Embora eu tivesse a plena noção de que Collin Greenford era o patriarca da mansão em que eu me encontrava, a mim ainda soara como uma grande novidade vê-lo adentrando pela porta principal. Ele mantinha o telefone em uma mão e na outra segurava a valise preta.
O seu cabelo castanho escuro estava bagunçado, e no momento vestia um terno preto de três peças que o deixara bastante elegante, embora o nó da gravata estivesse desfeito e o colarinho desabotoado.
__ Senhorita Tessa.
Ele pronunciou o meu nome num tom surpreso. Guardou o telefone no bolso da sua calça e fitou-me com atenção.
__ Boa-noite, senhor Greenford. É um prazer revê-lo.
Afirmo com um sorriso polido.
__ Senhorita Drumong?
A voz de lady Armstrong soou bem atrás de mim. Eu virei-me para o lado, vendo-a caminhar até nós.
__ Oh! Senhor Greenford, eu não sabia que já se encontrava em casa.
Ela aproximou-se dele às pressas e recebeu à sua valise.
__ Eu acabo de chegar. Como têm corrido as coisas?
Lady Armstrong solta um pigarro e olha para mim como se ordenasse que os deixasse a sós.
__ Com licença, senhores. Eu vou ver se Génesis está pronta.
Aceno de leve antes de subir os degraus até ao andar superior.
Quando entrei no quarto da senhorita Génesis vi-a sentada de frente à penteadeira, penteando o cabelo castanho desleixadamente, os olhos pareciam perdidos na imagem que o espelho refletia.
__ Vim ver se a senhorita precisa de ajuda.
Ela deixa a escova de lado e vira-se para mim.
__ Eu já terminei de arrumar-me. O meu pai já chegou?
Eu assinto com um sorriso.
__ Acaba de chegar, poderão dividir a ceia, não acha formidável?
Ela levanta-se do banquinho e sem emoção murmura um:
__ Hm-hum. Podemos descer para a sala de jantar agora.
Aceno afirmativamente e estalo a língua no céu da boca antes de seguir para fora.
__ Senhorita Tessa, espere!
Viro-me para trás e olho para a menina confusa.
__ À sua meia-calça está desfiada, não pode descer para a sala de jantar assim.
Ela alerta-me com um ar risonho.
__ Que droga! Eu vou trocar rápido, espere por mim aqui.
Despacho-me até ao quarto irritada. Abro uma gaveta e tiro outro par de meias da mesma tonalidade, eu nunca gostei de usá-las, sempre as achei desconfortável, mas lady Armstrong dissera que é necessário por questões de moralidade, assim sendo tenho de fazer esse sacrifício.
Tão logo abro à porta, depois de trocar as meias, dou de caras com a dita-cuja.
__ Posso saber por que ainda não desceram até à sala de jantar?
Perguntou olhando de forma indiscreta para o meu quarto.
__ A ceia está prestes a ser servida, o senhor Greenford deve encontrar a filha e todos os subordinados presentes na sala.
Continuou com o rosto vermelho e o queixo projetado para frente.
__ É minha função manter a ordem e a harmonia dentro dessa casa, Senhorita Drumong. Se como babá acha que pode chegar à mesa quando bem lhe apetece e adotar os seus próprios horários, o que passará para sua educanda? Não se esqueça que também é sua função orientar, auxiliar na educação e nos bons modos da menina Génesis. De modo algum tolerarei tais insolências.
Olho para ela impotente.
__ Tem toda razão, lady Armstrong. Prometo que deslizes como esse não voltarão a acontecer.
Ela parece satisfeita e jubilosa por eu ter sido tão condescendente.
Quando eu saio do quarto vejo Génesis encolhida num canto, retraída e com a cabeça abaixada.
__ Vamos?__ eu pergunto.
Ela olha para mim colérica e anda depressa, pisando duro.
Quando chegamos à sala de jantar, eu fiquei surpresa ao ver os empregados todos enfileirados de uniformes com vincos impecáveis.
