A alguns quilômetros de Cotswolds, Inglaterra;
Depois de horas sentada no banco traseiro do elegante suzuki sx4 cinza, o chofer do Senhor Greenford finalmente para o carro.Meio atordoada, contemplo a casa monstruosa erguida no topo da montanha, onde a estrada alcantilada terminava. Uma construção em estilo gótico-vitoriano, com várias extensões numa mistura excêntrica de estilos e eras.
__ Chegamos senhorita.
O homem de cabelos preto, mas já grisalho com um corte "estilo militar" declara após descer do carro e abrir à porta para mim, de modo cavalheiresco.
__ Obrigada.
Desço do carro engolindo em seco e olho com mais atenção para a casa que chamarei de lar durante os próximos meses, enquanto o chofer retira de dentro do porta-bagagens minha mala vintage retrô.
Aquela não era uma mala de que eu pudesse me orgulhar. Era velha e possuía inúmeros selos postais puídos, sem contar no tanto de ferro e madeira que tinha na sua confecção.
Silenciosamente, seguimos até à casa.
Alguns minutos depois de uma subida íngreme e cansativa por escadas de pedras rústicas, saímos numa outra abertura da montanha bem em frente ao portão principal da mansão.
Chamá-la de casa seria como chamar um furacão de vento; aquilo era realmente uma mansão.A construção fora erguida estrategicamente na superfície do platô de onde se podia ver um lago e uma floresta de eucaliptos que circundava toda região.
Misteriosa, a mansão mantinha os seus segredos escondidos atrás de muros altos, mostrando apenas uma fachada graciosa aos olhares curiosos.
Quando adentrei o seu interior pensei que estava no paraíso. O lugar era sereno e muito belo. Possuía uma hacienda no formato de um U em torno de um pátio aberto que era fresco e perfumado, havia um gramado verde e bem aparado, que lembrava o piso de um campo de futebol. Tinha quadras para praticar esportes e outras construções menores que deveriam ser as casas dos empregados.O seu interior hodierno contrastava com a fachada clássica e fantasmagórica que eu vira lá fora, mas ainda assim era possível confirmar o luxo que se supunha.
Havia uma fonte com formato de anjos de onde jorrava água para cima em forma de cascata. Logo abaixo, fixada na cerâmica que ladeava a fonte, estava uma placa. Ela cintilava como se fosse banhada a ouro e havia gravada nela uma frase em latim: "Ad astra per áspera".
Ainda estava muda de admiração quando a batida ritmada de saltos no chão de paralelepípedos, que se estendia à frente subindo suavemente, chamou a minha atenção para uma senhora que se aproximava. Logo supus que fosse, lady Armstrong, a governanta de que o Senhor Greenford me falara.
Lady Armstrong era uma mulher alta, muito magra e pálida, com cabelos grisalhos presos para trás num coque apertado e coberto com um chapeuzinho estranho. Possuía pequenos olhos cinzas tempestuosos e autoritários cobertos por óculos de grau com lentes grossas. Naquela ocasião trajava um uniforme com o corte reto e severo.
__ Suponho que seja à senhorita Teresa Drumong.__diz, olhando para mim de cima para baixo e de baixo para cima por alguns instantes.
Assinto com um sorriso polido.
__ Pode tratar-me apenas por Tessa.
Abro e estendo-lhe a mão, ainda sustentando o sorriso.
__ Aqui não costumamos tratar-nos com informalidades. Traga a sua mala que lhe apresentarei aos seus aposentos e de seguida a menina Génesis.
Abaixei a minha mão lentamente e olhei para o lado constrangida. O chofer tinha desaparecido e minha mala estava no chão.
__ Sim, claro.
Abaixei-me e peguei-a. Trazia comigo uma única bagagem porque não possuía muita coisa. Alguns vestidos que ganhei nas doações, sapatos e bijuterias.
__ Por aqui. Espero que não tenha trazido muitas roupas porque aqui dentro não irá precisar delas.
Ela profere como se tivesse lido os meus pensamentos. Franzo o sobrecenho confusa e penso em perguntar o "porquê", mas silencio-me ao notar que lady Armstrong não parece ser o tipo de pessoa que gosta de ser questionada.
Quando entramos no foyer, fiquei igualmente embasbacada com a sua elegância. Todos os móveis eram vintage como se tivessem saído de um filme do século XX. A decoração dava um gostoso toque nostálgico.
Seguimos por uma escada lindamente entalhada em madeira.
__ Os empregados não costumam dormir na casa principal, mas o Senhor Greenford abriu uma excepção para que pudesse ter uma melhor conexão com a menina.
