Parte 1...
Isabella
— Meu Deus... Eu não quero me casar – suspirei demorado — Me ajude...
O silêncio do meu quarto, aqui no convento sueco, é quase palpável. Venho me sentindo angustiada há meses, sabendo que estou prestes a me tornar a esposa de um homem que pouco sei, mas que ainda assim, me causa medo.
Ele é o chefe da família Ricci, uma parte da máfia italiana que nasceu na região da Toscana, mas que dominou a região da Sicília, no extremo sul da Itália.
Aos poucos fui coletando algumas informações sobre ele, quando alguma de minhas amigas do convento voltava para casa de férias e eu tinha que ficar aqui, presa, por um acordo entre meus pais e a família Ricci.
Eu nunca tive opinião sobre isso, até porque eu tinha apenas nove anos de idade quando o casamento foi acertado e tudo o que me recordo de meu noivo são seus olhos escuros, me olhando com uma expressão séria.
Sento-me na beira da cama e deixo meu olhar perder-se na paisagem noturna além da janela. As sombras dançam no gramado do convento, e o vento sussurra segredos que parecem saber sobre a mudança iminente em minha vida.
Em breve, celebrarei meus vinte e dois anos. Faltam poucos dias. A idade que, para mim, é mais uma sentença do que uma comemoração. A decisão de meu futuro foi feita muito antes que eu pudesse entender o que era ter um destino próprio. Lembro-me vagamente do dia em que Enzo Ricci entrou em minha casa em São Paulo, quando eu tinha apenas nove anos.
Nunca pensei que uma menina pudesse ser vendida a outra pessoa, apenas para selar um acordo de interesses entre famílias. Eu fui apenas uma mercadoria e agora chegava a hora de cumprir minha parte nesse acordo.
Por causa disso, vivi toda minha vida em uma prisão disfarçada de convento. O colégio interno me deu toda a educação que eu necessitava, mas me tirou toda a liberdade. Nunca voltei para casa, nem mesmo durante as férias, como as outras meninas internas faziam.
Demorei alguns anos para entender que minha família não me amava de verdade. Eu era apenas a moeda de troca que serviu ao propósito deles. Nem mesmo a minha mãe veio me visitar alguma vez, em todos esses anos. Estou presa dentro dessas paredes desde meus nove anos de idade e vou sair agora apenas para me casar com Enzo Ricci, um chefe mafioso que tem uma fama de mulherengo, cruel e ditador. Me recordo do dia.
— Eu vim de longe para resolver isso, senhor Bianchi – eu ouvi a voz séria que vinha de uma sala ao lado de meu quarto de brinquedos — Já que tudo foi acertado previamente, preciso retornar o quanto antes e pretendo levar minha noiva comigo.
Eu brincava com uma das babás, sentada no tapete com várias bonecas espalhadas em volta. Sabia que meus pais estavam ali perto com um grupo de amigos deles, mas não fazia ideia do que seria de verdade.
Enquanto eu brincava inocentemente, eles estavam me vendendo para a família Ricci, como se eu fosse uma peça em um jogo complexo de alianças. Um contrato de casamento foi assinado e Enzo partiu de volta para a Itália, enquanto eu fui enviada para longe de casa, para este colégio interno que faz parte de um convento suíço.
— Mas... Você não poderá levá-la agora – ouvi minha mãe falar — Isabella é muito jovem ainda.
— Não se meta nisso, mulher – a voz de meu pai se fez ouvir mais alta — Eu fiz um acordo e ele será cumprido.
— Mas é que... – ouvi um som que parecia um tapa e depois a voz de minha mãe, mais baixa — Desculpe-me, senhor Ricci... Poderá levar Isabella se quiser.
Eu peguei uma boneca e levantei, indo até onde meus pais estavam. A babá ainda me chamou, mas eu não a obedeci e empurrei a porta, entrando na sala. Lembro que tinha muito mais gente do que pensei e parei ao lado de minha mãe, segurando sua mão.
Foi aí que eu vi o homem sentado do outro lado, me encarando. Eu sorri para ele, mas ele continuou sério. Meu pai me pegou no colo e me levou até o homem que me encarava. Seus olhos escuros eram marcantes e é por isso que eu ainda guardo essa imagem em minha memória.
— Enzo... Esta é minha filha, Isabella.
O homem arregalou os olhos e levantou, ficando em pé em nossa frente. Ele parecia não acreditar. E hoje eu entendo seu espanto. Eu também fiquei muito surpresa quando descobri, alguns anos mais tarde, que eu já estava obrigada a me casar com um homem que eu nem mesmo conhecia.
— Mas o que é isso? Alguma brincadeira? – ele falou alto.
