BRASIL, RIO GRANDE DO SUL, 04 DE ABRIL DE 2005
JOSEPH FAIRBANKS FOI AO BRASIL passar as férias com sua família no sítio de seu avô, o mundialmente famoso repórter herói da Segunda Guerra Mundial, Christian Fairbanks, o que era uma grande novidade na família, afinal, eles nunca tiveram a oportunidade de estarem todos juntos, porém, todos eles sentiam que era mais um encontro de despedida do que casual.
Joseph nunca conseguiu entender o porquê seu avô veio morar tão longe dos Estados Unidos da América – apesar de aquele sítio ser um verdadeiro paraíso, tinha também ali um lago muito lindo do qual uma vez seu pai disse que escondia muitos mistérios.
Seu pai, Alan Fairbanks, um jornalista razoavelmente famoso que sempre viveu à sombra do pai, disse certa vez quando Joseph ainda era criança, que seu avô o batizou de Lago Anne – em homenagem à sua falecida avó, Anne Benedikt Fairbanks, assassinada pouco tempo depois que seu pai nasceu, mas este nunca entrou em detalhes sobre ela, porém, Joseph só não sabia que a falta de detalhes era porque, assim como ele, não sabia absolutamente nada sobre ela.
Joseph nunca entendeu o que realmente aconteceu com ela – seu avô nunca disse uma única só palavra desde que ele se conhece por gente –, nem mesmo seu pai – o quase famoso jornalista do New York Times.
Alan disse uma vez para seu filho que adoraria ouvir o pai dizer alguma coisa...
Qualquer coisa que fosse...
Alan vivia dizendo que seu pai era o homem mais enigmático da face da terra. Ninguém jamais soube como ele perdeu as duas pernas, o porquê ele parou de falar com as pessoas, já que todos os médicos diziam que ele era perfeitamente normal, não falava porque simplesmente não queria falar e porque abandonou o maravilhoso emprego no New York Times – já que Christian era considerado o maior e melhor jornalista da América – senão do mundo todo – da sua época. Não era nenhum mistério o fato de Alan ter conseguido o emprego por causa do sobrenome famoso, mas isso nunca o incomodou, afinal, seu pai pouco se mostrava preocupado com ele, porque também deveria se importar? O mínimo era poder usar aquele sobrenome para ter alguma vantagem.
ERAM MUITOS “PORQUÊS” para a sua insaciável curiosidade.
A única coisa que ambos sabiam era que Christian passou alguns anos na Alemanha Nazista – antes e durante a Segunda Guerra Mundial –, e depois disso, jamais ninguém ouviu falar dele novamente. Christian sempre os proibiu expressamente de falar do seu paradeiro para absolutamente ninguém, principalmente para o governo.
JOSEPH CHEGOU COM SUA ESPOSA, Marie e sua filha Anelise.
Todos beijaram e abraçaram carinhosamente o velho Fairbanks, ele querendo ou não, o amavam demais, de certa maneira, aquele silêncio trazia uma paz única para todos que estavam ali, Christian sabia acolher e deixar todos muito à vontade, tinha o dom nato de acolher as pessoas.
Logo em seguida chegou também seu pai, Alan, e o abraçou, depois, pegou sua neta e começou a brincar com ela, jogando a sua neta, Anelise, para o alto e segurando-a, se divertindo demais com a pessoa mais especial que ele tinha em sua vida. Anelise adorava brincar de elevador com o avô, da mesma maneira o avô adorava brincar com sua neta.
Alan sempre quis ter uma menina, mas por causa da gravidez de risco de Joseph, Karen – mãe de Joseph – jamais pôde engravidar novamente, o que deixou um peso de frustração no coração de Alan. Ele pensou inúmeras vezes em adotar uma criança, mas em todas elas ele dizia consigo mesmo que não seria a mesma coisa.
Perguntou ao seu pai como ele estava e Alan teve a mesma resposta de sempre – uma confirmação com a cabeça seguida de uma resmungada abafada – aquilo irritava profundamente Alan no seu mais íntimo.
Apesar de tudo isso, Alan já estava acostumado com as esquisitices do pai – afinal, já eram mais de cinquenta anos daquilo...
Um dia – pensou Alan –, seu filho aprenderia a conviver com o seu silêncio...
Mas Joseph, ao contrário do pai, incomodava-se demais com aquela situação, queria desesperadamente saber o porquê seu avô era daquele jeito, mas...
Christian nunca falava nada...
Ele escreveu no papel certa vez para ele:
Na hora certa, todos vão saber a verdade...
Joseph era extremamente impaciente e curioso. Já se passara quase vinte anos desde aquele bilhete maluco e nada de saber a verdade...
Se é que existia alguma verdade... Que verdade é essa que há décadas ele esconde? – Pensava ele irritado consigo mesmo.
