Capítulo 04

KATH

Ela era linda, com belos cabelos dourados que iam até a cintura e um corpo de dar inveja. Além de bonita, Karissa era uma excelente guerreira, o que garantia a ela admiração e respeito dos membros do bando. 

Ela caminha calmamente até mim, sem desviar os olhos. Aqueles olhos azuis que, para mim, não eram como o céu límpido, mas uma poça de água que me afogaria. 

— Olá, irmãzinha — ela disse com um ar de deboche. — Gostando das suas novas… instalações? 

Karissa jogou a cabeça para trás e riu. Desde que éramos pequenas, ela era assim. Na frente dos outros, uma irmã exemplar, mas por trás, Karissa buscava me machucar. Depois que perdi a voz, não fui a única a mudar: Joshua, que costumava ser meu amigo, passou a me ignorar e a ficar grudado em Karissa como um cão. Ele inclusive permitia que ela me machucasse, só porque “ela queria”. Ele mentia por ela. 

— Ah, você não consegue falar, não é? — Karissa me cutucou com a ponta do sapato alto. — Nem mexer essas suas mãos nojentas. Você é ridícula… Mesmo assim, ainda está seduzindo o meu macho! 

O sapato dela pressionou contra o meu tornozelo ferido. Como eu estava acorrentada por prata, Cinder não podia me curar. A dor foi horrorosa e eu senti as lágrimas descendo pelo meu rosto. Então, sem mais, Karissa caiu ao chão, choramingando e olhando para mim como se eu tivesse feito algo horrível contra ela. 

— Karissa! — ouvi Joshua, a voz carregada de preocupação, antes que ele corresse em super velocidade até a minha irmã. — O que houve? E… o que faz aqui? 

— Joshua… e-eu… eu fiquei sabendo que a minha irnmã foi trazida pra cá e… — Karissa cobriu o rosto com as mãos, mais uma vez fingindo que era uma moça delicada emocionalmente. 

Joshua soltou um longo suspiro. 

— Karissa, como eu não a trancaria, depois de ela ter te machucado?  — ele disse, passando as mãos nos cabelos dela. Apesar de não estarmos mais ligados, ainda doía ver o meu companheiro predestinado agindo assim com outra fêmea, quando eu estava presa por correntes de prata!

Joshua foi ajudar Karissa a se levantar, mas ela começou a chorar, dizendo que tinha torcido o tornozelo. Ele, claro, ficou preocupado. 

— Não culpe a Kath… é normal que ela esteja chateada. Ela está presa por minha culpa! — Karissa falou e Joshua me lançou um olhar maligno. 

— Rissa, vou pedir que te levem pra casa. Eu preciso ter uma conversinha com a sua irmã — a forma como o maxilar dele trincou me fez estremecer. 

— Josh… 

Um dos guardas entrou e educadamente auxiliou Karissa a sair da cela. Antes de sumir pela porta, ela me olhou e sorriu. 

Um tapa fez minha bochecha arder, enviando a minha cabeça com força para o lado, e ela foi de encontro à parede. Vi estrelas.

Joshua olhou pra mim com raiva e eu podia esperar para levar uma surra. Fechei os meus olhos quando ele começou a se aproximar de mim. Daí, eu senti. 

Meus sentidos não estavam muito bons, porém, um cheiro me atingiu forte. Madeira com folhas maceradas e algo que eu não saberia descrever. E tinha algo a mais: poder. Muito poder. 

— O que é isso? — eu ouvi uma voz de trovão, rouca, intensa, retumbando pelas paredes da masmorra. Joshua tinha a mão levantada, pronta para me acertar, mas ele olhou para a porta e eu fiz o mesmo. 

Se eu achava Joshua bonito, é porque nunca tinha visto algo como aquele macho à porta. Os cabelos eram prateados brilhavam, mas não mais do que os olhos. Olhos vermelhos como sangue vivo. E eles estavam pregados em mim. 

Joshua abaixou a mão e fez uma reverência. 

— Príncipe Reagan. 