Acomodei a Senhorita Génesis em seu lugar e fiquei de pé, ao lado de uma copeira, adotando a mesma expressão séria e enfastiosa.
Lady Armstrong entrou com os braços cruzados atrás das costas. Passou por cada empregado, avaliando um por um em busca de imperfeições até chegar a mim.
__ Ajeite a gola da sua camisa.
Ajeitei-a rapidamente e desculpei-me pela falha.
__ Ótimo.
Após avaliar-nos ela foi até à mesa e começou a observar tudo com atenção. Quando satisfeita, ficou a alguns passos de distáncia da cadeira do patriarca.
Quando o senhor Greenford adentrou, a sala estava envolvida num sublíme silêncio. Ele cumprimentou a todos e ocupou à sua cadeira.
As copeiras começaram a servir o jantar, só pelo aroma agradável presumi que estivesse delicioso.
Durante todo o tempo em que o senhor permaneceu à mesa, não houve sequer uma troca de palavras. O seu semblante sisudo e o ambiente pesado em que nos encotrávamos parecia deixar a todos inibidos.
No final, o jantar se resumira a um silêncio absoluto cortado apenas pelo retinir dos talheres nos pratos e o borborejo do vinho na taça.
__ Senhorita Tessa, acompanhe-me.
O senhor Greenford disse jogando o guardanapo sobre à mesa.
__ Sim, senhor.
Vi lady Armstrong fitando-me com um grande descontentamento antes de eu seguir o senhor Greenford.
Quando adentrei ao escritório a primeira coisa que me chamara a atenção foi o tapete de urso pardo estendido no centro e uma parede inteira decorada com cabeças de animais embalsamados.
Eu revirei os olhos assustada.
__ O senhor gosta de caçar?
Eu perguntei com os dentes cerrados.
__ Não, são apenas presentes de um amigo. Faça o favor de sentar-se.
Eu cumpri o seu pedido e olhei com mais atenção o cómodo. Era esplendoroso, todo em madeira de castanho com uma grande estante cobrindo toda a parede do fundo, repleta de livros encadernados e uma secretária de mogno, mais clara com uma cadeira e dois cadeirões engenhosamente dispostos .
__ O que achara de Génesis?
Senhor Greenford pergunta, chamando à minha atenção.
__ Ela é uma boa garota, apesar de ter um gênio muito difícil, como dissera na entrevista.
Ele assente.
__ Ela não atentou contra à sua vida?
Por instantes achei que fosse uma piada, mas seu semblante sério, deixava bem claro que não era homem de fazer gracejos.
__ Sapo e pó de mico. Nada tão extremista como um atentado.
Respondo com um sorriso amarelo.
__ E lady Armstrong, o que achara dela?
Eu queria tanto desabafar sobre o quão sufocante aquela mulher era, mas não podia. Eu estava trabalhando apenas a míseros dois dias, enquanto ela provavelmente trabalhava para o Senhor Greenford há décadas.
__ Ela é uma Senhora bastante hábil. Vem ajudando-me muito desde que cheguei.
Eu respondo com asteímo, mas ele não parece perceber.
__ Eu fico feliz por ouvir isso. Lady Armstrong tem trabalhado para mim há anos. De facto, é uma pessoa bastante proficiente e que nunca me deixou a desejar tratando-se da sua excelência. Ela ajudou-me a cuidar da Génesis quando a mãe dela partiu, é uma senhora de grande coração.
Eu apenas assenti, perguntando-me se falávamos da mesma lady Armstrong.
__ Com certeza ela tem um grande coração.
Balbucio com um meio sorriso.
__ Caso tenha alguma dúvida ou precise de algo pode dirigir-se a ela. Muito bem, pode retirar-se.
Eu assinto e retiro-me rapidamente.
Depois da minha ceia eu fui até ao quarto de Génesis ver se precisava de alguma coisa.
__ Senhorita eu já vou deitar-me. Precisa que eu faça algo por si?
Aconcheguei-me da sua cama e sentei-me no banquinho estofado que ficava à beirada.
__ Eu estou bem, pode ir deitar-se.
Disse folheando o livro de fantasia que lia.
