3

CHRISTIAN LEMBROU-SE também que decidiu ser jornalista porque aprendeu o inglês através das páginas daquele mesmo jornal, quando chegou como refugiado da arrasada Alemanha em 1916, ele sabia que havia tido uma vida difícil, mas algo dentro dele dizia que daquele momento em diante tudo seria completamente diferente.

Seus pais eram professores na Alemanha antes da Guerra. Seu pai era professor de Gramática e sua mãe professora de História na Universidade de Berlin, mas isso agora, eram apenas lembranças de um passado muito distante, fragmentos de um passado do qual Christian não queria se lembrar mais, afinal, as lembranças tinham o dom de trazer dois tipos de sentimentos, bons e ruins, nesse caso, o passado na Alemanha só trazia dor – muita dor em Christian.

Nos Estados Unidos da América, seu pai teve que se rebaixar a trabalhar de carregador de navios e sua mãe de empregada doméstica, ambos trabalharam arduamente para conseguirem pagar os estudos do único filho.

    O filho que lhes sobrara...

Infelizmente, Christian também se lembrou da perda de seu irmão gêmeo – Hermann Strausbank –, ninguém sabe como ele sumiu – ou se realmente morreu, mas é certo de uma coisa...

         A dor que todos eles sentiram por ter deixado o agitado – porém brilhante – Hermann para trás era tão grande como se ele tivesse morrido.

Seus pais jamais se perdoaram por terem-no deixado para trás, na verdade, Christian não é o seu nome de batismo. Seu nome era Hans Strausbank, mas somente seu pai ainda o chamava assim. Sua mãe preferiu mudar o nome do filho para que ele se ambientasse melhor em sua nova pátria, e o nome “Christian” trazia certo conforto ao coração devoto de sua mãe ao catolicismo.

Seu pai jamais concordou com isso, ele odiava no mais profundo de seu ser nomes americanos, cultura americana, o patriotismo americano e tudo o que aquele maldito país “americano” pregava – era assim que ele tratava carinhosamente sua nova pátria que o acolhera tão calorosamente... suas palavras saíam tão doces quanto uma cuspida de desprezo em um cachorro imundo e fedido.

OS PENSAMENTOS DE CHRISTIAN voavam em todas as direções enquanto voltava para casa. Seu coração estava muito ansioso para contar a novidade para os seus pais. Com certeza seu pai diria que ele estaria traindo a sua verdadeira “pátria”, usando o seu dom para transmitir informações aos inimigos, mas sua mãe falaria alegremente – como sempre – que seu pai não estava bem da cabeça e abraçaria o filho tão amado dando a ele todo o apoio de que precisava, mas, Christian agora já era um homem formado e precisava viver a sua vida longe da proteção deles.

O QUE ESTARIA FAZENDO Hermann nesse momento? – Pensou Christian consigo mesmo caso seu irmão ainda estivesse vivo.

Será que ele se casou? Será que gostaria de jornalismo também?

As perguntas eram muitas, mas eram as respostas que o preocupava – ele não tinha nenhuma –, era um completo vazio, um enigma indecifrável insistindo em martelar na sua cabeça.

Christian sabia que era impossível obtê-las nos Estados Unidos, ele entendeu – como sempre – que estava de mãos atadas em relação a isso, da mesma maneira que sempre esteve, mas apesar de tudo isso, o futuro estava sorrindo para ele, mesmo com sua dor e suas dúvidas.

Christian lembrou-se que gostava muito de seu irmão, Hermann, apesar das constantes brigas – algo completamente normal entre irmãos – ele gostaria muito que seu irmão estivesse ali naquele momento para desfrutarem de mais essa conquista, ou de comemorarem a conquista de Hermann, afinal, ambos poderiam estar bem na América, já que era considerada a “terra das grandes oportunidades”.

E a sua primeira grande oportunidade tinha acabado de abrir a porta para seu grandioso futuro...

CHRISTIAN ESTAVA SENTINDO o orgulho de ser um jornalista reconhecido. Eram diversos os elogios que recebia andando pelo meio de seus novos companheiros. Todos queriam aprender alemão depois de lerem a sua matéria, mesclando o inglês com o alemão.

Ele sabia que falava alemão bem melhor que inglês, mas depois de treze anos nos Estados Unidos e a sua facilidade de adaptação em diversos ambientes, Christian conseguiu mesclar as duas culturas para fazê-lo um repórter incomparavelmente mais completo.

Seus pais jamais o deixaram trabalhar, sua vida era os estudos e o jornal que fazia com seus poucos amigos – amigos dos quais foram se afastando à medida que viam que o jornal, afastava as garotas mais belas do colégio do que as aproximava, até o dia que Christian se viu completamente só. Sua mãe disse:

–– Enquanto você tirar notas altas em todas as matérias, jamais o deixarei atrasar a sua brilhante carreira de jornalista.

Ela comprava todos os dias o melhor jornal para que fosse o melhor jornalista – para já se ambientar com o clima de seu futuro promissor. Comprava livros que falavam sobre a carreira jornalística e tudo o mais.

