Me olho no espelho. A minha boca está pintada de um batom vermelho que nunca ousei usar. Meus seios estão presos por um sutiã de aros tão pequenos, que me deixa constrangida. Eu uso uma calcinha fio-dental cheia de micro pedras de brilho. Meus pés estão envoltos em saltos agulha. O rosto? Enfiado debaixo de um capuz parecido com aqueles que os bandidos usam nos assaltos a banco. Mesma coisa.
Meu Deus, uma puta!
Eu não consigo entender o porquê a minha vida chegou a esse ponto em que me encontro agora. Tudo caminhava tão bem. O início da minha faculdade... O trabalho que meu pai me conseguiu na J’Passión... Meu pai havia se casado com Diana... Estávamos morando no Bronx, NY. Até que veio o acidente!
O Sr. Augusto Vilas, meu amado pai, trabalhava há 20 anos como motorista do Hernandez Johnson, meu chefe. Eles eram muito amigos, havia um forte elo de confiança entre os dois.
Sr. Johnson era um homem simples e, para mim, não existia patrão melhor no mundo. Havia pagado a minha faculdade e ainda me dado uma vaga de emprego na empresa dele.
Ah! Quanta ilusão!
Não que ele tenha sido alguém ruim, até porque a parte do emprego era real. É só que o meu pai havia mentido para mim e Diana, a sua segunda esposa, todo o tempo.
Sr. Hernandez nunca pagou pelo meu curso na universidade. Na verdade, meu pai tomou um empréstimo com um agiota — Bem barra-pesada — para pagar pelo meu curso. Sim!
Meu pai e o senhor Johnson sofreram um acidente de carro, ficando ambos em situação grave. Permaneceram em estado vegetativo por todo esse tempo, cerca de dois anos, até que há quatro meses o senhor Hernandez descansou e, ironicamente, no mês seguinte meu pai também se foi.
Ao longo desses dois anos, dívidas foram se acumulando com o hospital. Algumas coisas o plano de saúde não cobria e eu precisava pagar essas despesas extras com o meu salário de secretária. Mesmo já tendo pagado uma boa parte, ainda tinha um residual considerável a pagar. Eu achava que essa dívida restante — que somavam pouco mais de trinta mil dólares — fosse desesperadora, mas eu estava muito enganada!
Assim que o caixão do meu pai entrou na gaveta, três meses atrás, eu fui interceptada por um homem sombrio, ainda no cemitério. Ele carregava nas mãos uma pasta, e nela, uns documentos que atestavam que Augusto Annésio Vilas devia para ele 260 mil dólares, mais os juros. Quase me joguei na cova porque, sinceramente, eu estava morta!
Não tínhamos nenhuma mísera reserva de dinheiro. O pecúlio do seguro de vida de papai já tinha subido na poeira devido as cirurgias. E, como eu já disse, não cobriu todas as despesas, pois ainda ficou aquele residual que eu parcelei em centenas de vezes para conseguir quitar.
De onde eu tiraria todo esse valor?
Além disso, o miserável deixou claro que caso eu não conseguisse pagar a dívida, seria obrigada a casar-me com ele. Ou pagava, ou se casava, ou morria.
A pressão da notícia foi tão grande que Diana passou mal logo após o tal do Brenner, o agiota, sair da nossa frente. Eu mal tinha assimilado o que me foi dito, quando a levei ao hospital. Assim que ela saiu da sala de exames, o médico trouxe consigo mais uma pancada: Minha madrasta, que era como uma mãe para mim, estava com esclerose múltipla. Um lado de seu corpo estava paralisado e ela ia precisar de fisioterapia e medicação contínua.
Eu também fiquei paralisada. Nem lágrima mais descia.
Desesperada era elogio. Quem sabe a palavra pânico chegue próximo do que senti. E ainda sinto. Brenner quer dinheiro todos os meses, e o valor não é pequeno. Cada mês que deixo de pagar a dívida toda, soma mais juros. É uma bola de neve! E a doença de Diana precisava ser tratada, não tinha cura.
Foi no mais completo terror e angústia que apelei para a Vanessa. Amigas de toda uma vida, feita no antigo bairro que morávamos, recorri a ela. Vanessa seguiu um rumo até então diferente do meu, embora nunca estivéssemos afastadas uma da outra. Ela escolheu ser acompanhante de luxo, teve seus motivos para isso e não julgo.
Van já havia me inteirado, há tempos, sobre como funcionava o esquema e o dinheiro que rolava. Era muito dinheiro MESMO. Também era uma opção melhor do que vender drogas ou me casar com o tal homem tenebroso. Então, liguei para ela e pedi que me colocasse nisso, porque não havia outra maneira de conseguir dinheiro rápido para pagar aquele agiota.
Eu precisava também bancar as despesas de aluguel da nossa casa. Morar no Bronx era mais caro que em Staten Island, porém era mais próximo do meu trabalho e da faculdade.