Quando todos já estavam em suas camas, apenas Christian e seu neto estavam na sala em frente à lareira vendo o fogo dançar e a madeira crepitar.
Joseph começou a falar:
–– Vovô... – sua voz saiu mais como um desabafo – Sei lá... ando sem inspiração para escrever ultimamente, meus dois primeiros romances foram best-sellers nos Estados Unidos e na Europa, mas já fazem dois anos que não consigo escrever nada...
Absolutamente nada...
Joseph Fairbanks era considerado pela crítica literária o jovem talento da literatura mundial, segundo inúmeros jornais, os críticos diziam que era o novo Dan Brown, com a mesma genialidade de trabalhar história junto com a ficção. Seus dois primeiros romances venderam mais de vinte e cinco milhões de livros em todo o mundo, sendo traduzidos em mais de quinze línguas – um verdadeiro fenômeno para um garoto de apenas trinta e três anos.
Seu avô apenas escrevera em um bilhetinho tentando animá-lo sem sucesso:
O melhor ainda está por vir meu filho, espere e verá...
JOSEPH BEIJOU O AVÔ e foi se deitar junto com a sua esposa Marie.
–– Você demorou, querido... – disse ela meio sonolenta quando o marido entrou no quarto e se deitou ao seu lado.
–– Estava conversando um pouco com meu avô.
–– Bem... eu não diria que vocês conversaram – disse ela com um sarcasmo negro nítido –, aquele velho é maluco... sei lá...
O tom de sarcasmo empregado por sua esposa o magoou um pouco Joseph, ele sempre gostou muito de estar ao lado de seu avô Christian. Joseph sabia que aquela “verdade” que um dia ele prometeu estava perto de ser revelada, então, todos jamais diriam novamente que seu avô era maluco...
Ele é um gênio...
E Joseph sabia disso, e não admitia que falassem o contrário...
CHRISTIAN CONTINUOU EM FRENTE à lareira acesa e deu um murmúrio consigo mesmo, sua voz saiu estranha até mesmo aos seus ouvidos cansados:
–– Com certeza é a hora certa de todos saberem da verdade...
Ele fechou os olhos e sentiu novamente a dor de tudo aquilo que havia passado nas mãos de seu irmão...
NA MANHÃ SEGUINTE, todos se assustaram quando acordaram – ninguém encontrava em lugar algum da casa o velho Christian Fairbanks.
O velho Fairbanks estava tranquilamente à beira do lago Anne admirando a bela paisagem – quase nem piscava – ele emanava uma paz que ninguém jamais tinha sentido algo parecido em todas as suas vidas, aquilo era a mais pura e inocente felicidade.
De repente, Christian deu um sorriso e disse:
–– Está na hora de todos saberem a verdade...
Todos ficaram abismados com a voz grave de tenor do velho, nenhum deles jamais tinha ouvido o velho Christian Fairbanks falar uma palavra sequer, ninguém sabia como reagir àquilo, o velho surpreendeu a todos como sempre, sua voz era mais doce do que todos poderiam imaginar...
O velho realmente sabe surpreender a todos... – pensou Joseph orgulhoso consigo mesmo por participar de um momento tão único.
Seu filho, Alan, se ajoelhou devagar diante de sua cadeira de rodas como se fosse fazer uma sublime oração e perguntou:
–– O senhor está bem, pai?
Com um resmungo típico dos velhos, Christian respondeu:
–– Estou ótimo, mas preciso que Joseph me faça um pequeno favor.
Joseph consentiu imediatamente sem nem sequer saber o que era.
–– Qualquer coisa, vovô.
Christian continuou sem se importar com os resmungos do filho:
–– Preciso que mergulhe no lago, bem abaixo da ponte que corta o lago e encontre uma maleta que está lá no fundo.
Joseph imediatamente tirou sua camisa e sua calça – sob os protestos de todos, afinal, estava muito frio naquele dia –, mas ele queria saber o que tinha lá de qualquer maneira. Joseph jamais deixaria essa oportunidade passar, sua vida quase que dependia disso, ele esperou mais de trinta anos e não hesitaria agora. Joseph queria saber da verdade sobre a vida de seus avôs.
Christian dissera uma última coisa antes de Joseph mergulhar:
–– Sua história está aí embaixo, filho, mergulhe e descubra a melhor história que poderia ouvir e escrever.
Joseph imediatamente mergulhou e trouxe uma maleta em suas mãos, ela estava isolada para que não molhasse o que tivesse dentro...
O quer que tivesse ali, deveria ser muito valioso...
Christian deu apenas um singelo sorriso, agradeceu ao neto pelo pequeno favor, colocou a maleta molhada em seu colo e, colocou a sequência dos números dos dois cadeados para abrir a maleta.
