Eu abandonei o quarto da senhorita Génesis com à sua frase martelando em minha cabeça, fiquei boquiaberta com o que dissera e não soube o que lhe responder no momento, restando-me apenas a opção de desejar-lhe um "boa-noite" pesaroso e retirar-me.
__ Senhorita Drumong?
Lady Armstrong chamou-me quando estava prestes a adentrar o quarto. Soltei um suspiro discretamente e virei-me para ela com um sorriso que não condizia com o meu estado de espírito.
__ Deseja alguma coisa, senhora?
Ela passou as mãos por cima do uniforme com cuidado, tentando não demonstrar a curiosidade avassaladora que parecia lhe entorpecer a alma.
__ Nada de mais. Vi que acabara de sair do quarto de Génesis, ela já está dormindo?
Eu fitei-a com o sobrecenho franzido.
__ Não, ela está lendo um livro. Mas, creio que daqui a nada irá deitar-se. Porquê?
Ela empinou o nariz de forma arrogante.
__ A essa hora ela já deveria estar dormindo. Daqui a nada o relógio marcará meia noite.
Contenho o desejo de revirar os olhos.
__ Estou ciente disso. Porém ler antes de dormir tem inúmeros benefícios por isso dei-lhe mais alguns minutos.
Fiz menção de dar-lhe as costas.
__ Espere Srta. Drumong! Sobre o que conversou com o senhor Greenford?
Eu virei-me para ela novamente.
__ Nada de mais, lady Armstrong. O senhor queria apenas saber qual foi a impressão que tive de Génesis e se eu fui bem recepcionada por si.
Ela franziu brandamente as sobrancelhas e cruzou os braços atrás das costas, com um semblante curioso.
__ E o que lhe respondera?
Inquiriu com um falso ar de desinteresse.
__ Apenas a verdade.
Dei de ombros.
__ E que seria?
Notei um certo receio no seu tom de voz.
__ Uma recepção suntuosa e magnífica, tal como fora. Tenha uma excelente noite, Senhora.
Os seus olhos estreitam-se ao perceber que minha resposta não passou de uma afronta.
__ Para você também, menina.
Ouvi-a dizendo num tom cortante antes de entrar no meu quarto.
***
Saindo da cama, calcei os chinelos às pressas e abandonei o quarto. Tomei um pequeno susto ao deparar-me com a silhueta enorme do senhor Greenford na penumbra do corredor, ele terminava de amarrar o seu robe.
__ Também ouviu os gritos?
Perguntou olhando diretamente para o quarto da filha, e sem esperar à minha resposta adentrou nele, eu segui-o logo.
Sob a luz fraca do quarto, podíamos ver Génesis debatendo-se entre os lençóis como se fosse uma ave sendo capturada, ela gritava e sussurrava coisas desconexas.
O senhor Greenford aproximou-se da cama e despertou-a calmamente, mas ainda assim um choro sofrido ecoou pelo quarto.
Ele a segurou pelo colo e fez com que ela apoiasse a cabeça no seu ombro, os seus braços fortes envolveram o corpo frágil dela de forma protetora.
O Senhor Greenford começou a passear então singelamente de um lado para o outro com ela, proferindo palavras de calmaria para que parasse de chorar.
Aquela cena emocionou-me de uma forma indescretível.
Mas, como se tivesse se despertando e saindo do transe, ele parou de andar e olhou-me constrangido. Caminhou novamente até a cama e deitou-a.
__ Cuide dela.
Ele disse num tom autoritário antes de passar por mim apressadamente. Eu revirei os olhos e juntei-me a garotinha encolhida em posição fetal.
__ O que houve, pequena pupila?
Perguntei passando a mão por seus fios castanhos. Génesis fungou e abraçou-me pela cintura com força, como se pedisse silenciosamente que eu nunca mais a soltasse. Eu retribui ao seu abraço preocupada.
__ Você pode confiar em mim. Eu vou estar aqui para te ouvir e até mesmo proteger, não precisa inibir-se.
Ela não respondeu, apenas intensificou ainda mais o abraço.