Enquanto caminhávamos pelo longo corredor eu ia observando com curiosidade os tradicionais retratos da família já amarelados pelo tempo, que enfeitavam as paredes. Acabei detendo-me num em particular.
A mulher deitada no divã roxo tinha os olhos grandes e expressivos, seus cabelos escuros estavam presos com uma coroa de flores brancas, destacando o rosto formoso em formato de coração.
__ Perdeu alguma coisa?
Lady Armstrong pergunta, tirando-me do transe. Meneio a cabeça em negação e sigo-a até a última porta do corredor.
__ Chegamos.
Ela abre a porta de ripas largas com a tranca de madeira e de seguida adentra. Eu a sigo, sentindo-me absorta com todo o luxo que se estendia à minha frente.
No centro do quarto havia uma grande cama com colunas que seguravam cortinas de cetim cor salmão, enfeitada com lençóis da mesma cor e travesseiros bordados caprichosamente. O chão e as paredes eram feitos de largas placas de pedra, a penteadeira tinha um espelho oval com cupidos entalados na moldura e um babado à volta toda de renda valenciana, com um banquinho de veludo.
Poltronas confortáveis e um divã ao redor de uma lareira compunham a decoração do quarto. Havia duas janelas opostas, uma delas dando acesso a uma sacada. Olhando mais de perto vi que oferecia uma vista à piscina natural com águas cristalinas.
__ Agora que já vira o seu quarto, há algumas regras que têm de estar bem patentes, Senhorita Drumong.
A senhora pronunciou com desdém.
__ Todos os empregados, sem excepções, andam uniformizados.
Ela caminha até ao closet perto de uma porta que suponho ser o banheiro, e tira do seu interior uma embalagem contendo roupas.
__ Você não deverá vaguear pelos cómodos da casa sem autorização. Não poderá pegar comida na copa quando todos estiverem descansando. A ceia é servida às oito e meia sem atrasos ou antecipações. A higiene deve ser refletida no seu aposento e no seu uniforme, e o seu cabelo deve estar sempre preso para que não hajam incidentes. Alguma dúvida?
Eu aperto o uniforme contra o meu corpo e nego com um menear de cabeça.
Depois de deixar a mala perto da cama, eu sigo-a novamente.
A biblioteca da mansão ficava afastada dos principais cómodos. Atravessamos um corredor sombrio e frio até finalmente chegarmos. Lady Armstrong abriu uma porta dupla, me permitindo vislumbrar o lugar com largas prateleiras, cada uma com uma escada deslizante, cobertas de livros empoeirados e puídos, que estendiam-se pelo ambiente.
__ Menina Génesis!?
Lady Armstrong chamou de forma autoritária.
__ Chamou-me, lady Armstrong?
Inquiriu uma voz aveludada lá das pilhas, antes de emergir uma figura pequena de cabelos castanhos claros até à cintura, vestindo um vestido rosa delicado e um cardigã azul.
Os seus olhos azuis eram brilhantes e opácos como safiras, e seus traços delicados faziam-na parecer um querubim.
__ Venha cumprimentar a Senhorita Drumong, ela será a sua nova babá.
A feição da menina contorceu-se em desagrado, mas ela logo tratou de disfarçar e caminhou até nós abraçada a um livro.
__ Seja bem-vinda, Senhorita Drumong.
Ela estendeu-me a sua mãozinha.
__ Trata-me apenas por Tessa.
Declarei sem saber se a regra de "não informalidades" também se aplicava a ela.
__ Sim, Senhorita Tessa._ ela sorriu, exibindo uma covinha.
Depois da apresentação e de um pequeno diálogo com Génesis, eu fui até ao quarto arrumar as minhas roupas no closet.
Enquanto ajeitava os meus sapatos, eu me questionei sobre o porquê das babás desistirem de cuidar dela. Me pareceu ser uma menina tão agradável, bem diferente do monstro que o pai havia pintado.Mas, não tardou para que a resposta surgisse.
Eu me despia para tomar um banho antes da ceia. A viagem fora longa e eu sentia uma cefaleia intensa.
Prendi o cabelo desajeitadamente no topo da cabeça e entrei no box, fechando a porta atrás de mim. Deixei a água quente cair sobre o meu rosto, como se ela pudesse lavar toda a tensão que sentia.
Enquanto eu me esfregava com a bucha senti algo saltar na minha canela, quando olhei para baixo quase senti todo o sangue a ser drenado do meu corpo. Um sapo enorme estava agarrado a mim.