O olhar do Príncipe varreu a cela. Ele era um Lycan. Apenas Lycans possuíam olhos daquela cor. Eu tinha lido sobre eles. Não aprendi na escola porque meu pai decidiu que eu não era boa o suficiente para continuar assistindo aulas e insistiu com o Alfa Cedric que eu seria ensinada em casa. 

— Eu perguntei o que é isso — a voz do Lycan era bonita e ao mesmo que era produnda, parecia deslizar facilmente para dentro do meu cérebro. Eu não conseguia parar de olhar pra ele! 

— Estou apenas educando uma loba desobediente, Majestade — Joshua respondeu educadamente. — Posso ajudar em algo? Ninguém me avisou que o senhor estava vindo para as masmorras… 

— E por que fariam isso? Eu por acaso não posso fazer uma vistoria sozinho? 

— Não foi isso que… 

O Lycan passou por Joshua e parou bem ao meu lado. Eu levantei meu pescoço com dificuldade, mas não pude manter, porque me sentia prestes a desmaiar, já vendo pontos pretos na minha frente. 

— Majestade! — ouvi Josh introjetar, antes que a escuridão finalmente me tomasse. 

Não sei se foram as correntes, o tapa, a fome e a sede, mas eu senti tudo girar e perdi a consciência. 

Quando acordei, estava livre das correntes, mas ainda presa em um quarto. Pelo menos ele era limpo. Minhas roupas foram trocadas, porque eu já não estava em um estado deplorável de terra da floresta com a sujeira do chão da cela. Quem poderia ter me lavado? 

Fui tirada de meus pensamentos quando senti algo diferente, como se eu estivesse sendo atraída para a porta. Um cheiro bom, de bolo recém-feito com hortelã e folhas maceradas encheu minhas narinas. Era delicioso e reconfortante! 

A maçaneta girou e eu vi aqueles olhos vermelhos de antes, só que agora, eu não sentia medo, e sim… dei um passo em direção ao lycan. 

— Ande logo, Hewitt! — Joshua falou com aspereza, mas eu não podia realmente ouvir, porque a minha atenção estava no macho à minha frente. — Não está me ouvindo? Sua inútil…! 

No segundo seguinte, Joshua estava preso contra a parede. 

— Nunca mais levante a voz quando falar com a minha fêmea! — ouvi o lycan dizer e, mais uma vez em minutos, me senti acolhida. Calma, “minha fêmea”? 

“— Companheiro!” — Cinder cantou na minha cabeça. “ — Kath, temos uma segunda chance!” 

Segunda chance? O Lycan? Eu não… Minha mente estava uma bagunça. 

O príncipe largou Joshua e se virou para mim. Ele pegou um lenço, limpou a mão e a estendeu para mim. 

Eu não conseguia acreditar, mas também não podia evitar o toque dele. Coloquei minha mão na do lycan e ele me levou para fora daquela sala. Sinceramente, não consegui pensar em mais nada e nem ouvir, porque todo o meu mundo pertencia àquele macho. 

— Irmã! — Karissa se colocou na minha frente, bloqueando o meu caminho. Ela olhou do príncipe para mim e, por um segundo, eu pude ver a frustração dela, antes que fizesse um beicinho. — Para onde está indo? 

Olhei em volta e estávamos perto dos veículos. 

Soltei minha mão da do príncipe e ele relutantemente permitiu. 

— Vou para onde o príncipe me levar — respondi sinceramente, afinal, eu apenas o segui. Eu sentia que não importava o lugar, desde que ele estivesse perto de mim. E era tão estranho, porque apesar disso, eu ainda sentia, lá no fundo, aquele vazio pela rejeição de Joshua. Talvez pelo sentimento que eu tinha por ele e que se instalou antes de qualquer vínculo de companheiro se manifestar. 

O lycan franziu a testa quando olhei para ele. 

— Por que… você é muda?  

Meu sangue congelou em minhas veias. Ele… ele ia me rejeitar, como Joshua tinha feito? Eu não sabia se poderia aguentar aquilo de novo! 

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