__ O seu pai ainda está no escritório, você não vai dar a ele um beijo de boa-noite?
Ela sorriu com escárnio e olhou para mim por sob o livro.
__ Nós não costumamos fazer dessas coisas, Senhorita Tessa. Ainda não caiu a ficha de que o meu pai não é um senhor atensioso? Pelo menos não atrás dos amigos dele.
Eu abandonei o quarto da senhorita Génesis com à sua frase martelando em minha cabeça, fiquei boquiaberta com o que dissera e não soube o que lhe responder no momento, restando-me apenas a opção de desejar-lhe um "boa-noite" pesaroso e retirar-me.__ Senhorita Drumong?Lady Armstrong chamou-me quando estava prestes a adentrar o quarto. Soltei um suspiro discretamente e virei-me para ela com um sorriso que não condizia com o meu estado de espírito.__ Deseja alguma coisa, senhora?Ela passou as mãos por cima do uniforme com cuidado, tentando não demonstrar a curiosidade avassaladora que parecia lhe entorpecer a alma.__ Nada de mais. Vi que acabara de sair do quarto de Génesis, ela já está dormindo?Eu fitei-a com o sobrecenho franzido.__ Não, ela está lendo um livro. Mas, creio que daqui a nada irá deitar-se. Porquê?Ela empinou o nariz de forma
Embora eu não fosse uma exímia apreciadora de matemática ou de qualquer outra área que envolvesse muito esforço mental, eu havia me dedicado para explicar sobre composição e decomposição de números naturais à menina Génesis, ainda tendo de carregar o fardo de ter as palavras de lady Armstrong ecoando pela minha cabeça.__ Então... Qual é mesmo a diferença entre a composição e a decomposição?Pergunto a ela como forma de revisarmos uma última vez e de afastar os sentimentos ruins que começava a nutrir por aquela mulher desagradável.__ A composição é a junção de dois ou mais elementos que quando unidos ou subtraídos formam um só e decomposição é quando decompomos em dois ou mais elementos um número natural.Fito-a com um sorriso.__ Muito bem, alguma dúvida relacionada a matéria?Ela repousa o queixo na palma da mão e nega com a cabeça.__ Se quiser pode tirar um
Um silêncio perturbador tomava conta da sala de jantar enquanto a copeira chegava com um prato de salada de folhas mistas, salpicadas de nozes, damascos e pedaços de salmão defumado.O Senhor Greenford ligara minutos atrás para avisar que não dormiria em casa, pois tivera uma viagem de última hora a Veneza. Pelos vistos as suas viagens de última hora são bem recorrentes já que não pareceu gerar surpresa aos empregados ou à sua filha.Eu entendo que ele é um homem muito ocupado e importante, algo que se reflete em suas vestimentas elegantes e moradia pomposa, mas seria bom se ele dedicasse também um pouco de tempo a filha. Mas quem sou eu, uma mera babá que acabara de chegar para opinar?__ O que acha de eu pegá-la amanhã, depois das suas aulas para irmos passear? Podemos ir ao shopping ou ao cinema.Génesis larga os talheres ruidosamente e fita-me com um grande sorriso, mas logo volta a conter-se e olha para o
Com os olhos semicerrados leio o título do livro que Génesis acabara de me entregar, no seu rosto havia uma expressão de divertimento.__ O que é isso?__ pergunto com a minha feição evidenciando a confusão que sentia.Génesis revira os olhos ainda mantendo o belo sorriso.__ É um livro, Tessa. Não é óbvio?Ela caminha até à sua cama e senta-se à beirada.__ Eu sei que é um livro, mas por quê está me oferecendo?Soltando um suspiro, ela bate com a palma da mão no espaço ao seu lado chamando-me para sentar ali.__ A Senhorita confidenciou-me que tem dificuldades para ler, por isso estou-lhe oferecendo esse livro, ele é bastante especial para mim. Foi minha avó materna quem mo ofereceu para me honrar pelo meu sétimo aniversário, nele havia uma bonita carta de despedida.__ assinalou ela com um brilho nos olhos.Eu franzi levemente os lábios, confusa.__ Carta de despedida?__ Quan
