Parte 2...
Isabella
— Não é nada demais – eu mexi o ombro — Acho que é só... Cansaço. Ainda sinto o corpo um pouco mole.
Dias antes eu tinha tido febre, por causa de uma forte gripe, mas não era por isso que estava triste. Era por estar comemorando meu aniversário de quatorze sem a presença de minha família.
— É por isso ou porque seus pais não vieram vê-la?
Eu suspirei. Sim, Susan estava certa. Eu sentia muita falta deles, mas não adiantava mais chorar por isso. Eu não era amada por meus pais, já estava ciente dessa triste realidade. Foi quando Melody segurou minha mão.
— Isabella, você tem que começar a se preparar, querida.
— Para o que? – eu franzi a testa.
— Melody... – a irmã Lúcia balançou a cabeça.
— Ela tem que saber, Lúcia... Não podemos deixar que continue pensando que em breve sairá daqui.
— Eu não vou sair? – me assustei quando ela disse aquilo — Quando eu fizer dezoito anos vou voltar para minha casa, no Brasil.
— Não, você não vai, querida – Melody me respondeu com voz pesada.
— O que? – eu me lembro de meu queixo tremer. Fiquei com medo — Mas... Por que não? Eu vou terminar os estudos aqui... Minha casa é em São Paulo.
Eu pensava isso antes, mas na verdade eu quase não falava direito o português brasileiro, meu idioma nativo. Eram tantos anos falando em inglês, francês, italiano e sueco, que poucas vezes tive a oportunidade de falar o meu próprio.
Apenas quando duas alunas do colégio interno vieram estudar aqui e morar no convento por um tempo, eu pude praticar com elas. Uma delas era de São Paulo também e a outra era de Porto Alegre.
Houve uma pequena discussão entre elas, mas no final, elas me revelaram de vez o que já estava selado para mim e eu não podia mais recuar.
— Você é a noiva de Enzo Ricci, um nome poderoso na máfia italiana – Susan disse de modo firme — Sairá daqui direto para seu casamento e depois será sua esposa e mãe de seus filhos.
Eu ouvi o que Susan dizia, mas não entendia bem. Então, as três me pediram para guardar segredo sobre elas revelarem meu destino final. E pra mim, foi aterrador aos quatorze anos, descobrir que eu já não pertencia à minha família.
Meu nome estava ligado a outro agora e assim que eu completasse vinte e dois anos, deveria ser levada para a Itália, para Palermo, na Sicília, onde seria entregue definitivamente ao meu marido e senhor. Enzo Ricci!
Eu chorei muito nesse dia. Elas tentavam me consolar com palavras de carinho e apoio, mas tudo o que eu via era um futuro ao lado de um homem que eu nem mesmo tinha falado por um minuto, que tinha a fama de ser cruel e de ter muitos inimigos.
Minha cabeça ficou cheia de pensamentos conflitantes e de raiva por meus pais terem me vendido em um acordo entre as máfias. Eu era apenas uma criança inocente nesse meio e nem mesmo sabia direito do que se tratava.
A partir desse dia, eu comecei a questionar tudo sobre máfia, sobre minha família, sobre meu futuro marido. Enchia as três de perguntas e nem sempre gostava das respostas. E muitas vezes elas apenas não me davam nenhuma.
— Eu não quero me casar! – disse para mim mesma — E não vou me casar!
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Enzo
Se tem algo que eu detesto na vida, é calor. E se eu ficar suado, ainda pior. O único momento em que vale a pena estar suado, é quando estou rolando na cama com alguma mulher muito gostosa, para me distrair de minhas obrigações.
Eu poderia estar curtindo agora, não me faltam convites, mas minha mente está cheia. Esse mês foi um pouco conturbado. Tivemos dois carregamentos interceptados pela polícia e tudo por culpa de denúncia anônima.
Já falei com meus irmãos. Temos que descobrir se existe um infiltrado entre nós ou se alguém está falando demais por aí e chamando a atenção. Seja o que for, vai ter que pagar pelo meu prejuízo.
E além disso, tenho outra coisa ainda mais importante no momento, que está me tirando a paz. Meu casamento com Isabella Bianchi.
Ela está com quase vinte e dois e esse foi o prazo que seu pai me pediu para esperar, até desposar sua filha de modo definitivo. E o ridículo disso, é que ela é minha noiva desde que tinha apenas nove anos.
Mas coisas como essa já não são surpresa no mundo em que vivo. As famílias mafiosas ao redor do mundo usam esse velho costume como uma forma de manter seu poder e de fazer bons negócios.
Ainda bem que eu nasci homem. Detestaria ser mulher nesse meio.