E tinha o juros! Pai amado, o juros! E a fisioterapia da Diana, e os remédios. O hospital, a comida, as contas básicas, as despesas da graduação... Céus! A pensão dela e meu salário não dariam para tudo isso.
Era o jeito encarar aquela proposta nada decente, porque o prazo para o próximo pagamento do Brenner já estava encerrando. Há duras custas consegui quatro meses com ele para começar a pagá-lo. Três meses já haviam passado e eu não tinha mais escapatória. Mesmo vendendo coisas materiais de valor, não havia conseguido nem 5 mil dólares. A quem eu queria enganar? Não havia escolhas.
Assinei a papelada semana passada, passei pelas instruções necessárias, fiz exames médicos, aulas e aqui estou eu.
Nervosa! É como me sinto. Meu primeiro dia na boate! Estou me sentindo suja, mesmo que com esse capuz na cara ninguém me reconheça. Eu não me reconheço!
Respiro fundo! Sopro! É agora!
Tudo que eu tinha que fazer ao passar por esta porta, era dançar. Mais nada. Caso alguém quisesse alguma coisa a mais — como me tocar, por exemplo — deveria negociar com o dono. A decisão era sempre minha, e os valores eram altos. Como Pfeiffer (o dono) disse, eu era valiosa!Aqui eu sou a Annie. Há em mim uma placa dizendo isso. Usei esse nome, porque é uma abreviação de Annésio, sobrenome de meu pai.— Olá, Annie! — Alguém disse para mim enquanto eu seguia para a pista de dança próxima do bar. Não olhei para a pessoa. Entrei no meu círculo (Um espaço circular mais elevado, reservado para as ‘funcionárias’ da boate, marcados com uma numeração.) Comecei a dançar.Homens e mulheres se aglomeravam ao redor. Uma espécie de letreiro ficava bem abaixo do elevado onde eu pisava e marcava alguns valores de gorjeta dados pelos clientes, só pela minha performance. Eles tinham um aparelho nas mãos por onde faziam seus pedidos, propostas e pagamentos. Estavam gostando da dança que eu permanecia
é— Bom dia! — Proferi para Amanda assim que passei pela porta giratória na entrada do prédio. Ela me aguardava ali. Minha amiga era pau para toda obra, a gente era cúmplice dentro daquela empresa. Ela estava a par do meu segredo e por isso grudou em meu braço, louca para ouvir sacanagens.— Bom dia! Estou ansiando para saber todos os detalhes do seu submundo. — Me disse entre risos.— Só no horário de almoço. — Avisei-a. — Hoje é a estreia do chefinho novo e quero estar concentrada em meus afazeres. Preciso ganhar a amizade dele. Não aguento mais o Mário. — Virei os olhos ao citar o nome daquele infeliz. Estávamos diante dos elevadores. Amanda e eu trabalhamos no mesmo andar, mas em setores diferentes.— Certo. Aguardarei. Até porque também espero não ter que olhar mais para aquele homem pavoroso. — Revelou. — Por mim ele volta para o financeiro, de onde ele saiu, e permanece lá por todo o sempre. — Ela ergue as mãos aos céus, pedindo clemência.Amanda trabalha no setor de marketing
— Chegou um pouco tarde, hoje. — É a Vanessa quem diz. Ela já me aguardava dentro de seu carro, para me dar a carona para a faculdade.Estou em meu 7º semestre do curso de Engenharia Química, falta apenas meio ano para me formar. Contudo, mês que vem já iniciam as seletivas de estágios e estou ansiosa para estagiar na J’Passión. Ela tem a própria fábrica de seus cosméticos. Com orgulho, digo que são os melhores do mercado nova-iorquino na atualidade. Tanto, que é o queridinho das grandes célebres contemporâneas. Quero muito uma oportunidade de fazer parte do time que cria esses produtos. Apesar de amar ser a secretária do CEO.Já a Van estuda Ciências Contábeis, e está quase se formando.Enquanto trafegamos, ela me faz as mesmas perguntas que Diana e Amanda me fizeram, sobre o primeiro dia na boate e dou-lhe as mesmas respostas.Vanessa acaba me dando uns conselhos importantes e aproveito para fazer minhas notas mentais.Assim que amanhece o dia, me levanto. Talvez eu ande animada dem
Sábado. Meus olhos abriram com dificuldade após o barulho insistente do despertador.Fiz o de sempre que devo fazer pela manhã e depois retornei para o meu quarto, pegando no sono como se não tivesse levantado. Próximo da hora do almoço acordei de novo, isso porque meu celular tocava de forma insistente.— Alô? — Proferi sonolenta.— Alice! Está em casa? — Era Amanda.— Sim, estou. Estava dormindo até agora. — Sorri ao dizer.— Então desperte, porque estou chegando e levando uma lasanha para nós. Richard está no futebol com os amigos e eu não quero ficar em casa sozinha, pensando besteiras. — Avisou. Sorri e meu estômago roncou com a notícia da lasanha.— Te aguardo. Vou pedir um vinho por delivery. — Eu disse. Precisava de uma bebida alcóolica. Eu ainda teria que ir até a boate de novo e não sabia se resistiria ao toque do Mark, caso eu o visse.Levantei, tomei banho e saí do quarto. Diana estava sentada no sofá da sala, assistindo uma programação na TV. Um desses shows de calouros m