Eram quatro horas da tarde e um quarto quando Génesis chegou da escola, vestida com o uniforme de educação física e com o rosto denotando cansaço. Ela abriu um sorriso quando me viu à sua espera no foyer.__ Boa tarde, Tessa.O abraço que ganhei seguido do seu cumprimento deixou, não só a mim, como também lady Armstrong, que descia as escadas, boquiaberta, com a demonstração de afeto espontânea.__ Boa tarde, pequena pupila.__ sorri-lhe, retribuindo o abraço.__ Pelos vistos o dia na escola foi bom.Ela afastou-se com um sorriso no rosto.__ Tenho algo para lhe mostrar!__ exclamou entusiasmada.Com um leve pigarro, lady Armstrong fez-se notar, parada no último degrau da escadaria.__ Boa-tarde, menina Génesis.Sem um pingo de ânimo Génesis respondeu ao seu cumprimento:__ Boa-tarde, lady Armstrong.__e olhando-me de volta, inquiriu:_
Acordo num sobressalto, arfante, suado, com o coração aos pulos e um grito de terror entalado na garganta. Mais um pesadelo. Olho institivamente para o relógio de pêndulo sobre a cómoda, constatando que os ponteiros marcam três e meia da madrugada.Mais uma noite que possivelmente demorará muito para acabar.Parece que meu inconsciente fora condicionado com pesadelos desde a morte de Kendall. Desde que ela partira nunca mais consegui dormir plenamente, já que minhas tentativas são sempre frustradas pela chegada de um pesadelo em específico. Um terrível e doloroso pesadelo.Se eu fechar os olhos ainda consigo ouvir os seus gritos de agonia, o rosto pálido, os olhos azuis-safira mirando-me aterrorizados, eu conseguia ver o abismo neles.No sonho ela me chama de assassino.Não está de todo errada. Afinal, eu estava ciente das suas angústias, sabia que a depressão estava acabando com ela aos poucos, mas ainda assim não fiz nada para invert
Tessa estava parada perto da janela com o olhar distante e um sorriso discreto enfeitando-lhe o rosto, os seus dedos brincavam distraidamente com os fios da cortina de crochê.__ Tessa__ eu chamei com o cenho franzido, porém não obtive resposta.__ Tessa!Gritei, atraindo finalmente à sua atenção.__ Oi, desculpa, estava meio perdida.__ confessou o óbvio com um sorriso constragido.__ Eu percebi. No que tanto pensa? Se é que posso saber.Sento-me na cama e observo-a com atenção.__ Eu estou pensando na minha atuação de domingo, não sei o que hei de cantar.Ela senta-se do meu lado e repousa as mãos no colo.__ Eu ainda não consigo acreditar que meu pai consentiu para que eu fosse.Fito-a com um sorriso, mas arqueio levemente as sobrancelhas ao vê-la um pouco embaraçada e ruborizada. Dou de ombros e pergunto-lhe:__E
Respirei fundo antes de adentrar no quarto de Génesis. A menina andava muito agressiva e rude comigo nos últimos dias, vinha me tratando como se eu lhe tivesse feito algo de errado e sequer me encarava nos olhos quando eu tentava puxar algum assunto. Hoje é domingo e a surpresa foi grande quando ela disse-me que não queria sair de casa e pediu-me que fosse ao evento, e não me preocupasse porque sabia cuidar de si mesma.Recostei-me na porta e cruzei os braços, vendo-a deitada sobre a cama, ainda trajada com o seu pijama. Os seus olhos miravam um ponto qualquer do quarto.__Génesis eu já estou indo, tem mesmo a certeza de que não quer ir comigo? Posso esperar até que você se arrume.Ela solta um suspiro.__ Eu já disse que não quero ir. Não estou com ânimo para participar de eventos, me deixe sozinha, por favor.Eu assenti e em silêncio abandonei o seu quarto. Se ela não queria ir, não podia