— Lhe asseguro que não – meu pai respondeu, me colocando de volta no chão.
— Ela não é uma mulher – o homem disse parecendo irritado e aquilo me assustou um pouco — É apenas uma menina, não posso me casar com uma fedelha – ouvi sua risada esquisita.
Meu pai mandou que minha mãe me retirasse da sala. Antes de sair, eu olhei para trás e ele ainda me encarava, parecendo estar com raiva de mim, mas eu não tinha feito nada. Não entendia qual era o problema.
Só fui entender, anos depois, quando estava comemorando meu aniversário de quatorze anos, junto com duas professoras e uma das irmãs do convento.
Eu estava triste porque ninguém de minha família tinha ido me visitar ainda e nem mesmo ligavam para saber como eu estava. Me sentia muito só, apesar de todos ali serem muito bons comigo.
— Isabella, você não gostou do bolo? – a irmã Lúcia me perguntou.
— Sim, irmã, está uma delícia – respondi mexendo com o garfo no glacê.
— Então, por que está com essa carinha?
Eu gostava muito de Susan e Melody. As duas eram minhas professoras e responsáveis por mim desde o primeiro dia em que cheguei. Claro, depois eu entendi que as duas eram parte da máfia e respondiam diretamente à família Ricci e passavam informações sobre mim para Enzo.
Parte 2...Isabella— Não é nada demais – eu mexi o ombro — Acho que é só... Cansaço. Ainda sinto o corpo um pouco mole.Dias antes eu tinha tido febre, por causa de uma forte gripe, mas não era por isso que estava triste. Era por estar comemorando meu aniversário de quatorze sem a presença de minha família.— É por isso ou porque seus pais não vieram vê-la?Eu suspirei. Sim, Susan estava certa. Eu sentia muita falta deles, mas não adiantava mais chorar por isso. Eu não era amada por meus pais, já estava ciente dessa triste realidade. Foi quando Melody segurou minha mão.— Isabella, você tem que começar a se preparar, querida.— Para o que? – eu franzi a testa.— Melody... – a irmã Lúcia balançou a cabeça.— Ela tem que saber, Lúcia... Não podemos deixar que continue pensando que em breve sairá daqui.— Eu não vou sair? – me assustei quando ela disse aquilo — Quando eu fizer dezoito anos vou voltar para minha casa, no Brasil.— Não, você não vai, querida – Melody me respondeu com voz
Parte 3...Enzo— Você parece estar longe, irmão.Eu me virei, girando a cadeira. Meu irmão mais novo, Alessandro, entra com uma pasta na mão. Somos parecidos fisicamente, mas Alessandro ainda é muito relaxado com relação às nossas obrigações. Ele trabalha para mim diretamente e mexe com a parte financeira dos negócios lícitos que usamos como cobertura para o que fazemos de mais lucrativo.— Você é quem deveria estar longe, Alessandro – guardei a foto de Isabella na gaveta — Não tinha uma inauguração hoje à noite em Roma?— Tinha – ele largou a pasta em cima da mesa — Mas seu irmão decidiu ir no meu lugar e me mandou ficar aqui e te ajudar – abriu os braços.Ele falava de nosso irmão mais velho, Victor. Deveria ser ele a comandar a família agora, mas decidiu ficar com outras responsabilidades e eu entendo. Além disso, eu sempre estive mais envolvido no modo de trabalho do que ele.Passei muito tempo ao lado de nosso pai, aprendendo os truques e macetes desse meio, entendendo como deve
Parte 4...Isabella— Posso entrar?Olhei para trás, Susan tinha colocado a cabeça para dentro de meu quarto. Passava pouco mais de dez horas. Achei estranho que ela estivesse ali.— Claro que pode, professora.Ela entrou e fechou a porta devagar, depois sentou em minha cama, perto de mim. Parecia um pouco ansiosa.— Não consegue dormir? – eu fiz que não com a cabeça — Imagino... Eu também não e por sua culpa.— Por minha culpa? – franzi os olhos — O que eu fiz?Eu não me recordava de ter feito algo de errado. Era bem difícil, aliás, que eu fizesse algo que fosse considerado errado. Tendo crescido aqui entre essas paredes, eu havia criado o comportamento mais calmo, mais brando. Sentei.— Isabella... – ela respirou fundo — Eu sei que todos esses anos em que você está aqui, na verdade eu trabalhei para a família Ricci, vigiando você, lhes passando informações de seus dias aqui dentro.Eu fiz que sim com a cabeça. Houve uma época em que isso me deixou triste, depois revoltada e com raiv