Peguei uma foto de Isabella. Ela era uma menina muito bonita, mas tenho que admitir que se tornou uma mulher muito atraente e com curvas que me chama atenção, ainda que por fotos e em vestidos sem graça que ela usa em sua moradia.
A última foto que tenho dela me foi enviada por uma de minhas funcionárias que é professora no colégio e vive no convento, onde me passa todas as informações sobre Isabella.
Foi necessário fazer isso. Tanto o pai dela, quanto minha família, teria um grande prejuízo se algo acontecesse com ela. Nossos inimigos iriam adorar colocar a mão em Isabella e usá-la para nos chantagear e tomar nosso território.
O acordo que meu pai fez antes de morrer, acertando meu casamento com Isabella, garantiu que tivéssemos acesso ao porto de Santos, no Brasil. A família dela dominava uma parte da máfia no estado e ninguém desconfiava que uma família tão antiga, tivesse outros tipos de negócio, além de sua cadeia de restaurantes italianos.
Mas, a verdade é outra. Eduardo saiu da Sicília ainda adolescente, para cuidar dos negócios do avô e do pai, assumindo a cadeira, mas passando a ideia de ser apenas um imigrante bom samaritano, assim como muitos de nós faz.
Em São Paulo ele prosperou ainda mais, seguindo os passos do avô. Se casou e teve uma filha, Isabella. Fizemos um acordo que era muito vantajoso para ambos os lados e desde então, as brigas e ataques entre nós acabaram. Até mesmo trabalhávamos juntos algumas vezes, quando a operação era grande.
Parte 3...Enzo— Você parece estar longe, irmão.Eu me virei, girando a cadeira. Meu irmão mais novo, Alessandro, entra com uma pasta na mão. Somos parecidos fisicamente, mas Alessandro ainda é muito relaxado com relação às nossas obrigações. Ele trabalha para mim diretamente e mexe com a parte financeira dos negócios lícitos que usamos como cobertura para o que fazemos de mais lucrativo.— Você é quem deveria estar longe, Alessandro – guardei a foto de Isabella na gaveta — Não tinha uma inauguração hoje à noite em Roma?— Tinha – ele largou a pasta em cima da mesa — Mas seu irmão decidiu ir no meu lugar e me mandou ficar aqui e te ajudar – abriu os braços.Ele falava de nosso irmão mais velho, Victor. Deveria ser ele a comandar a família agora, mas decidiu ficar com outras responsabilidades e eu entendo. Além disso, eu sempre estive mais envolvido no modo de trabalho do que ele.Passei muito tempo ao lado de nosso pai, aprendendo os truques e macetes desse meio, entendendo como deve
Parte 4...Isabella— Posso entrar?Olhei para trás, Susan tinha colocado a cabeça para dentro de meu quarto. Passava pouco mais de dez horas. Achei estranho que ela estivesse ali.— Claro que pode, professora.Ela entrou e fechou a porta devagar, depois sentou em minha cama, perto de mim. Parecia um pouco ansiosa.— Não consegue dormir? – eu fiz que não com a cabeça — Imagino... Eu também não e por sua culpa.— Por minha culpa? – franzi os olhos — O que eu fiz?Eu não me recordava de ter feito algo de errado. Era bem difícil, aliás, que eu fizesse algo que fosse considerado errado. Tendo crescido aqui entre essas paredes, eu havia criado o comportamento mais calmo, mais brando. Sentei.— Isabella... – ela respirou fundo — Eu sei que todos esses anos em que você está aqui, na verdade eu trabalhei para a família Ricci, vigiando você, lhes passando informações de seus dias aqui dentro.Eu fiz que sim com a cabeça. Houve uma época em que isso me deixou triste, depois revoltada e com raiv
Parte 5...EnzoMe sinto diferente hoje e creio que é por causa do casamento amanhã. A última vez que recebi notícias de Isabella foi há três semanas, através de Melody, que me disse que ela continua como sempre, a mesma boa garota de antes.Eu não tenho preocupação com relação a ela. Vou me casar como foi combinado e a levarei ao altar na basílica mais imponente de toda Sicília. A Catedral de Palermo.A Catedral possui uma mistura de estilos arquitetônicos e dentro dela, verdadeiros túmulos de reis e uma decoração absurdamente rica, com muita história. Será um evento que irá ser falado por muito tempo, em especial pelos outros grupos de mafiosos que vão saber que agora tenho ainda mais apoio, me unindo a família Bianchi, que comanda a máfia brasileira.Não será nenhuma surpresa, pois isso vem sendo falado há tempos e foi um dos motivos também, que Eduardo achou melhor enviar Isabella para a Suíça. Muitos de nossos inimigos e concorrentes iriam querer atrapalhar essa união de forças,
