2 - SEQUESTRADA PELO REINO UMBRA

Meridian Water 

SEQUESTRADA PELO REINO UMBRA

Quando emergimos da escuridão das árvores e entramos, senti todos os olhares voltados para nós, os uivos cessam e um silêncio reverente tomou conta do ambiente. Senti um arrepio percorrer minha espinha, e a onda de amor se espalhou, em direção a minha família.

Meu pai sorriu e nos direcionamos à estrutura onde nos sentamos para receber apoio e homenagem. Após estarmos diante de toda a alcateia em nossa posição de destaque, meu pai inicia. Com uma voz forte e imponente, ele enaltece a linhagem de sua família e a importância de manter as tradições vivas. Enquanto ele falava, observei atentamente cada rosto à minha volta. Sentindo uma profunda conexão com cada um, e era como se um sentimento estranho se apoderasse de mim, como se esse ato, por mínimo que fosse, era extremamente necessário. A celebração prosseguiu com danças, cantos e histórias ancestrais compartilhadas ao redor da fogueira. E eu me sentia envolvida por uma aura de gratidão, sabendo que aquela era a minha casa, a minha família.

Em um dos momentos de dança, como confidenciado pela minha melhor amiga, Renan se aproximou. Eu estava encostada perto de uma pedra gigante observando a lua cheia sob nossas cabeças, os lobos estavam em rito de caça, onde buscavam pela floresta suas escolhidas e eram livres para fazerem o que quisessem. Senti meu rosto aquiescer com aquele pensamento. Suspirei e continuei ali, tomando um ar e imaginando o dia em que a minha loba seria livre para correr floresta adentro. Aquela pelo visto não seria a noite em que eu me transformaria.

“Tudo bem?” Renan me tirou dos meus devaneios ao se colocar ao meu lado e encarar a lua.

“Ah. Oi.” Respondi tentando conter o nervosismo. “Sim. Estou apenas tomando um ar.”

“Entendi.” Ele assentiu, parecia sem jeito.

“Achei que estivesse no rito de caça.” Eu disse o encarando de soslaio.

“Meu lobo ainda não tem uma escolhida.” Ele disse com um sorriso de canto.

“Isso não te impediu de participar dos anos anteriores.” Resmunguei, engolindo em seco ao perceber que tinha falado demais.

“Andava me observando nos anos anteriores?” Perguntou e podia ver pela luz da lua uma de suas sobrancelhas erguidas.

O encarei porque sentia uma necessidade desconhecida de observar os traços do seu rosto.

“Não me faça perguntas difíceis.” Respondi timidamente.

Ele sorriu pra mim e aquele sorriso pareceu fazer todo o chão abaixo dos meus pés desaparecerem para que eu pudesse flutuar.

“Você está linda.” Ele disse por fim, se apoiando na pedra e deixando seus ombros próximos aos meus, me causando calafrios.

“Muito obrigada.” Respondi e eu tinha certeza que estava corada.

“Como está se sentindo? Sei que andava ansiosa pela primeira transformação...” Seu tom saiu cuidadoso.

“Estou bem.” Fui sincera. “Meu pai sempre me disse que no momento certo aconteceria, não é como se eu fosse menos loba por isso, ela está aqui em algum lugar, só está esperando o momento certo para sair em grande estilo.” Brinquei.

“Seu pai é um homem admirável, e você também.” Ele disse cruzando os braços e parecendo pensativo. “Sempre admirei a forma como você lida com a alcateia, como está sempre aqui.”

“Não é como se você fosse diferente.” O encarei, seu sorriso era tão lindo. Seus olhos azuis encarando a floresta à nossa frente.

“É que eu carrego o peso de uma responsabilidade, você está fazendo isso por escolha. Você escolheu estar aqui para nós.” Ele me encarou, eu podia ver a sinceridade em seu olhar.

Entendi o que ele quis dizer. Desde cedo os homens da alcateia tem uma responsabilidade maior para nos proteger. Ele é o filho do braço direito no comando e guarda da alcateia, cargo que alcançou ano passado ao completar dezoito anos.

As mulheres na alcateia são vistas como conselheiras, cuidadoras, protetoras da família. Nos resguardamos aos lares, aos conselhos maternos, porque somos vistas como vulneráveis socialmente e leoas maternas. Embora eu entenda que somos vistas como sábias intelectualmente e que isso é bom, eu não quero ser só uma conselheira.

Sempre quis ser soldado, lutar ao lado do meu pai e proteger a alcateia. Não é como se não pudéssemos lutar só porque somos mulheres. Mas papai sempre respeitou veemente as tradições, sempre frisou o lugar de cada um, e embora ele seja incrível, acredito que sua visão seja ultrapassada, vendo que historicamente muitas mulheres lutaram e estiveram no comando e isso não afetou sua capacidade intelectual.