Eu sorri de lado e fechei os olhos, à medida que o tempo ia passando os soluços iam desaparecendo no silêncio do quarto e as nossas respirações iam tornando-se mais brandas.
...
Génesis continuava abraçada a mim, de forma quase possessiva. Eu escorri os dedos por suas madeixas castanhas até chegar ao seu rosto, ela revirou-se levemente até abrir os seus olhos aos poucos.
__ Bom dia, mocinha.
Eu cumprimentei-a com um sorriso, mas ela não correspondeu-o, virou-se para o lado e fitou o teto com desánimo.
__ Você quer conversar sobre o seu pesadelo?
Ela olhou-me apavorada e levantou da cama num pulo.
__ Eu preciso prepar-me para ir à escola, saia do meu quarto.
Eu olhei-a confusa, mas assenti e cumpri com o seu pedido. No corredor, encontrei-me com uma empregada tirando o pó dos vasos sustentados por pilastras de gesso, ela sorriu-me minimamente e continou o seu trabalho.
Logo que entrei no quarto segui para o banheiro. Tomei um banho de chuveiro morno tentando não pensar na frieza com que Génesis me tratou.
Ao terminar de arrumar-me, abandonei o quarto, deparando-me com ela no corredor.
__ Já estou pronta.
Génesis disse ajeitando a mochila nas costas.
Eu olhei-a de cima a baixo, admirando a sua farda composta por uma blusa branca com o brasão da escola, gravata azul marinho, saia de casimira igualmente azul na altura dos tornozelos, com pregas, um par de meias três por quatro brancas e sapatos retrô preto. O cabelo sedoso estava preso no topo da cabeça com uma xuxinha também azul.
__ Vamos tomar o pequeno almoço.__ eu digo com um sorriso amarelo.
A minha surpresa foi grande ao chegar na sala de jantar e encontrar apenas uma copeira terminando de arrumar a mesa.
__ Bom dia. E lady Armstrong?
Eu perguntei, ajudando Génesis a sentar-se.
__ Bom dia, senhorita Drumong. Lady Armstrong está no escritório abrindo as correspondências do dia.
Ela respondeu num tom polido.
__ E o meu pai?
Génesis perguntou enquanto eu servia o seu desjejum.
__ Ele saiu antes do dia amanhecer, senhorita.
Aquela revelação pareceu deixá-la cabisbaixa. O pequeno almoço transcorreu num silêncio enfadonho.
Após à ida de Génesis até a escola eu retirei-me para a biblioteca. Embora achasse bastante custoso teria de dar-lhe explicações de matemática logo que chegasse.
__ Senhorita Drumong?
Lady Armstrong chamou-me num tom carregado. Pela sua feição pressenti que suas palavras não seriam agradáveis.
__ Sim, Lady Armstrong?
Deixei os livros de matemática que iria usar para a nossa aula empilhados sobre a secretária e fitei a minha interlocutora a contragosto.
__ Eu gostaria que me acompanhasse em um chá.
O seu convite pegou-me de surpresa. Eu olhei-a com o sobrecenho franzido e pensei em recusar, mas contive o impecto e seguia-a até ao jardim onde uma copeira nos aguardava com um serviço de chá.
Ainda um pouco assustada com o gesto de simpatia repentino de lady Armstrong ocupei uma cadeira sob o guarda sol e observei-a com atenção. Ela cruzou as pernas, apanhou a xícara fulmegante e sorveu o primeiro gole do chá.__ Não vai tomar o seu chá?
Eu revirei levemente os olhos e peguei a xícara oferecida dando um pequeno gole.
__ Eu vou ser direta com a menina.__ o seu tom foi de sereno a arrogante. __ Eu não sei quais são as motivações que estão por detrás da sua contratação, afinal o Senhor Greenford sempre deixou esse trabalho encarregue a mim, mas quero enfatizar que deveria ter vergonha dos seus atos. Aproveitar-se da fragilidade de um viúvo e de uma garota órfã para tirar vantagens.