Parte 6...Enzo— Enzo... Venha aqui um instante... Por favor!Eu achei estranho o modo de Manollo falar. Já encerrei minha atividade de hoje e deixei claro que não me incomodem. Quero ir para casa e receber minha noiva. Preciso conversar com ela um pouco, para que se familiarize com a família.Minha mãe espera ansiosa por ela e até Victor já me ligou para saber quando ela chega. É a novidade da família. Acho que até os empregados que estão por dentro da agitação estão curiosos.E de certa forma, vai ser bom para Isabella. Ela vai ter atenção. Depois de tanto tempo dentro dos muros, com as mesmas pessoas, ter novos contatos vai fazer bem a ela e isso pode ser bem para aliviar a pressão do casamento.— O que foi, Manollo? – fechei a porta do escritório — Não me venha com problemas agora, tenho que ir para casa.— É... – ele encheu o peito de ar — Desculpe, mas é isso mesmo. Problema.Já não gostei da cara dele. O que seria agora?— O que foi? Algum problema com a entrega de hoje à tard
Parte 1... Enzo Joguei o copo com raiva contra a parede e ele se fez em pedaços. Manollo deu um pulo, erguendo a mão para proteger o rosto dos cacos que se espalharam. Já era o segundo copo que eu quebrava, mas minha vontade mesmo era quebrar o pescoço da vaca que ajudou Isabella a fugir de sua obrigação. — Eu quero essa Susan, entendeu? – falei alto, muito irritado. — Eu já sabia disso, senhor... Meus homens estão atrás dela. A outra vigia, Melody, também já foi pega. — Ela estava junto nisso? — Não senhor... – ele balançou a cabeça — Meus homens a seguraram e tiveram uma conversa com ela. A conversa na verdade era um interrogatório. Se a verdade era necessária, ela seria retirada de um jeito ou de outro. A própria Melody sabia bem como isso funcionava. — E o pessoal do convento? — Ninguém sabe de nada, Enzo – ele apertou as mãos — Pelo que conseguimos captar, nas últimas semanas a
Parte 2...Enzo— É muito melhor ser temido do que amado.Foi a minha explicação para Alessandro, quando ele questionou porque eu havia atirado em Susan.— O que ela fez foi alta traição – limpei as mãos no lenço que era branco e que agora estava manchado com o sangue de Susan — Com toda certeza que os comentários sobre o casamento adiado já estão rodando por todos os corredores de cada recanto dessa cidade e isso não pode acontecer.— Pelo menos você já sabe onde ela está?— Sim... Ela enviou Isabella para Portugal.— Que porra! – Alessandro se espantou — A filha da pu*a fez o serviço bem feito. Com certeza ela tem mais alguém ajudando. E as outras duas?— Não participaram da fuga, mas tiveram um castigo também.Eu nã
Parte 3...IsabellaEu nunca pensei que o vento, o céu, o barulho em volta... Tudo, até mesmo o calor, fosse melhor quando a gente é livre. Aqui perto tem uma linha de trens. Na primeira noite isso me causou alguns sustos, mas depois meu cérebro registrou que era apenas o trem passando. Agora eu até acho bom. Sei que estou fora dos muros do convento, em outro país, longe de todos.O casal me ajudou muito. Dava para perceber que eles estavam com medo, mas fizeram o combinado. Mônica me arranjou roupas mais de acordo e também venderam algumas joias para que eu pudesse ter dinheiro comigo.Já se passaram dois dias e até agora não recebi notícia de Susan. Não sei o que pode estar acontecendo por lá e nem se meu noivo já sabe que escapei de suas garras. Mônica disse que eu não entre em contato com meus pais de forma alguma, pois eles devem estar sendo vigiados.Eu confesso que pensei em ligar, mas isso passou depois que eu entendi que seria uma burrice de minha parte. Se em todo esse tempo
Parte 4...IsabellaMinha barriga está roncando de novo. Vou ter que sair e comprar algo para comer que não sejam biscoitos e água. Mônica e Tadeu desapareceram, não tive mais notícias deles. Já se passaram quatro dias agora.Ainda não sei o que fazer e nem pra onde ir. Nem sei quanto tempo eu tenho para ficar nessa casa. Depois que aquele homem me disse aquilo em frente ao supermercado, minha ansiedade aumentou e minha cabeça está cheia de pensamentos conflitantes.Eu queria liberdade, mas agora não sei o que fazer. Não tem ninguém para me guiar. O dinheiro que Susan me deu já acabou e estou usando o que consegui com a venda das joias. Mas agora eu vou precisar vender mais e Mônica não está aqui para fazer isso pra mim.Dei um pulo de susto, ao ouvir um barulho alto de coisa quebrando. Vinha ali de perto,