Aceitei e fui conduzida para a pista de dança. Ele se aproximou de mim e me abraçou pela cintura, me fazendo apoiar as mãos em seus ombros fortes.Mark é mais alto que eu. Ele usa uma camisa de manga comprida preta de linha. Calça jeans preta. Seu perfume impregna minhas narinas. Seu capuz preto também é de lã.Dançamos uma música lenta, com batidas remixadas. Enquanto nos movemos de um lado a outro, ele alisa minhas costas, vez ou outra. Seu corpo está muito perto.— Queria que fôssemos para o quarto. Prometo que não irei forçá-la a nada, só quero ficar a sós. É estranho te tocar em meio a todo mundo. Acho que isso a faz se sentir mal. — Diz, em meu ouvido.Concordo. Não há muito o que se fazer, mais dia, menos dia, eu irei para a cama com ele.Subimos. Estou tensa, por mais que me force a não estar. Mark pega um quarto no último andar. Uma cobertura muito bonita. De verdade, aquele lugar nem de longe parecia ser destinado ao fim que lhe era imposto. Era um quarto bonito, chique, neu
— Certeza que pode me acompanhar? Eu não estou atrapalhando nada? — Ethan me pergunta, virando o rosto para mim. O encaro sorrindo, seus olhos brilham em minha direção, naquele tom alaranjado fascinante. Nossos olhares ficam presos e confirmo que podemos ir com gesto de cabeça. Ele olha para os meus lábios. Me ajeito no banco, tirando o cabelo da frente do rosto e o colocando detrás da orelha. Nervosa. Céus!— Eu sou estudante de química. Não sei se você sabe. — Conto. Ele dá partida no carro e saímos. Ele aciona o ar-condicionado.— Eu sei. Analisei seu currículo. Gosto de saber um pouco mais sobre as pessoas que trabalham comigo. — Me diz. Olho para ele, que me olha em retorno. Sorrimos.— Quero estagiar lá na fábrica. Já me inscrevi para as vagas. — Ele ergue a sobrancelha.— Vai me abandonar? — Pergunta e faz um olhar de tristeza, em brincadeira.— Não! — Respondo, aos risos. — Será apenas à tarde e parte da noite. Gosto muito da área da cosmetologia, tenho muito a ganhar caso con
— Eu conversei com você em nosso primeiro dia sobre estabelecermos uma relação semelhante à de nossos pais. Confiança, parceria, amizade. Lembra? — Confirmei, ao passo em que ele prosseguiu. — Por algum motivo que desconheço, não percebi isso hoje, vindo de você. Pedi a sua ajuda, não só porque teve a brilhante ideia, mas porque confio em você. Nos entendemos, temos intimidade para conversarmos abertamente sobre qualquer assunto. Pelo menos foi o que pensei. Isso mudou? — Seu olhar era como uma lâmina afiada sobre mim.— Não. Entenda, eu não quero me envolver em algo que não domino. — Justifico, sem jeito.— Alice, não questionei o seu domínio. Eu quero a sua opinião, não sua decisão. Quero ouvir você, gosto da maneira como lida com as coisas. Eu tive minhas observações e queria compará-las com a de alguém que confio e que não faz parte da equipe. Isso se chama lisura. — Ele argumenta. Suas mãos seguravam o tampo de vidro da sua mesa.Respiro fundo, resignada. — Okay. Não gostei da pr
— Dany? O que foi? — Perguntei. Ela nunca havia conversado comigo dentro daquele lugar.— O seu cliente e Pfeiffer estão no gabinete. O que nosso chefe queria com você? — Ela perguntou. Parecia um pouco insegura.— Saber quando irei aceitar sexo. — Ela abaixou a cabeça. Continuei. — Porém, contei que estava decidida quanto ao Mark e que não iria abrir negociações. — Ela pareceu até respirar melhor após saber. — O que me intrigou foi o recado que me deu. Relembrando sobre a regra de confidencialidade total.— Ah, ele sempre nos lembra sobre isso. Já houve casos de clientes que quebraram o protocolo. Não imagina a dor de cabeça que rolou. A propósito, vai ter que tomar anticoncepcionais. Já está fazendo uso? — Confirmo que sim. — Annie, não esqueça do preservativo. Isso é muito importante. Não ceda a nenhuma investida sem preservativo. — Alertou.— Fique tranquila. Sou virgem, não tola. — Assegurei. Ela aquiesceu e saiu para buscar seus clientes.Permaneci dançando por meia hora, até qu