Eu gritei histericamente e abri a porta do box sacudindo a canela freneticamente. Peguei a toalha e corri para o quarto ainda gritando, horrorizada com aquela criatura.
__ O que houve?
Lady Armstrong adentrou acompanhada de duas empregadas minutos depois, elas me fitavam confusas.
__ Tem um sapo enorme no banheiro!
Eu apontei para o banheiro com o corpo todo arrepiado.
__ O quê!?__ lady Armstrong berrou.__ É impossível uma criatura dessas estar perambulando pela casa.
Ela disse indignada antes de seguir ao banheiro acompanhada das senhoras.
__ Não há nada!
Imperou revoltada quando voltou do escrutínio ao banheiro.
__ Eu espero que comportamentos reprováveis como esse não tornem a acontecer. Aqui prezamos muito pela ordem, a organização e a urbanidade.
Ela repreendeu-me antes de abandonar o quarto.
Eu encolhi-me na cama, perguntando-me se tudo não passara de uma grande paranóia minha, provocada pelo excesso de cansaço.
__ Você gostou das boas-vindas?
Sentei-me num pulo, vendo Génesis parada à porta do banheiro com o sapo na mão.
__ Foi você!
Foi a única coisa que saiu da minha boca.
__ Tão esperta.__ ela disse cínica.__ Vamos ver quanto tempo essa vai durar Lion.
O relógio marcava sete e meia da noite. Batidas irromperam pelo cómodo, enquanto eu terminava de fechar o zíper da saia lápis cinza. Eu estava com a mente vaga, a ameaça de Génesis não parava de rondar pela minha cabeça.Caminhei até à porta e abrí-a, dando de caras com lady Armstrong.__ O Senhor Greenford acabara de ligar para avisar que não poderá voltar para casa hoje devido a uma viagem de última hora. Então, mais uma excepção será aberta para Senhorita hoje. Poderá sentar-se à mesa da sala de jantar para acompanhar à menina Génesis.Ela proferiu as palavras de forma ácida. Somando dois mais dois era possível chegar a conclusão de que Génesis não era a única que estava incomodada com à minha presença.__ Está bem, lady Armstrong. Juntarei-me a menina em breve.Ela dá-me as costas e encaminha-se para a direção oposta a do meu quarto, mas acaba detendo-se no caminho.__ Pelos vistos terei de falar com a costureira para que lhe ceda
De manhã, eu fui informada que teria de acompanhar novamente a senhorita Génesis durante à refeição.Eu estava sonolenta e com leves olheiras que me proporcionavam um ar de cansaço. As manchas avermelhadas na minha pele estavam camufladas com um cropped de gola alta e manga longa.Mas, não era de todo um problema usar aquela peça. O dia amanhecera frio e o céu escuro ameaçava uma chuva fina.Dirigi-me até a sala onde seria servido o desjejum, encontrando a movimentação das copeiras, e Génesis de pé a um canto, perto da janela, conversando com lady Armstrong. Quando a mais velha notou à minha presença murmurou-lhe algo, e de seguida fitou-me com uma expressão séria.__ Bom-dia, miss Drumong. Está atrasada para o desjejum.Eu olhei as senhoras terminando de ajeitar as xícaras de porcelana com o cenho franzido.__ As copeiras ainda não terminaram de organizar a mesa.__ pontuei.__ A senhorita também é uma funcionária, não deve achar
Embora eu tivesse a plena noção de que Collin Greenford era o patriarca da mansão em que eu me encontrava, a mim ainda soara como uma grande novidade vê-lo adentrando pela porta principal. Ele mantinha o telefone em uma mão e na outra segurava a valise preta.O seu cabelo castanho escuro estava bagunçado, e no momento vestia um terno preto de três peças que o deixara bastante elegante, embora o nó da gravata estivesse desfeito e o colarinho desabotoado.__ Senhorita Tessa.Ele pronunciou o meu nome num tom surpreso. Guardou o telefone no bolso da sua calça e fitou-me com atenção.__ Boa-noite, senhor Greenford. É um prazer revê-lo.Afirmo com um sorriso polido.__ Senhorita Drumong?A voz de lady Armstrong soou bem atrás de mim. Eu virei-me para o lado, vendo-a caminhar até nós.__ Oh! Senhor Greenford, eu não sabia que já se encontrava em casa.Ela aproximou-se dele às pressas e recebeu à sua valise
