Meridian Water
RENEGADA
A escuridão envolvia a sala de treinamento, onde eu estava sendo treinada para servir ao meu rei, Fondark Sweeney.
Meu olhar determinado mostrava o meu compromisso com o treinamento rigoroso que estava por vir. Ao meu redor, as sombras pareciam ganhar vida, dançando e ondulando como seres estranhos. Meu instrutor Tom me observava minuciosamente, cada passo que eu dava, cada golpe lançado, ele parecia estar sempre focado em mim e isso me deixava intrigada.
"Você deve aprender a caçar com precisão e eficiência", dizia com uma voz profunda e enigmática. "A sua missão é proteger o reino das ameaças que se escondem nas sombras. Este é o seu propósito como uma caçadora."
Eu apenas assenti, absorvendo suas palavras. Eu estava determinada a se provar digna desse papel e usar as minhas habilidades para proteger o reino, esse era o meu dever.
Afinal, eu era uma renegada. Não sabia de onde tinha vindo, não era um demônio e não me lembrava de nada do meu passado. Tudo que eu sabia era que o rei havia me pegado na sarjeta e me criado. Ele me deu um lar quando ninguém me quis por não saber a minha linhagem, eu lhe daria a minha lealdade.
Hoje seria o último dia do treinamento em que eu me provaria capaz de fazer parte da cavalaria a serviço do rei. Foi quando ele entrou que senti algo estremecer dentro de mim.
Todos o encararam, e um silêncio assustador se fez na sala de treinamento. O filho do líder dos magos estava ali. Sua pele era pálida e seus olhos eram negros, completamente negros, sem pupila. Era alto e seu corpo era imponente, coberto de uma autoridade assustadora.
Queria sair correndo daquela sala ao perceber que ele veio em minha direção, desde que começou o treinamento há dois anos, minha fama corria pelo reino de Umbra, não havia sequer um soldado que tivesse lutado comigo e vencido. Eu havia vencido até mesmo o instrutor e meu instinto rebelde às vezes era mal visto. Achavam que eu tinha que me curvar a eles porque eu era renegada, e eu não aceitava. Fui criada por eles, um deles eu era. Logo não me curvaria a ninguém.
Seu olhar me penetrou, sua expressão dura me observando quando seus passos quebraram a distância entre nós. Ergui a cabeça. Ele não me metia medo, embora sua presença fosse autoritária sobre mim, não recuei.
“Quero lutar com você.” Disse com suas mãos atrás do corpo e seu olhar direcionado ao meu.
“Seu pedido é uma ordem.” Me coloquei em posição de defesa.
Se fosse o que ele queria, ele teria.
O treino começou com passos calculados, um círculo perigoso onde nossas habilidades se mediam a cada movimento. Ele avançava com rapidez felina, os pés tocando o chão com uma leveza que parecia impossível para alguém de sua estatura. Eu desviava do primeiro golpe, inclinando o corpo para trás, sentindo o deslocamento de ar próximo ao meu rosto, mas não me dava ao luxo de hesitar. Contra-ataque. Um chute rápido para desestabilizá-lo, que ele defendeu com facilidade, girando o corpo como se fosse parte de uma coreografia ensaiada.
Seus movimentos eram silenciosos e mortais, revelando sua destreza e talento natural.
Mas não me colocaram em posição de inferioridade, porque parecíamos estar em uma dança sincronizada onde não havia perdedores.
Seus olhos, de um brilho intenso, estavam fixos nos meus, ardendo com uma concentração que fazia cada pequeno movimento meu parecer exposto. Ele estava me estudando. Não, dissecando. Meu próximo golpe, um soco rápido com a mão direita, foi bloqueado, mas, em vez de recuar, eu usei o impulso para girar o corpo, tentando acertar com o cotovelo. Ele esquivou-se por um triz, o olhar ainda cravado em mim. Meu coração batia em um ritmo frenético, mas não de medo — era algo mais. Algo que eu não tinha tempo de decifrar.
Em seguida, passamos para a luta com armas. Empunhei uma espada negra onde uma lua decorava seu cabo, era o símbolo do colar que eu nunca retirara do pescoço, a única coisa que viera comigo e que mesmo não sabendo de sua história permanecia. Balancei a lâmina com sagacidade, cortando o ar com velocidade e ferocidade, meus golpes eram certeiros, demonstrando minha habilidade e capacidade como caçadora. Ele parecia estar atento a cada movimento meu, e embora não parecesse estar pegando leve, eu sentia seu olhar sob mim. Me estudando.
Nossas lâminas se encontraram com um som cortante, faíscas saltando no impacto. Os lábios do príncipe se curvaram em algo que poderia ser um sorriso – ou uma provocação.
Os olhos dele não me deixavam. Mesmo enquanto desviava dos meus ataques ou contra- atacava com golpes rápidos e precisos, eles permaneciam fixos nos meus, intensos e penetrantes. Era quase sufocante, mas eu não podia desviar o olhar. Não enquanto ele me enfrentava com essa intensidade.