Quando a maleta se abriu, todos viram alguns velhos diários, muitas matérias de jornais e arquivos em uma língua que nenhum deles jamais tinham visto em toda a sua vida, uma corrente de ouro, além de algumas fotos de casamento em preto e branco.
Todos repararam imediatamente que uma lágrima caiu dos olhos do velho Christian Fairbanks.
Ele estendeu a foto para o filho e disse:
–– Essa era a sua mãe, Alan...
Os olhos de Alan derramaram uma imensidão de lágrimas ao ver a foto de sua belíssima mãe.
Christian perguntou novamente:
–– Todos querem realmente saber da verdade, de tudo o que está ao redor de você e que uniu a todos aqui?
Os olhos de todos brilharam curiosos naquele instante, principalmente os de Joseph e Alan, que se deixou levar pela magia que aquele momento transpirava.
Sorrindo com lágrimas nos olhos Christian disse:
–– Sei muito bem que todos esperaram muito tempo por isso, principalmente você meu filho – deu um leve sorriso em direção a Alan –, te peço perdão, mas eu tinha feito uma promessa para Deus que se você sobrevivesse, ficaria cinquenta anos, ou mais, sem falar absolutamente nada... com ninguém, creio que se soubesse da verdade acabaria atrapalhando sua infância, por isso refugiei-me aqui, nesse fim de mundo, e o deixei para ser criado pela sua avó, creio que ela fez um excelente trabalho...
Alan ficou olhando para a foto de sua mãe, afinal, aquela era a primeira vez que viu a imagem dela. Alan sempre sonhou com sua face, mas jamais conseguira imaginar realmente como seria seu belo rosto, ele percebeu que as inúmeras descrições de sua avó correspondiam com a verdade, sua mãe era – sem sombra de dúvidas – uma das mulheres mais belas que já existiram, ele tinha certeza que até Helena de Tróia sentiria inveja dela.
–– Espero que vocês não fiquem assustados com tudo o que vou contar, mas é a mais pura verdade e – o velho Christian Fairbanks olhou para Joseph –, é por isso que quero que escreva essa história, Joseph, a verdade já ficou oculta por muitos anos, agora é a hora perfeita de todos saberem o que realmente aconteceu em minha vida e como vim parar aqui, fugindo de tudo e todos...
“Em primeiro lugar, meu nome não é Christian Fairbanks...” – ele deu um sorriso esperando a reação de todos, por incrível que pareça, todos estavam esperando a mais fantástica história, e aquilo não era nem a primeira vírgula da história...
“Espero que vocês não se assustem com o restante de toda a revelação...”
–– FICOU EXCELENTE, MEU RAPAZ... – Disse David Sherman, editor-chefe do New York Times, eufórico de alegria para o jovem Christian Fairbanks, elogiando-o em sua primeira matéria, que era quase tão brilhante quanto muitas de suas principais matérias feitas até aquele dia.–– Muito obrigado, Sr. Sherman – disse Christian humildemente, tentando esconder o sorriso de emoção –, minha mãe era historiadora de uma universidade na Alemanha antes da Grande Guerra acontecer, se refugiou aqui nos Estados Unidos. Ela me ajudou bastante em toda a pesquisa. Em minha entrevista, o senhor disse que se lhe trouxesse uma matéria completa e bem-escrita sobre o Primeiro e Segundo Reich o senhor me contrataria...Christian estava muito contente com o elogio do editor-chefe do maior jornal da América – senão do mundo –, esperando ansios
JOHN BERNARD SMITH NASCEU em um bairro de classe alta em Nova York, Manhattan, e foi criado para ser um grande executivo para suceder seu pai nos negócios da família que se estendiam há três gerações. Seus pais lhe deram a melhor criação que alguém poderia ter ou sonhar, mas John aos quinze anos de idade teve uma que experiência de vida única que mudou tudo do dia para a noite.John ficou muito doente, e mesmo seus pais sendo uma das famílias mais ricas de Manhattan – para não dizer, dos Estados Unidos da América –, não puderam mudar absolutamente em nada aquele quadro clínico terrível do qual seu único e amado filho tinha que enfrentar daquele momento em diante. John era filho único por ter sobrevivido a um duro processo de gravidez de risco, onde todos os médicos, sem exceção, predisseram a morte dele e de sua m&