Fitei-a boquiaberta e pousei rapidamente a xícara sobre a bandeja. Lady Armstrong por outro lado manteve a mesma postura elegante e o seu olhar, firme, inclusive frio.
__ Vantagens?__ perguntei ofendida.__ Do que está falando?
Ela riu anasalado.
__ Não se faça de tola. A senhorita está pisando em um território perigoso, aconselho-a a tomar muito cuidado, você não conhece o histórico dessa família.
Embora eu não fosse uma exímia apreciadora de matemática ou de qualquer outra área que envolvesse muito esforço mental, eu havia me dedicado para explicar sobre composição e decomposição de números naturais à menina Génesis, ainda tendo de carregar o fardo de ter as palavras de lady Armstrong ecoando pela minha cabeça.__ Então... Qual é mesmo a diferença entre a composição e a decomposição?Pergunto a ela como forma de revisarmos uma última vez e de afastar os sentimentos ruins que começava a nutrir por aquela mulher desagradável.__ A composição é a junção de dois ou mais elementos que quando unidos ou subtraídos formam um só e decomposição é quando decompomos em dois ou mais elementos um número natural.Fito-a com um sorriso.__ Muito bem, alguma dúvida relacionada a matéria?Ela repousa o queixo na palma da mão e nega com a cabeça.__ Se quiser pode tirar um
Um silêncio perturbador tomava conta da sala de jantar enquanto a copeira chegava com um prato de salada de folhas mistas, salpicadas de nozes, damascos e pedaços de salmão defumado.O Senhor Greenford ligara minutos atrás para avisar que não dormiria em casa, pois tivera uma viagem de última hora a Veneza. Pelos vistos as suas viagens de última hora são bem recorrentes já que não pareceu gerar surpresa aos empregados ou à sua filha.Eu entendo que ele é um homem muito ocupado e importante, algo que se reflete em suas vestimentas elegantes e moradia pomposa, mas seria bom se ele dedicasse também um pouco de tempo a filha. Mas quem sou eu, uma mera babá que acabara de chegar para opinar?__ O que acha de eu pegá-la amanhã, depois das suas aulas para irmos passear? Podemos ir ao shopping ou ao cinema.Génesis larga os talheres ruidosamente e fita-me com um grande sorriso, mas logo volta a conter-se e olha para o
Com os olhos semicerrados leio o título do livro que Génesis acabara de me entregar, no seu rosto havia uma expressão de divertimento.__ O que é isso?__ pergunto com a minha feição evidenciando a confusão que sentia.Génesis revira os olhos ainda mantendo o belo sorriso.__ É um livro, Tessa. Não é óbvio?Ela caminha até à sua cama e senta-se à beirada.__ Eu sei que é um livro, mas por quê está me oferecendo?Soltando um suspiro, ela bate com a palma da mão no espaço ao seu lado chamando-me para sentar ali.__ A Senhorita confidenciou-me que tem dificuldades para ler, por isso estou-lhe oferecendo esse livro, ele é bastante especial para mim. Foi minha avó materna quem mo ofereceu para me honrar pelo meu sétimo aniversário, nele havia uma bonita carta de despedida.__ assinalou ela com um brilho nos olhos.Eu franzi levemente os lábios, confusa.__ Carta de despedida?__ Quan
Eram quatro horas da tarde e um quarto quando Génesis chegou da escola, vestida com o uniforme de educação física e com o rosto denotando cansaço. Ela abriu um sorriso quando me viu à sua espera no foyer.__ Boa tarde, Tessa.O abraço que ganhei seguido do seu cumprimento deixou, não só a mim, como também lady Armstrong, que descia as escadas, boquiaberta, com a demonstração de afeto espontânea.__ Boa tarde, pequena pupila.__ sorri-lhe, retribuindo o abraço.__ Pelos vistos o dia na escola foi bom.Ela afastou-se com um sorriso no rosto.__ Tenho algo para lhe mostrar!__ exclamou entusiasmada.Com um leve pigarro, lady Armstrong fez-se notar, parada no último degrau da escadaria.__ Boa-tarde, menina Génesis.Sem um pingo de ânimo Génesis respondeu ao seu cumprimento:__ Boa-tarde, lady Armstrong.__e olhando-me de volta, inquiriu:_