Meu treinamento foi mais intenso do que qualquer outro. Por ser dita como inferior, treinei dia e noite para mostrar o contrário, aprendi todos os treinamentos possíveis com corpo e com armas, aprendi também a rastrear e a perseguir minhas presas com astúcia.
Me camuflava nas sombras como se elas de fato fossem minha casa, me tornando silenciosa e invisível. Mostrei ser mais do que capaz de servir a cavalaria real caçando diversas criaturas, desde demônios rebeldes a seres diversos que ameaçavam nossa existência.
Eu sabia que podia vencer. A sala de treinamento estava repleta de tensão e energia concentrada. Os golpes trocados entre nós dois eram poderosos e implacáveis, cada um lutando com todas as suas habilidades.
A luta foi dada como encerrada quando nós dois utilizamos de um golpe em que nos colocou no chão, a ponta da minha lâmina em seu pescoço enquanto a ponta da sua em ponto mortal na minha barriga. Não ofegamos ou mostramos qualquer sentimento além de desafio, mas eu podia sentir meu corpo formigar com a proximidade.
Me levantei, me distanciando para que ele pudesse se levantar também. Então apenas assenti como era o correto a se fazer. Ele era da realeza. O príncipe do reino de Umbra havia lutado comigo. Eu podia ouvir os burburinhos com a minha audição aguçada, podia ouvir os deboches e um sorriso de canto brincou em meus lábios. Poderia ser qualquer um, mas era eu. Era eu ali, porque eu era a única mais capacitada para tal combate e ainda assim eles me reduziam a uma mera renegada. Eu provaria o contrário.
EXÍMIA CAÇADORAMeridian WaterAdentrei a grandiosa sala, onde o imponente Rei Fondark estava sentado em seu trono de obsidiana. Eu havia sido convocada para uma audiência especial, mas não fazia ideia do que esperar. Enquanto meus passos ecoavam pelo salão, sentia a intensidade do olhar de todos os presentes sobre mim. Guerreiros poderosos e conselheiros influentes observavam-me com uma mistura de curiosidade. Era uma honra e um desafio ser reconhecida diante de tantas figuras importantes. Quando finalmente cheguei diante do trono, ajoelhei-me em sinal de respeito. O olhar do rei pousou sobre mim, analisando-me com atenção."Meridian, a exímia caçadora", disse o rei com uma voz grave e imponente. "Seus feitos e habilidades como caçadora têm ecoado por todo o reino. Você tem se destacado como uma das nossas mais valorosas defensoras."Senti um misto de orgulho e gratidão pelo reconhecimento. Mas mantive-me de cabeça erguida, atenta às suas palavras, decorando-as para lembrar-me sempre
Meridian Water UM QUARTO PARA DOISHoje o príncipe Sweeney estaria no lado leste de Umbra, onde veria como está a região e se os guardiões estão cumprindo com o seu dever. O trajeto seria feito pela carruagem real, onde pararemos em pelo menos três regiões para descansar, pois seriam três dias de viagem.Eu já estava servindo como sua protetora há um mês, e estar em constante movimento como sua sombra não estava sendo difícil, porque hoje seria a primeira vez em que ele de fato dormiria fora da casa real. Eu havia estudado todos os pontos onde pararíamos, avaliando cada ponto de fuga necessário para o caso de um ataque de desordeiros.Demônios rebeldes que não respeitavam a realeza.Realizei as minhas necessidades básicas e coloquei uma calça de couro juntamente com um cropped, adicionando minha adaga à cintura, e mais outras duas adagas pequenas dentro da bota também de couro que ia até o meu joelho. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo e segui para fora, sabendo que os serviçais
Meridian Water Repreendi o meu pensamento ao imaginá-lo tomando banho, meu corpo formigou em resposta e eu praguejei baixinho. O que estava acontecendo comigo? Em dois anos, embora tivesse dormido com muitos homens, nunca tive tempo para brincar em missão, principalmente quando essa missão era proteger o príncipe e o alvo dos meus pensamentos era o PRÍNCIPE.Ignorei a excitação que me invadiu quando uma imagem do seu peitoral nu se acentuou em meu pensamento e decidi ver o que tinha para comermos. Carne de porco banhada em sangue e um copo do que provavelmente eram lágrimas. Sim. Magos sombrios costumam se alimentar do sofrimento humano, lágrimas de amargor são um dos copos mais servidos em festas e locais públicos. Nada de novo sob a sombra. Quando ele saiu do quarto vestindo apenas uma calça de pano macio e sem camisa, eu quase quis sair dali. O ambiente pareceu aquiescer de forma bastante rápida e embora já convivêssemos fadados ao inferno, o calor daquele corpo sob minha visão e