CHRISTIAN LEMBROU-SE também que decidiu ser jornalista porque aprendeu o inglês através das páginas daquele mesmo jornal, quando chegou como refugiado da arrasada Alemanha em 1916, ele sabia que havia tido uma vida difícil, mas algo dentro dele dizia que daquele momento em diante tudo seria completamente diferente.Seus pais eram professores na Alemanha antes da Guerra. Seu pai era professor de Gramática e sua mãe professora de História na Universidade de Berlin, mas isso agora, eram apenas lembranças de um passado muito distante, fragmentos de um passado do qual Christian não queria se lembrar mais, afinal, as lembranças tinham o dom de trazer dois tipos de sentimentos, bons e ruins, nesse caso, o passado na Alemanha só trazia dor – muita dor em Christian.Nos Estados Unidos da América, seu pai teve que se rebaixar a trabalhar de carregador de navios e sua
QUANDO SAIU DO HOSPITAL, John ficou sem saber do seu pai por longos vinte anos – até ser noticiada a sua morte em todos os jornais, vítima de um desastre aéreo, morrendo tão rico de bens, quanto pobre de espírito.JOHN VIA SUA MÃE TODA SEMANA às escondidas, ela sempre lhe trazia uma pequena mesada para que pudesse sobreviver bem, afinal, coração de mãe sempre é diferente de coração de pai.–– Minha querida – disse sua mãe à enfermeira certo dia – não sei como agradecer tudo o que fez pelo meu filho, sei que meu marido foi duro com a senhora, peço perdão em nome dele, afinal de saber que é tentar justificar o injustificável, mas saiba que seu carinho e amor para com meu filho não serão esquecidos por mim.As duas mães de John se abraçaram em lágrim
CHRISTIAN CHEGOU EM SUA CASA com uma alegria indescritível transbordando em seu coração, mas teve uma grande e inesperada surpresa desagradável que mudaria a sua vida para sempre. Havia duas viaturas da Polícia estacionadas em frente à sua casa e inúmeros vizinhos – para não dizer, uma pequena multidão – o esperando.Não é possível que minha mãe tenha comentado com todos os vizinhos que eu estaria fazendo uma entrevista no New York Times e todos eles vieram para comemorar...Aquele tumulto era completamente inesperado, afinal, tanto ele, quanto seus pais eram bons vizinhos para todos, não tinha motivo algum aparente para tanto alarde.O que será que está acontecendo?A inquietude tomou conta por completo do coração de Christian, ele foi abordado por um policial grandalhão:&ndash
CHRISTIAN REPETIU as palavras que pensou em voz baixa sem perceber, e, quando caiu em si novamente estava desesperadamente em prantos.O policial estendeu a mão até seu ombro esquerdo tentando inutilmente consolá-lo, ambos perceberam que foi um ato mais constrangedor do que consolador.–– Sinto muito, meu jovem – disse mais uma vez o policial respeitosamente, entendendo que aquele era um momento de muita dor.Logo em seguida, Christian assentiu e o policial saiu silenciosamente sentindo que o mundo havia sido derrubado sob os ombros daquele jovem.Lá fora, o policial pediu:–– Por favor, senhores, vamos deixá-lo em paz por algumas horas, depois podem dar os pêsames, mas nesse momento, ele precisava ficar sozinho.***HORAS DEPOIS, NÃO TINHA mais ninguém na frente da casa, apenas um carro Ford preto, com duas pessoas dentro.
AS EXPLOSÕES ESTAVAM EM TODOS os lugares, ele não sabia que dentro de poucos dias a Grande Guerra terminaria, mas ele estava no auge do inferno na terra, seu país estava perdendo feio, grande parte de seus amigos já tinham morrido em bombardeios, outros fuzilados na sua frente enquanto estavam escondidos dos exércitos ingleses.Seu pai em um ato de desespero puxou sua família, e ele que, estava doente acabou levando um tiro e seus pais e irmão tinham ido embora para sempre, não poderiam voltar para buscá-lo, senão, poderiam todos morrer, eles tomaram uma decisão e talvez se estivesse na pele deles faria a mesma coisa, só que era ele que havia sido abandonado e aquilo seria um preço que um dia ele certamente iria cobrar.Mas era ele quem estava ali para ser morto pelo inimigo sem ter condições de se defender...Foi então que um milagre acontece
CHRISTIAN DECIDIU VOLTAR andando sozinho para casa, recusou inúmeros convites de carona das poucas pessoas presentes no enterro. Christian queria ficar absolutamente só, talvez para poder se acostumar com a solidão que teria que enfrentar dali em diante.Por mais que as pessoas o cumprimentassem e lhe dessem seus pêsames, nada abrandava aquele sentimento de solidão que ficava no ar. Um garoto estrangeiro que já tinha perdido tudo na Grande Guerra, e agora, estava tudo acabado em seu coração... as migalhas que sobraram jamais poderiam alimentar uma multidão faminta. Teria que começar sua vida do zero novamente, só que dessa vez sem ter ninguém ao seu lado.Seu amigo, Pastor B. Smith, disse:–– Pode contar sempre comigo, irmão.Christian apenas colocou a mão direita em seu ombro esquerdo e seu curto e forçado sorriso já lhe disse tudo..