Meridian Water
SEQUESTRADA PELO REINO UMBRA
Quando emergimos da escuridão das árvores e entramos, senti todos os olhares voltados para nós, os uivos cessam e um silêncio reverente tomou conta do ambiente. Senti um arrepio percorrer minha espinha, e a onda de amor se espalhou, em direção a minha família.
Meu pai sorriu e nos direcionamos à estrutura onde nos sentamos para receber apoio e homenagem. Após estarmos diante de toda a alcateia em nossa posição de destaque, meu pai inicia. Com uma voz forte e imponente, ele enaltece a linhagem de sua família e a importância de manter as tradições vivas. Enquanto ele falava, observei atentamente cada rosto à minha volta. Sentindo uma profunda conexão com cada um, e era como se um sentimento estranho se apoderasse de mim, como se esse ato, por mínimo que fosse, era extremamente necessário. A celebração prosseguiu com danças, cantos e histórias ancestrais compartilhadas ao redor da fogueira. E eu me sentia envolvida por uma aura de gratidão, sabendo que aquela era a minha casa, a minha família.
Em um dos momentos de dança, como confidenciado pela minha melhor amiga, Renan se aproximou. Eu estava encostada perto de uma pedra gigante observando a lua cheia sob nossas cabeças, os lobos estavam em rito de caça, onde buscavam pela floresta suas escolhidas e eram livres para fazerem o que quisessem. Senti meu rosto aquiescer com aquele pensamento. Suspirei e continuei ali, tomando um ar e imaginando o dia em que a minha loba seria livre para correr floresta adentro. Aquela pelo visto não seria a noite em que eu me transformaria.
“Tudo bem?” Renan me tirou dos meus devaneios ao se colocar ao meu lado e encarar a lua.
“Ah. Oi.” Respondi tentando conter o nervosismo. “Sim. Estou apenas tomando um ar.”
“Entendi.” Ele assentiu, parecia sem jeito.
“Achei que estivesse no rito de caça.” Eu disse o encarando de soslaio.
“Meu lobo ainda não tem uma escolhida.” Ele disse com um sorriso de canto.
“Isso não te impediu de participar dos anos anteriores.” Resmunguei, engolindo em seco ao perceber que tinha falado demais.
“Andava me observando nos anos anteriores?” Perguntou e podia ver pela luz da lua uma de suas sobrancelhas erguidas.
O encarei porque sentia uma necessidade desconhecida de observar os traços do seu rosto.
“Não me faça perguntas difíceis.” Respondi timidamente.
Ele sorriu pra mim e aquele sorriso pareceu fazer todo o chão abaixo dos meus pés desaparecerem para que eu pudesse flutuar.
“Você está linda.” Ele disse por fim, se apoiando na pedra e deixando seus ombros próximos aos meus, me causando calafrios.
“Muito obrigada.” Respondi e eu tinha certeza que estava corada.
“Como está se sentindo? Sei que andava ansiosa pela primeira transformação...” Seu tom saiu cuidadoso.
“Estou bem.” Fui sincera. “Meu pai sempre me disse que no momento certo aconteceria, não é como se eu fosse menos loba por isso, ela está aqui em algum lugar, só está esperando o momento certo para sair em grande estilo.” Brinquei.
“Seu pai é um homem admirável, e você também.” Ele disse cruzando os braços e parecendo pensativo. “Sempre admirei a forma como você lida com a alcateia, como está sempre aqui.”
“Não é como se você fosse diferente.” O encarei, seu sorriso era tão lindo. Seus olhos azuis encarando a floresta à nossa frente.
“É que eu carrego o peso de uma responsabilidade, você está fazendo isso por escolha. Você escolheu estar aqui para nós.” Ele me encarou, eu podia ver a sinceridade em seu olhar.
Entendi o que ele quis dizer. Desde cedo os homens da alcateia tem uma responsabilidade maior para nos proteger. Ele é o filho do braço direito no comando e guarda da alcateia, cargo que alcançou ano passado ao completar dezoito anos.
As mulheres na alcateia são vistas como conselheiras, cuidadoras, protetoras da família. Nos resguardamos aos lares, aos conselhos maternos, porque somos vistas como vulneráveis socialmente e leoas maternas. Embora eu entenda que somos vistas como sábias intelectualmente e que isso é bom, eu não quero ser só uma conselheira.