Eu abandonei o quarto da senhorita Génesis com à sua frase martelando em minha cabeça, fiquei boquiaberta com o que dissera e não soube o que lhe responder no momento, restando-me apenas a opção de desejar-lhe um "boa-noite" pesaroso e retirar-me.__ Senhorita Drumong?Lady Armstrong chamou-me quando estava prestes a adentrar o quarto. Soltei um suspiro discretamente e virei-me para ela com um sorriso que não condizia com o meu estado de espírito.__ Deseja alguma coisa, senhora?Ela passou as mãos por cima do uniforme com cuidado, tentando não demonstrar a curiosidade avassaladora que parecia lhe entorpecer a alma.__ Nada de mais. Vi que acabara de sair do quarto de Génesis, ela já está dormindo?Eu fitei-a com o sobrecenho franzido.__ Não, ela está lendo um livro. Mas, creio que daqui a nada irá deitar-se. Porquê?Ela empinou o nariz de forma
Embora eu não fosse uma exímia apreciadora de matemática ou de qualquer outra área que envolvesse muito esforço mental, eu havia me dedicado para explicar sobre composição e decomposição de números naturais à menina Génesis, ainda tendo de carregar o fardo de ter as palavras de lady Armstrong ecoando pela minha cabeça.__ Então... Qual é mesmo a diferença entre a composição e a decomposição?Pergunto a ela como forma de revisarmos uma última vez e de afastar os sentimentos ruins que começava a nutrir por aquela mulher desagradável.__ A composição é a junção de dois ou mais elementos que quando unidos ou subtraídos formam um só e decomposição é quando decompomos em dois ou mais elementos um número natural.Fito-a com um sorriso.__ Muito bem, alguma dúvida relacionada a matéria?Ela repousa o queixo na palma da mão e nega com a cabeça.__ Se quiser pode tirar um
Um silêncio perturbador tomava conta da sala de jantar enquanto a copeira chegava com um prato de salada de folhas mistas, salpicadas de nozes, damascos e pedaços de salmão defumado.O Senhor Greenford ligara minutos atrás para avisar que não dormiria em casa, pois tivera uma viagem de última hora a Veneza. Pelos vistos as suas viagens de última hora são bem recorrentes já que não pareceu gerar surpresa aos empregados ou à sua filha.Eu entendo que ele é um homem muito ocupado e importante, algo que se reflete em suas vestimentas elegantes e moradia pomposa, mas seria bom se ele dedicasse também um pouco de tempo a filha. Mas quem sou eu, uma mera babá que acabara de chegar para opinar?__ O que acha de eu pegá-la amanhã, depois das suas aulas para irmos passear? Podemos ir ao shopping ou ao cinema.Génesis larga os talheres ruidosamente e fita-me com um grande sorriso, mas logo volta a conter-se e olha para o
Com os olhos semicerrados leio o título do livro que Génesis acabara de me entregar, no seu rosto havia uma expressão de divertimento.__ O que é isso?__ pergunto com a minha feição evidenciando a confusão que sentia.Génesis revira os olhos ainda mantendo o belo sorriso.__ É um livro, Tessa. Não é óbvio?Ela caminha até à sua cama e senta-se à beirada.__ Eu sei que é um livro, mas por quê está me oferecendo?Soltando um suspiro, ela bate com a palma da mão no espaço ao seu lado chamando-me para sentar ali.__ A Senhorita confidenciou-me que tem dificuldades para ler, por isso estou-lhe oferecendo esse livro, ele é bastante especial para mim. Foi minha avó materna quem mo ofereceu para me honrar pelo meu sétimo aniversário, nele havia uma bonita carta de despedida.__ assinalou ela com um brilho nos olhos.Eu franzi levemente os lábios, confusa.__ Carta de despedida?__ Quan
Eram quatro horas da tarde e um quarto quando Génesis chegou da escola, vestida com o uniforme de educação física e com o rosto denotando cansaço. Ela abriu um sorriso quando me viu à sua espera no foyer.__ Boa tarde, Tessa.O abraço que ganhei seguido do seu cumprimento deixou, não só a mim, como também lady Armstrong, que descia as escadas, boquiaberta, com a demonstração de afeto espontânea.__ Boa tarde, pequena pupila.__ sorri-lhe, retribuindo o abraço.__ Pelos vistos o dia na escola foi bom.Ela afastou-se com um sorriso no rosto.__ Tenho algo para lhe mostrar!__ exclamou entusiasmada.Com um leve pigarro, lady Armstrong fez-se notar, parada no último degrau da escadaria.__ Boa-tarde, menina Génesis.Sem um pingo de ânimo Génesis respondeu ao seu cumprimento:__ Boa-tarde, lady Armstrong.__e olhando-me de volta, inquiriu:_