eu fosse o homem mais normal e o melhor do mundo. Na verdade, muitos me consideravam um monstro; outros, como Giulia, um traidor. No passado, eu sempre disse que nunca passaria o meu DNA adiante, portanto não poderia imaginar que algo assim fosse acontecer. Não pensei que amaria uma mulher como eu amava a mãe da Nina. E ima
GiuliaO que foi toda aquela história que saiu da boca idiota daquele imbecil?Como assim ele vai ficar? Ele nos escolheu?Quem Dante Mitolli pensa que é? O que ele quer de mim? Enlouquecer-me?Tudo que eu mais queria era viver em paz, odiando o homem que eu já havia amado e ainda amava, só que estava difícil. A cada dia, mais eu caía na sua armadilha.Eu já tinha acreditado nele, já tinha me entregado e dado tudo de mim. Então ele, simplesmente, confessou que errou e esperava que eu o perdoasse facilmente?Não era que eu não pudesse perdoá-lo, a questão era que eu não deveria... Não deveria perdoar a pessoa que ainda mexia comigo, que me magoou e me largou com aquele monstro do meu pai, com uma filha sua na barriga.Vivi um inferno sem Dante. Foram muitas noites mal dormidas, chorando e rezando para não ser descoberta. Eu teria morrido se não tivesse me levantado todos os dias desde a sua partida e fugido do meu pai.Eu sabia que o homem estava se dedicando. Na verdade, eu achava que