Sempre quis ser soldado, lutar ao lado do meu pai e proteger a alcateia. Não é como se não pudéssemos lutar só porque somos mulheres. Mas papai sempre respeitou veemente as tradições, sempre frisou o lugar de cada um, e embora ele seja incrível, acredito que sua visão seja ultrapassada, vendo que historicamente muitas mulheres lutaram e estiveram no comando e isso não afetou sua capacidade intelectual.
Mas, ainda assim, eu escolhi levar as palavras de Renan como um elogio, porque ele estava ali admitindo que me admirava, e eu tinha sonhado com isso por tantos anos que não podia acreditar que estava acontecendo. Sorri.
“Obrigada pelas palavras. Eu sinto como uma responsabilidade estar aqui para vocês. Eu sou a filha do alfa, também tenho o dever de cuidar dessa alcateia. Na realidade, todos temos o dever de cuidar uns dos outros.” Respondi.
Ele sorriu e acariciou meu rosto me causando uma onda de choque, e não, não tinha borboletas no meu estômago, tinham rinocerontes. Eu me senti estremecer com aquele toque. Seu olhar encontrou o meu e um sorriso brincou em seus lábios.
Eu sentia que ele estava prestes a me beijar, e seria o primeiro beijo da minha vida. Eu não sei como reagiria a isso, mas queria desesperadamente. Quando seu polegar brincou em minha bochecha e seus olhos pareciam observar minhas sardas... Mas de repente, senti algo percorrer a minha espinha e meus instintos gritavam que havia algo errado. Encarei ao redor, inquieta.
“Está tudo bem?” Ele perguntou confuso.
“Tem alguma coisa errada...” Falei engolindo em seco.
“Se esse não for o melhor momento para você, não tem problema.” Renan disse retirando a mão de meu rosto com delicadeza.
“Não, não é isso.” Sussurrei.
A atmosfera festiva se transformou em uma sensação de tensão. Os uivos cessaram abruptamente e eu podia ver todos em alerta, a expressão de Renan se transformando em algo desconhecido. Era como se ele estivesse captando algum cheiro que lhe causava repulsa. Então, uma escuridão sinistra se abateu sobre a clareira. As chamas da fogueira tremeluziam, lançando sombras dançantes que pareciam ganhar vida própria. Os lobos rosnaram e assumiram posturas defensivas, preparando-se para o desconhecido. Sem aviso, as criaturas demoníacas emergiram das sombras.
Com olhos faiscantes, avançaram em direção à clareira, ignorando o rosnado ameaçador dos lobos. O caos irrompeu enquanto a alcateia tentava se defender contra o ataque surpresa do reino de Umbra.
Renan pulou e seu lobo surgiu, indo em direção aos nossos inimigos.
Diante de todo o pesadelo que se desenrolou, vi meu pai lutando bravamente para proteger minha mãe, o lobo preto rosnando ferozmente, enquanto minha mãe estava caída no chão, meu irmão estava perdido e assustado. Corri até ele e segurei sua mão, o puxando para o nosso esconderijo no coração da floresta.
No trajeto olhei para trás para ver se estávamos sendo seguidos. Quando chegamos lá, abri o alçapão e o empurrei para dentro.
“Fique aqui até que alguém venha lhe buscar. Entendeu?” Falei olhando em seus olhos.
“Mas e você, Meri?” Ele me perguntou, eu podia ver o terror em seus olhos.
“Vou voltar para ajudar a nossa família.”
“Não me deixe aqui sozinho.” Ele disse choramingando.
“Eden, está tudo bem. Vou voltar para você, ouviu? Eu te amo.” Sorri.
Ele apenas assentiu, e eu corri de volta para a clareira sabendo que precisavam de mais pessoas para ajudar. O reino de Umbra era composto por uma horda de magos que viviam nas sombras. Há anos uma guerra aconteceu e nossa alcateia os exilou para fora das nossas propriedades pelos rastros de morte que haviam deixado.
Há anos estamos nos protegendo dos ataques, achávamos estar seguros e pelo visto não estávamos porque eles estavam retaliando. Eu já estava chegando perto da clareira, mas antes que pudesse de fato avistar alguém, senti quando uma mão me agarrou, cobrindo a minha boca, e suas unhas pretas e mãos pálidas me denunciaram o ser um mago.
Meus olhos se arregalaram de horror, sentindo o fervor de sua pele abafando qualquer um dos meus gritos. Minha garganta queimava enquanto eu ia sendo arrastada para a escuridão. Lutei, esperneei e tentei com todas as minhas forças, mas seu abraço era como correntes à minha volta. Eu podia ouvir os gritos angustiados de minha alcateia e ordem de ataque ecoando ao longe. Não sabia quem estava ganhando, e a raiva me consumia, eu me recusava a parar de lutar, mesmo sabendo que para mim não havia mais solução.