Parte 5...EnzoMe sinto diferente hoje e creio que é por causa do casamento amanhã. A última vez que recebi notícias de Isabella foi há três semanas, através de Melody, que me disse que ela continua como sempre, a mesma boa garota de antes.Eu não tenho preocupação com relação a ela. Vou me casar como foi combinado e a levarei ao altar na basílica mais imponente de toda Sicília. A Catedral de Palermo.A Catedral possui uma mistura de estilos arquitetônicos e dentro dela, verdadeiros túmulos de reis e uma decoração absurdamente rica, com muita história. Será um evento que irá ser falado por muito tempo, em especial pelos outros grupos de mafiosos que vão saber que agora tenho ainda mais apoio, me unindo a família Bianchi, que comanda a máfia brasileira.Não será nenhuma surpresa, pois isso vem sendo falado há tempos e foi um dos motivos também, que Eduardo achou melhor enviar Isabella para a Suíça. Muitos de nossos inimigos e concorrentes iriam querer atrapalhar essa união de forças,
Parte 6...Enzo— Enzo... Venha aqui um instante... Por favor!Eu achei estranho o modo de Manollo falar. Já encerrei minha atividade de hoje e deixei claro que não me incomodem. Quero ir para casa e receber minha noiva. Preciso conversar com ela um pouco, para que se familiarize com a família.Minha mãe espera ansiosa por ela e até Victor já me ligou para saber quando ela chega. É a novidade da família. Acho que até os empregados que estão por dentro da agitação estão curiosos.E de certa forma, vai ser bom para Isabella. Ela vai ter atenção. Depois de tanto tempo dentro dos muros, com as mesmas pessoas, ter novos contatos vai fazer bem a ela e isso pode ser bem para aliviar a pressão do casamento.— O que foi, Manollo? – fechei a porta do escritório — Não me venha com problemas agora, tenho que ir para casa.— É... – ele encheu o peito de ar — Desculpe, mas é isso mesmo. Problema.Já não gostei da cara dele. O que seria agora?— O que foi? Algum problema com a entrega de hoje à tard
Parte 1... Enzo Joguei o copo com raiva contra a parede e ele se fez em pedaços. Manollo deu um pulo, erguendo a mão para proteger o rosto dos cacos que se espalharam. Já era o segundo copo que eu quebrava, mas minha vontade mesmo era quebrar o pescoço da vaca que ajudou Isabella a fugir de sua obrigação. — Eu quero essa Susan, entendeu? – falei alto, muito irritado. — Eu já sabia disso, senhor... Meus homens estão atrás dela. A outra vigia, Melody, também já foi pega. — Ela estava junto nisso? — Não senhor... – ele balançou a cabeça — Meus homens a seguraram e tiveram uma conversa com ela. A conversa na verdade era um interrogatório. Se a verdade era necessária, ela seria retirada de um jeito ou de outro. A própria Melody sabia bem como isso funcionava. — E o pessoal do convento? — Ninguém sabe de nada, Enzo – ele apertou as mãos — Pelo que conseguimos captar, nas últimas semanas a
Parte 2...Enzo— É muito melhor ser temido do que amado.Foi a minha explicação para Alessandro, quando ele questionou porque eu havia atirado em Susan.— O que ela fez foi alta traição – limpei as mãos no lenço que era branco e que agora estava manchado com o sangue de Susan — Com toda certeza que os comentários sobre o casamento adiado já estão rodando por todos os corredores de cada recanto dessa cidade e isso não pode acontecer.— Pelo menos você já sabe onde ela está?— Sim... Ela enviou Isabella para Portugal.— Que porra! – Alessandro se espantou — A filha da pu*a fez o serviço bem feito. Com certeza ela tem mais alguém ajudando. E as outras duas?— Não participaram da fuga, mas tiveram um castigo também.Eu nã
Parte 3...IsabellaEu nunca pensei que o vento, o céu, o barulho em volta... Tudo, até mesmo o calor, fosse melhor quando a gente é livre. Aqui perto tem uma linha de trens. Na primeira noite isso me causou alguns sustos, mas depois meu cérebro registrou que era apenas o trem passando. Agora eu até acho bom. Sei que estou fora dos muros do convento, em outro país, longe de todos.O casal me ajudou muito. Dava para perceber que eles estavam com medo, mas fizeram o combinado. Mônica me arranjou roupas mais de acordo e também venderam algumas joias para que eu pudesse ter dinheiro comigo.Já se passaram dois dias e até agora não recebi notícia de Susan. Não sei o que pode estar acontecendo por lá e nem se meu noivo já sabe que escapei de suas garras. Mônica disse que eu não entre em contato com meus pais de forma alguma, pois eles devem estar sendo vigiados.Eu confesso que pensei em ligar, mas isso passou depois que eu entendi que seria uma burrice de minha parte. Se em todo esse tempo