Acordo num sobressalto, arfante, suado, com o coração aos pulos e um grito de terror entalado na garganta. Mais um pesadelo. Olho institivamente para o relógio de pêndulo sobre a cómoda, constatando que os ponteiros marcam três e meia da madrugada.Mais uma noite que possivelmente demorará muito para acabar.Parece que meu inconsciente fora condicionado com pesadelos desde a morte de Kendall. Desde que ela partira nunca mais consegui dormir plenamente, já que minhas tentativas são sempre frustradas pela chegada de um pesadelo em específico. Um terrível e doloroso pesadelo.Se eu fechar os olhos ainda consigo ouvir os seus gritos de agonia, o rosto pálido, os olhos azuis-safira mirando-me aterrorizados, eu conseguia ver o abismo neles.No sonho ela me chama de assassino.Não está de todo errada. Afinal, eu estava ciente das suas angústias, sabia que a depressão estava acabando com ela aos poucos, mas ainda assim não fiz nada para invert
Tessa estava parada perto da janela com o olhar distante e um sorriso discreto enfeitando-lhe o rosto, os seus dedos brincavam distraidamente com os fios da cortina de crochê.__ Tessa__ eu chamei com o cenho franzido, porém não obtive resposta.__ Tessa!Gritei, atraindo finalmente à sua atenção.__ Oi, desculpa, estava meio perdida.__ confessou o óbvio com um sorriso constragido.__ Eu percebi. No que tanto pensa? Se é que posso saber.Sento-me na cama e observo-a com atenção.__ Eu estou pensando na minha atuação de domingo, não sei o que hei de cantar.Ela senta-se do meu lado e repousa as mãos no colo.__ Eu ainda não consigo acreditar que meu pai consentiu para que eu fosse.Fito-a com um sorriso, mas arqueio levemente as sobrancelhas ao vê-la um pouco embaraçada e ruborizada. Dou de ombros e pergunto-lhe:__E
Respirei fundo antes de adentrar no quarto de Génesis. A menina andava muito agressiva e rude comigo nos últimos dias, vinha me tratando como se eu lhe tivesse feito algo de errado e sequer me encarava nos olhos quando eu tentava puxar algum assunto. Hoje é domingo e a surpresa foi grande quando ela disse-me que não queria sair de casa e pediu-me que fosse ao evento, e não me preocupasse porque sabia cuidar de si mesma.Recostei-me na porta e cruzei os braços, vendo-a deitada sobre a cama, ainda trajada com o seu pijama. Os seus olhos miravam um ponto qualquer do quarto.__Génesis eu já estou indo, tem mesmo a certeza de que não quer ir comigo? Posso esperar até que você se arrume.Ela solta um suspiro.__ Eu já disse que não quero ir. Não estou com ânimo para participar de eventos, me deixe sozinha, por favor.Eu assenti e em silêncio abandonei o seu quarto. Se ela não queria ir, não podia
Eu acordei naquela manhã de segunda-feira com o som de pingos finos batendo contra a vidraça da janela. A primeira memória que me veio a mente foi a do beijo que eu e o senhor Greenford demos ontem. Droga! Como eu sou incosequente, e agora como é que eu vou olhar para a cara dele?Levantei-me da cama, soltando um grunhido. Arrumei-me rapidamente e de seguida fui até ao quarto de Génesis para ver se já estava pronta para mais um dia laboral.__ Bom dia Génesis.Cumprimentei-a após adentrar o cómodo. Ela estava sentada de frente a penteadeira, terminando de se arrumar.__ Bom dia, Tessa.__ cumprimentou com a voz rouca.Quando aproximei-me dela percebi que os seus olhos estavam inchados, como se tivesse passado a noite toda chorando.__ Está tudo bem com você?__ perguntei preocupada.__ Sim, está tudo bem.__ ela murmurou sem olhar-me no rosto.__ O q