Provavelmente ao amanhecer eu estaria morta.
“Meridian!” Foi o último grito que ouvi em minha consciência, como um grito de súplica, de busca. Foi a voz de meu pai Túlio, e meu nome pareceu ecoar dentro de mim.
Então senti algo quente sob meu pescoço, como garras me perfurando e apaguei.
Meridian Water RENEGADAA escuridão envolvia a sala de treinamento, onde eu estava sendo treinada para servir ao meu rei, Fondark Sweeney.Meu olhar determinado mostrava o meu compromisso com o treinamento rigoroso que estava por vir. Ao meu redor, as sombras pareciam ganhar vida, dançando e ondulando como seres estranhos. Meu instrutor Tom me observava minuciosamente, cada passo que eu dava, cada golpe lançado, ele parecia estar sempre focado em mim e isso me deixava intrigada."Você deve aprender a caçar com precisão e eficiência", dizia com uma voz profunda e enigmática. "A sua missão é proteger o reino das ameaças que se escondem nas sombras. Este é o seu propósito como uma caçadora."Eu apenas assenti, absorvendo suas palavras. Eu estava determinada a se provar digna desse papel e usar as minhas habilidades para proteger o reino, esse era o meu dever.Afinal, eu era uma renegada. Não sabia de onde tinha vindo, não era um demônio e não me lembrava de nada do meu passado. Tudo que
EXÍMIA CAÇADORAMeridian WaterAdentrei a grandiosa sala, onde o imponente Rei Fondark estava sentado em seu trono de obsidiana. Eu havia sido convocada para uma audiência especial, mas não fazia ideia do que esperar. Enquanto meus passos ecoavam pelo salão, sentia a intensidade do olhar de todos os presentes sobre mim. Guerreiros poderosos e conselheiros influentes observavam-me com uma mistura de curiosidade. Era uma honra e um desafio ser reconhecida diante de tantas figuras importantes. Quando finalmente cheguei diante do trono, ajoelhei-me em sinal de respeito. O olhar do rei pousou sobre mim, analisando-me com atenção."Meridian, a exímia caçadora", disse o rei com uma voz grave e imponente. "Seus feitos e habilidades como caçadora têm ecoado por todo o reino. Você tem se destacado como uma das nossas mais valorosas defensoras."Senti um misto de orgulho e gratidão pelo reconhecimento. Mas mantive-me de cabeça erguida, atenta às suas palavras, decorando-as para lembrar-me sempre
Meridian Water UM QUARTO PARA DOISHoje o príncipe Sweeney estaria no lado leste de Umbra, onde veria como está a região e se os guardiões estão cumprindo com o seu dever. O trajeto seria feito pela carruagem real, onde pararemos em pelo menos três regiões para descansar, pois seriam três dias de viagem.Eu já estava servindo como sua protetora há um mês, e estar em constante movimento como sua sombra não estava sendo difícil, porque hoje seria a primeira vez em que ele de fato dormiria fora da casa real. Eu havia estudado todos os pontos onde pararíamos, avaliando cada ponto de fuga necessário para o caso de um ataque de desordeiros.Demônios rebeldes que não respeitavam a realeza.Realizei as minhas necessidades básicas e coloquei uma calça de couro juntamente com um cropped, adicionando minha adaga à cintura, e mais outras duas adagas pequenas dentro da bota também de couro que ia até o meu joelho. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo e segui para fora, sabendo que os serviçais
Meridian Water Repreendi o meu pensamento ao imaginá-lo tomando banho, meu corpo formigou em resposta e eu praguejei baixinho. O que estava acontecendo comigo? Em dois anos, embora tivesse dormido com muitos homens, nunca tive tempo para brincar em missão, principalmente quando essa missão era proteger o príncipe e o alvo dos meus pensamentos era o PRÍNCIPE.Ignorei a excitação que me invadiu quando uma imagem do seu peitoral nu se acentuou em meu pensamento e decidi ver o que tinha para comermos. Carne de porco banhada em sangue e um copo do que provavelmente eram lágrimas. Sim. Magos sombrios costumam se alimentar do sofrimento humano, lágrimas de amargor são um dos copos mais servidos em festas e locais públicos. Nada de novo sob a sombra. Quando ele saiu do quarto vestindo apenas uma calça de pano macio e sem camisa, eu quase quis sair dali. O ambiente pareceu aquiescer de forma bastante rápida e embora já convivêssemos fadados ao inferno, o calor daquele corpo sob minha visão e