DESDE A SUA ADOLESCÊNCIA, Christian tinha uma câmera e retratava tudo o que acontecia na escola e no bairro e, até fundou o seu próprio jornal no colégio “The True” – A Verdade.

        O jornal veiculava dentro do colégio, era semanal e contava tudo sobre esportes, as matérias que os alunos tinham que estudar para as provas, as datas de todas as provas, as datas das apresentações de seminários, shows, peças de teatro que teriam na escola e resumos – feito pelos próprios professores.

O jornal era um absoluto sucesso – dentro de seus limites escolares – e serviu de referência para outros colégios usarem como incentivo para que seus alunos descobrissem suas vocações. Mas assim que Christian se formou, não demorou muito e o jornal tão logo deixou de existir.

  

GRAÇAS AO JORNAL, CHRISTIAN TEVE as melhores lembranças de sua adolescência – além de arrecadar dinheiro suficiente para pagar um pouco mais de um terço de sua faculdade. Teve o seu primeiro beijo com uma líder de torcida (algo que estava engatinhando ainda como modalidade esportiva para mulheres) chamada Mariane – uma garota loira espetacularmente linda –, mas com um Q.I. mais baixo que o dele, o que lhes rendeu apenas duas semanas de namoro – já que não tinham muitos assuntos, e ficar se agarrando aos beijos e amassos por aí, também não era do feitio dele.

Christian sempre falava de política e atualidades, e ela apenas sobre os novos passos que estavam ensaiando, roupas da moda, ou das roupas que as atrizes famosas estavam usando.

Foi quando Christian pensou:

Será que quero realmente isso para toda a minha vida? Alguém que jamais falará a minha língua...

Para Christian já era difícil ser um estrangeiro – ele mal falava o inglês perfeitamente:

E ainda ter uma namorada que não pensa como eu? Que fala seu idioma natal muito pior que falo...

Quer dizer, ela nem sequer pensava – se Christian analisasse a situação cuidadosamente como um cirurgião faz em uma mesa de operação –, mas mesmo assim, foi muito bom para ele ter alguns poucos momentos prazerosos com uma bela garota...

Ruim é que não poderia ser...

Mariane foi a primeira e única namorada que Christian teve até aquele momento, o que gerou inúmeros comentários dele ser virgem com vinte e dois anos de idade – o que era um milagre naquela sociedade proativamente promíscua, do qual até seu pai às vezes participava de algumas festinhas.

Os convites para os bordéis eram inúmeros da parte de seus colegas na Universidade, mas Christian estava mais concentrado que nunca no seu objetivo, afinal, ele queria – não só para ele – mas também para os seus pais um futuro melhor. Já estava na hora de retribuir o que fizeram a vida toda por ele.

O que ajudou muito em sua decisão de não ser como os demais rapazes de sua turma foi a sua conversão ao protestantismo, isso gerou inúmeras brigas com seus pais – que eram católicos praticantes fervorosos desde que eram crianças. Christian nunca gostou da forma que eram conduzidas as missas, era uma maneira fria de se chegar a Deus, os padres liam um papel em latim, consagravam a hóstia e nada mais acontecia. Christian queria algo mais para preencher seu vazio, já que não queria sair com prostitutas, não gostava de missas, em algo ele deveria se encaixar para se adaptar.

QUANDO CHRISTIAN DECIDIU FAZER uma matéria para a sua coluna no jornal da Universidade sobre o crescimento das reuniões que um pastor de uma igreja Batista fazia, ele percebeu que tinha muitas coisas em comum com aquele grupo restrito. Jamais fora um jovem promíscuo como os seus colegas de classe, que iam todos os finais de semana em bordéis e prostíbulos de quinta categoria para se divertirem com mulheres, nem era chegado à bebedeira e jogatina.

Christian se sentia muito mal com tudo aquilo. Ele até foi uma vez – de tanta insistência dos amigos –, mas quase vomitou quando uma velha prostituta tentou se sentar ao seu lado, era a mulher mais feia e pelancuda que ele já tinha visto em toda a sua vida. Christian jamais quis perder sua virgindade com uma mulher daquelas. Para Christian, a sua primeira vez tinha que ser especial, com alguém muito especial, que trouxesse boas lembranças quando contasse aos seus filhos e netos sobre a sua primeira vez ao lado de uma mulher de verdade.

Mesmo com as constantes brigas familiares por causa de sua nova religião, Christian mostrava o seu boletim com nota máxima em todas as matérias e seus pais logo se esqueciam do porquê de toda aquela discussão sem sentido.

Era o que o seu amigo, o pastor John B. Smith sempre falava:

Enquanto você for um bom homem, íntegro e honesto, ninguém vai se preocupar com o que você acredita ou em quem deixa de acreditar, o ser humano pensa apenas no resultado final, para o seu editor-chefe, bastava apenas que ele fosse um bom jornalista – senão o melhor –, para os seus pais, você tinha que ser sempre o melhor filho do mundo... os amando, respeitando e dando orgulho...

Christian descobriu que isso era a mais pura verdade...

Muitas vezes os resultados sempre falam mais do que a verdade...

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo