CLAIREOs dias haviam se transformado em semanas desde que Lucas voltara para casa. Embora sua memória não tivesse retornado, havia pequenas fagulhas em seu comportamento que me faziam acreditar que, em algum lugar profundo, ele ainda era o homem que conheci. Porém, conviver com um Lucas que não se lembrava de nós era como caminhar em um campo minado de sentimentos conflitantes.Naquela manhã, enquanto preparava o café, ouvi os passos de Gabriel correndo pela casa. Ele parecia tão adaptado à nova dinâmica, como se aceitasse que seu pai fosse uma versão diferente de si mesmo. Eu invejava sua simplicidade.— Mamãe! — Gabriel entrou na cozinha como um furacão, seu rosto iluminado por um sorriso radiante. — Papai disse que vai jogar futebol comigo hoje à tarde!— Ele disse isso? — perguntei, surpresa.— Sim! Ele prometeu! — Gabriel afirmou antes de pegar um pedaço de pão e sair correndo novamente.Encostei-me ao balcão, permitindo que uma pequena onda de esperança me atingisse. Talvez o t
CLAIREA manhã começou como qualquer outra, mas havia algo diferente no ar. Talvez fosse o olhar de Lucas, mais determinado do que de costume, ou a maneira como ele parecia observar cada detalhe ao seu redor. Ele havia acordado antes de mim, algo raro, e eu o encontrei na cozinha, já vestido, preparando café.— Bom dia — ele disse, com um sorriso que parecia hesitante, mas genuíno.— Bom dia. — Peguei uma xícara e sentei à mesa, observando-o enquanto ele terminava de servir o café. — Acordou cedo hoje.— Precisava de um tempo para pensar — ele respondeu, colocando a xícara à minha frente e se sentando ao meu lado. — Quero fazer algo diferente hoje.— Diferente como?Lucas se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Havia algo em seus olhos que eu não conseguia decifrar.— Pensei em passarmos o dia fora, nós três. Talvez sair para algum lugar onde possamos apenas… ser.A ideia me pegou de surpresa. Desde o acidente, Lucas evitava sair de casa, talvez temendo o desconhecido
CLAIREOs dias seguintes ao passeio no parque foram marcados por uma leveza que eu não sentia havia muito tempo. Não era como se todos os problemas tivessem desaparecido de repente, mas Lucas estava mais presente. Ele se esforçava, não apenas comigo, mas com Gabriel também.Por mais que a memória dele continuasse em branco, havia algo novo em sua forma de nos olhar, como se ele estivesse começando a enxergar a família que éramos. No entanto, a incerteza ainda pairava sobre nós.Naquela manhã, estávamos na cozinha. Gabriel, como sempre, estava empolgado, narrando uma história que ele inventava enquanto brincava com os cereais no prato. Lucas, ao meu lado, ouvia atentamente, rindo das partes mais exageradas.— …e então o dragão soltou fogo, mas o cavaleiro conseguiu escapar porque ele era o mais rápido de todos! — Gabriel concluiu, com os braços abertos como se estivesse mostrando o tamanho do dragão.— Parece que esse cavaleiro é bem esperto — Lucas comentou, sorrindo.Gabriel assentiu
CLAIREO relógio marcava nove da manhã quando Lucas desceu para a cozinha. Estava de jeans e camiseta preta, um visual simples que fazia parecer que nada havia mudado. Mas os olhos denunciavam o oposto: aquele olhar distante, preso entre dúvidas e fragmentos de uma vida que ele não conseguia alcançar.Gabriel já estava à mesa, colorindo com concentração. Seus lápis de cor estavam espalhados por todo lado, e o desenho em progresso parecia ser de um super-herói.— Bom dia, Lucas — eu disse, oferecendo um sorriso.Ele respondeu com um aceno discreto, puxando uma cadeira. Gabriel levantou o olhar, empolgado ao vê-lo.— Papai! — exclamou, segurando o desenho. — Olha só o que fiz!Lucas pegou o papel, observando cada detalhe com atenção. Era uma figura colorida, claramente inspirada em algum personagem que Gabriel admirava, mas havia um detalhe marcante: o herói tinha a barba e o cabelo curtos, como Lucas.— Ficou incrível, campeão. É você quem vai salvar o dia?Gabriel riu, satisfeito com
LUCASAs manhãs na casa pareciam mais tranquilas do que a confusão que se passava na minha mente. Gabriel já estava sentado à mesa, empilhando panquecas em um prato, rindo e brincando enquanto Claire cortava frutas na bancada. Era um momento comum, mas algo na simplicidade daquela cena me desarmava.Eu me sentia um intruso em uma vida que deveria ser minha. Havia um buraco onde as memórias deveriam estar, um vazio que, às vezes, parecia insuportável. E, no entanto, havia uma estranha paz em estar ali com eles, como se meu coração reconhecesse algo que minha mente não podia alcançar.— Papai, você quer jogar comigo depois do café? — Gabriel perguntou, os olhos brilhando de expectativa.A palavra “papai” ainda soava estranha, como um traje novo que ainda não se ajustava. Mas ele a dizia com tanta naturalidade, com tanto amor, que era impossível não corresponder.— Claro, campeão. Que jogo você quer jogar? — perguntei, mesmo sentindo a hesitação na minha voz.— Futebol! Eu vou ser o gole
LUCASO céu em tons de cinza anunciava a chegada de uma chuva leve, e a brisa úmida balançava as árvores ao redor da propriedade. Gabriel corria pelo quintal com um entusiasmo que parecia inabalável, mesmo sob as ameaças de um temporal. Claire, sentada na varanda com uma xícara de chá em mãos, me observava enquanto eu me esforçava para acompanhar o pequeno furacão de energia que era nosso filho.Havia algo reconfortante na simplicidade desses momentos. Mesmo com o peso da minha amnésia, eu sentia uma conexão inexplicável com aquela cena. Era como se, mesmo sem lembrar, meu coração reconhecesse cada detalhe.— Papai, vamos fazer uma cabana! — Gabriel exclamou, correndo para me puxar pela mão.— Uma cabana? — perguntei, franzindo o cenho enquanto o deixava me arrastar em direção a uma pilha de cobertores e almofadas que ele já havia preparado.— Sim! A gente fazia isso antes! Era a melhor cabana do mundo!O entusiasmo dele me contagiava. Embora minha mente não guardasse qualquer memória
CLAIREA manhã surgiu com raios de sol tímidos, iluminando o quarto com uma luz dourada. Eu estava acordada há algum tempo, observando Lucas dormir. Ele parecia tão tranquilo, mas eu sabia que sua mente travava uma batalha invisível. Desde o acidente, nossa vida tinha se transformado em um mar de incertezas. Ele estava aqui, fisicamente presente, mas ainda assim perdido em um mundo sem memórias.Eu me levantei com cuidado para não acordá-lo e fui preparar o café da manhã. Gabriel já estava na cozinha, desenhando algo em uma folha de papel. Seus olhos se iluminaram quando me viu.— Mamãe, olha! É o papai, você e eu. Estamos na praia!Sorri ao pegar o desenho. Era simples, feito com lápis de cor, mas carregava tanto amor e esperança que me fez engolir o nó que se formava em minha garganta.— Está lindo, meu amor. Tenho certeza de que seu pai vai adorar.Enquanto Gabriel continuava a desenhar, eu comecei a preparar ovos e torradas. Não demorou muito para que Lucas aparecesse, ainda um po
CLAIREAcordei ao som do riso de Gabriel no quintal. O brilho do sol filtrava-se pelas cortinas, criando um ambiente cálido e tranquilo, mas minha mente estava longe de sentir essa paz. Lucas tinha saído mais cedo, dizendo que precisava de um tempo para pensar. Sua ausência se tornou uma rotina desde o acidente. Embora ele sempre voltasse para casa, cada saída carregava uma dúvida: seria dessa vez que ele decidiria nos deixar?Levantei-me lentamente, tentando espantar os pensamentos negativos. Gabriel corria no quintal, chutando uma bola e fingindo ser um jogador de futebol famoso. Sua energia era contagiante, mas hoje, mesmo seu entusiasmo não conseguiu aliviar meu coração pesado.Lucas estava tentando. Isso era inegável. Mas eu sabia que havia uma barreira invisível entre nós, uma que nenhuma força ou lembrança parecia capaz de romper.Enquanto preparava o café, ouvi o som da porta da frente se abrindo. Meu coração deu um salto, e antes que pudesse me controlar, fui até o hall. Lá e