PRÍNCIPE SWEENEYEla me disse para voltar a dormir. Como se fosse tão simples assim.Fechei os olhos, fingindo indiferença, com a respiração firme e calma, mas estava longe de estar tranquilo. Minha mente estava inquieta, meus pensamentos emaranhados. A voz de Meridian permanecia no ar, suave e perturbada, e o leve odor de seu suor misturado com sua fragrância natural - selvagem e pura - invadiu meus sentidos. Era enlouquecedor. Tive de lutar contra o instinto de me aproximar, de respirá-la.Em vez disso, forcei-me a ficar imóvel, com os músculos tensos sob o cobertor. Eu podia senti-la ao meu lado, a apenas uma respiração de distância, sua presença como uma chama queimando perigosamente perto da minha pele. A escuridão do quarto não me oferecia nenhum refúgio. Suas palavras ecoavam em minha mente.Guerras, mortes, caos, criaturas… ela sonhava. Com o caos, com a perda, com seu passado esquecido. Ela falava sobre isso de forma tão casual, mas eu podia ouvir o peso de sua voz, a fragili
Meridian Water Quando despertei, percebi que o príncipe não estava ali, soltei um bocejo e espreguicei os meus braços e então percebi que o príncipe estava no banho.Ouvi o barulho de água caindo. Ajeitei o meu corpo na cadeira de frente para a janela, onde permaneci pelo restante da noite até o raiar do sol. Não consegui ficar na cama, e nem consegui voltar a dormir. Me levantei e abri a porta e pedi ao soldado que nos preparasse algo para comer. Não era surpresa que ele já estivesse ali, a runa desenhada em seu pescoço lhe garantia servidão vinte e quatro horas, logo era como se ele fosse um robô que ficaria de prontidão onde o colocassem pronto para fazer o que pedissem e para dar a sua vida pelo príncipe. Claro que não durava mais de um dia, logo na outra noite trocaríamos o soldado para que este pudesse desfazer a runa e ir dormir. Demônios não são incansáveis. O café da manhã chegou, olhos de boi e lágrimas de automutilação. Ele saiu do banheiro já pronto para seguirmos via
Meridian Water Desenhei com a ponta da adaga uma série de linhas entrelaçadas e curvas, formando um padrão único, enquanto sentia a energia da magia negra sendo carregada ao nosso redor. Enquanto as linhas de sangue escureciam como se estivessem sendo desenhas com tinta, brilhavam com uma luminosidade atraente e uma aura sombria tomava nossa mão. No centro da runa, desenhei o ponto focal, que seria o nosso destino. E logo esse ponto foi consumido por uma chama que acendeu sobre minha mão, simbolizando a energia ardente do poder que impulsionaria o nosso teletransporte. As sombras dançavam em torno da runa quando a chama se apagou, a medida em que cresciam e nos tomavam, nos envolvendo em um véu escuro e misterioso, liberando energia e nos consumindo a medida em que vamos nos desintegrando em um lapso de segundos e então, quando abrimos os olhos, estávamos um beco escuro. Apoiei uma das mãos na parede ao sentir meu corpo ainda flutuando em meio á uma vertigem. “Inferno.” Praguejei.
PRINCIPE SWEENEYFoi muito simples achar algo que pudéssemos comer. Embora me alimentar de almas fosse algo mais saciável para mim que era um mago sombrio, carne animal também ajudava a me manter saciado por um tempo, e isso tinha muito na geladeira dos humanos. Também achamos roupas comuns em um guarda-roupa que parecia ser de um casal, o que foi muito bom para nós. Embora em nosso reino o amor seja uma perda de tempo já que somos regados à luxúria. Não amamos, somos consumidos por desejo carnal, matamos o nosso desejo e partimos para o próximo. Esse é o preço de conjurar magia negra, você se torna uma espécie de ser demoníaco, sem sentimentos fúteis. “Você prefere tomar banho antes ou depois de mim?” Ela perguntou me encarando. Hesitei porque a resposta que sairia não estava em sua pergunta, mordisquei o lábio inferior contendo minha imaginação. “O que for melhor para você.” Respondi e desviei o olhar porque sabia que a resposta que eu queria não viria tão fácil assim. “Foi uma