PRÍNCIPE SWEENEYEla me disse para voltar a dormir. Como se fosse tão simples assim.Fechei os olhos, fingindo indiferença, com a respiração firme e calma, mas estava longe de estar tranquilo. Minha mente estava inquieta, meus pensamentos emaranhados. A voz de Meridian permanecia no ar, suave e perturbada, e o leve odor de seu suor misturado com sua fragrância natural - selvagem e pura - invadiu meus sentidos. Era enlouquecedor. Tive de lutar contra o instinto de me aproximar, de respirá-la.Em vez disso, forcei-me a ficar imóvel, com os músculos tensos sob o cobertor. Eu podia senti-la ao meu lado, a apenas uma respiração de distância, sua presença como uma chama queimando perigosamente perto da minha pele. A escuridão do quarto não me oferecia nenhum refúgio. Suas palavras ecoavam em minha mente.Guerras, mortes, caos, criaturas… ela sonhava. Com o caos, com a perda, com seu passado esquecido. Ela falava sobre isso de forma tão casual, mas eu podia ouvir o peso de sua voz, a fragili
Meridian Water Quando despertei, percebi que o príncipe não estava ali, soltei um bocejo e espreguicei os meus braços e então percebi que o príncipe estava no banho.Ouvi o barulho de água caindo. Ajeitei o meu corpo na cadeira de frente para a janela, onde permaneci pelo restante da noite até o raiar do sol. Não consegui ficar na cama, e nem consegui voltar a dormir. Me levantei e abri a porta e pedi ao soldado que nos preparasse algo para comer. Não era surpresa que ele já estivesse ali, a runa desenhada em seu pescoço lhe garantia servidão vinte e quatro horas, logo era como se ele fosse um robô que ficaria de prontidão onde o colocassem pronto para fazer o que pedissem e para dar a sua vida pelo príncipe. Claro que não durava mais de um dia, logo na outra noite trocaríamos o soldado para que este pudesse desfazer a runa e ir dormir. Demônios não são incansáveis. O café da manhã chegou, olhos de boi e lágrimas de automutilação. Ele saiu do banheiro já pronto para seguirmos via
Meridian Water Desenhei com a ponta da adaga uma série de linhas entrelaçadas e curvas, formando um padrão único, enquanto sentia a energia da magia negra sendo carregada ao nosso redor. Enquanto as linhas de sangue escureciam como se estivessem sendo desenhas com tinta, brilhavam com uma luminosidade atraente e uma aura sombria tomava nossa mão. No centro da runa, desenhei o ponto focal, que seria o nosso destino. E logo esse ponto foi consumido por uma chama que acendeu sobre minha mão, simbolizando a energia ardente do poder que impulsionaria o nosso teletransporte. As sombras dançavam em torno da runa quando a chama se apagou, a medida em que cresciam e nos tomavam, nos envolvendo em um véu escuro e misterioso, liberando energia e nos consumindo a medida em que vamos nos desintegrando em um lapso de segundos e então, quando abrimos os olhos, estávamos um beco escuro. Apoiei uma das mãos na parede ao sentir meu corpo ainda flutuando em meio á uma vertigem. “Inferno.” Praguejei.
PRINCIPE SWEENEYFoi muito simples achar algo que pudéssemos comer. Embora me alimentar de almas fosse algo mais saciável para mim que era um mago sombrio, carne animal também ajudava a me manter saciado por um tempo, e isso tinha muito na geladeira dos humanos. Também achamos roupas comuns em um guarda-roupa que parecia ser de um casal, o que foi muito bom para nós. Embora em nosso reino o amor seja uma perda de tempo já que somos regados à luxúria. Não amamos, somos consumidos por desejo carnal, matamos o nosso desejo e partimos para o próximo. Esse é o preço de conjurar magia negra, você se torna uma espécie de ser demoníaco, sem sentimentos fúteis. “Você prefere tomar banho antes ou depois de mim?” Ela perguntou me encarando. Hesitei porque a resposta que sairia não estava em sua pergunta, mordisquei o lábio inferior contendo minha imaginação. “O que for melhor para você.” Respondi e desviei o olhar porque sabia que a resposta que eu queria não viria tão fácil assim. “Foi uma
Meridian Water Despertei antes do sol raiar. Havia apenas cochilado, pois meu senso de alerta não me deixaria dormir em terras desconhecidas. Segui para o banheiro e tomei rapidamente um banho, voltando a colocar minhas roupas de couro. Quando sai do banho, ele já estava sentado na cama, seus olhos se voltaram para mim. Passou as mãos nos cabelos e suspirou. “Tome um banho, seguiremos.” Respondi guardando minhas adagas. “Ok, vossa alteza.” Ele ironizou passando por mim e me fazendo revirar os olhos. Para quem era fechado e raramente falava, ele estava se mostrando até demais para mim. Após o término do seu banho, saímos pelo mesmo lugar que entramos, e seguimos nas sombras até a beirada da cidade. Desenhei novamente a runa do teletransporte colocando como ponto focal um local ao leste do reino de Umbra que não quebrasse a barreira de proteção e nos denunciasse. Quando pousamos algo estranho me atingiu, um sentimento de nostalgia antes desconhecido por mim. Senti sua mão segurar me