Mas, ainda assim, eu escolhi levar as palavras de Renan como um elogio, porque ele estava ali admitindo que me admirava, e eu tinha sonhado com isso por tantos anos que não podia acreditar que estava acontecendo. Sorri.

“Obrigada pelas palavras. Eu sinto como uma responsabilidade estar aqui para vocês. Eu sou a filha do alfa, também tenho o dever de cuidar dessa alcateia. Na realidade, todos temos o dever de cuidar uns dos outros.” Respondi.

Ele sorriu e acariciou meu rosto me causando uma onda de choque, e não, não tinha borboletas no meu estômago, tinham rinocerontes. Eu me senti estremecer com aquele toque. Seu olhar encontrou o meu e um sorriso brincou em seus lábios.

Eu sentia que ele estava prestes a me beijar, e seria o primeiro beijo da minha vida. Eu não sei como reagiria a isso, mas queria desesperadamente. Quando seu polegar brincou em minha bochecha e seus olhos pareciam observar minhas sardas... Mas de repente, senti algo percorrer a minha espinha e meus instintos gritavam que havia algo errado. Encarei ao redor, inquieta.

“Está tudo bem?” Ele perguntou confuso.

“Tem alguma coisa errada...” Falei engolindo em seco.

“Se esse não for o melhor momento para você, não tem problema.” Renan disse retirando a mão de meu rosto com delicadeza.

“Não, não é isso.” Sussurrei.

A atmosfera festiva se transformou em uma sensação de tensão. Os uivos cessaram abruptamente e eu podia ver todos em alerta, a expressão de Renan se transformando em algo desconhecido. Era como se ele estivesse captando algum cheiro que lhe causava repulsa. Então, uma escuridão sinistra se abateu sobre a clareira. As chamas da fogueira tremeluziam, lançando sombras dançantes que pareciam ganhar vida própria. Os lobos rosnaram e assumiram posturas defensivas, preparando-se para o desconhecido. Sem aviso, as criaturas demoníacas emergiram das sombras.

Com olhos faiscantes, avançaram em direção à clareira, ignorando o rosnado ameaçador dos lobos. O caos irrompeu enquanto a alcateia tentava se defender contra o ataque surpresa do reino de Umbra.

Renan pulou e seu lobo surgiu, indo em direção aos nossos inimigos.

Diante de todo o pesadelo que se desenrolou, vi meu pai lutando bravamente para proteger minha mãe, o lobo preto rosnando ferozmente, enquanto minha mãe estava caída no chão, meu irmão estava perdido e assustado. Corri até ele e segurei sua mão, o puxando para o nosso esconderijo no coração da floresta.

No trajeto olhei para trás para ver se estávamos sendo seguidos. Quando chegamos lá, abri o alçapão e o empurrei para dentro.

“Fique aqui até que alguém venha lhe buscar. Entendeu?” Falei olhando em seus olhos.

“Mas e você, Meri?” Ele me perguntou, eu podia ver o terror em seus olhos.

“Vou voltar para ajudar a nossa família.”

“Não me deixe aqui sozinho.” Ele disse choramingando.

“Eden, está tudo bem. Vou voltar para você, ouviu? Eu te amo.” Sorri.

Ele apenas assentiu, e eu corri de volta para a clareira sabendo que precisavam de mais pessoas para ajudar. O reino de Umbra era composto por uma horda de magos que viviam nas sombras. Há anos uma guerra aconteceu e nossa alcateia os exilou para fora das nossas propriedades pelos rastros de morte que haviam deixado.

Há anos estamos nos protegendo dos ataques, achávamos estar seguros e pelo visto não estávamos porque eles estavam retaliando. Eu já estava chegando perto da clareira, mas antes que pudesse de fato avistar alguém, senti quando uma mão me agarrou, cobrindo a minha boca, e suas unhas pretas e mãos pálidas me denunciaram o ser um mago.

Meus olhos se arregalaram de horror, sentindo o fervor de sua pele abafando qualquer um dos meus gritos. Minha garganta queimava enquanto eu ia sendo arrastada para a escuridão. Lutei, esperneei e tentei com todas as minhas forças, mas seu abraço era como correntes à minha volta. Eu podia ouvir os gritos angustiados de minha alcateia e ordem de ataque ecoando ao longe. Não sabia quem estava ganhando, e a raiva me consumia, eu me recusava a parar de lutar, mesmo sabendo que para mim não havia mais solução.

Provavelmente ao amanhecer eu estaria morta.

“Meridian!” Foi o último grito que ouvi em minha consciência, como um grito de súplica, de busca. Foi a voz de meu pai Túlio, e meu nome pareceu ecoar dentro de mim.

Então senti algo quente sob meu pescoço, como garras me perfurando e apaguei.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo