As pessoas riam e conversavam despreocupadamente enquanto eu encarava o celular, sem que percebessem minha crescente apreensão. Olhava fixamente para a foto da pegada, e a imagem do imponente lobo marrom ecoava em minha mente. Contudo, mesmo considerando o tamanho desse lobo, suspeitava que a pata em questão não lhe pertencia. Parecia ser de um animal ainda maior.
Caramba, será possível que exista um lobo ainda maior nesta floresta?Logo, as lendas sobre homens que se transformavam em feras e eram exilados para a floresta me ocorreram. Se essas lendas fossem verídicas, então as histórias sobre criaturas demoníacas que se alimentavam de sangue humano também poderiam ser reais.Rio sozinha, achando graça da minha própria imaginação. Isso não pode ser real. Deve haver uma explicação lógica para tudo isso.Decido procurar na internet por informações sobre "lobos gigantes na floresta de Vila Legal".Para minha surpresa, os únicos resultados que encontro são relatos de moradores sobre encontros com criaturas gigantes, lendas e histórias intrigantes. Deparo-me com uma foto embaçada de um imponente lobo preto e um calafrio percorre meu corpo, pois esse lobo é pelo menos duas vezes maior que o lobo marrom. Além disso, encontro fotos de pegadas idênticas às que capturei e vídeos de lobos correndo atrás de algo entre as árvores, algo similar ao que me seguiu hoje.Essas coincidências todas são difíceis de ignorar. Seria possível que tudo isso fosse apenas uma brincadeira de mau gosto perpetrada por algum entediado? Sinceramente, só pode ser. A sensação de desamparo começava a se instalar, enquanto a realidade perturbadora se impunha diante de mim.Algo dentro de mim diz que tudo isso é verdade e que cometi o pior erro da minha vida ao entrar naquela floresta.Minha cabeça começa a doer, e sinto tudo girar. "Por favor, agora não!", penso inutilmente.Sempre tenho fortes dores de cabeça e tontura. Geralmente, elas vêm acompanhadas de uma visão estranha que me causa pesadelos por semanas. Sinto o ar faltar nos meus pulmões e meu coração acelerar. É como se estivesse prestes a entrar em pânico.Olho para a porta da casa e vejo uma poça de sangue. "Agora não, por favor", peço mentalmente para que as visões desapareçam. Seguro o pingente do meu colar, e ele queima meus dedos, fazendo-me soltá-lo rapidamente. Geralmente, meu pingente esquenta durante essas visões e ataques, mas nunca dessa maneira.Vejo pegadas de sangue indo em direção ao muro que vai em direção à floresta. Começo a sentir o cheiro forte de sangue e a ouvir os gritos de pavor do papai. Cubro meus ouvidos com as mãos e começo a recitar o cântico antigo que minha mãe me ensinou quando eu era criança. Ele sempre faz essas imagens irem embora. Fecho os olhos e canto com mais convicção, mas sinto como se meu corpo estivesse flutuando. Abro os olhos e percebo que estou na sala de estar. Vejo minha mãe caída sem vida no chão, com a garganta cortada e os olhos abertos e cinzentos, sem vida.— Não, não! – Afasto-me e sinto minhas costas baterem na parede. – Não pode ser!Um som alto vem do topo da escada, e consigo ouvir os gritos de Sarah. Seguro meu colar com força e começo a oração que a vovó havia nos ensinado quando éramos crianças. Sinto meus olhos arderem, e a pedra em meu colar esquenta, queimando minha mão. O cheiro de pele queimada me dá náuseas, mas isso só me faz segurar o colar com mais força. Fecho os olhos e sussurro os versos finais da oração.— Você está bem, querida? – Escuto a voz doce de mamãe. Abro os olhos e a vejo me olhar assustada. Sua mão toca meu rosto. – Nossa, você está quente e suando frio. Seus olhos estão vermelhos, e você está pálida.Solto meu colar e suspiro aliviada. Os olhos de mamãe tremem, seu olhar está focado na minha pedra. Percebo que ela mudou de cor, está rosa escuro e brilhante. Aos poucos, ela volta à sua tonalidade preta normal.Às vezes, durante as minhas visões ou ataques, ela muda de cor, mas nunca havia ficado rosa escuro. Por algum motivo, sinto que algo vai acontecer.— Você teve outra visão? – Seus olhos se arregalam ao ver minha mão queimada. – Vamos, vou cuidar disso.Ando até a sala de estar e me sento na poltrona. Depois de alguns minutos, minha mãe surge na sala com uma caixa de primeiros socorros. Estendo minha mão e divago em meus pensamentos enquanto meu ferimento é limpo.— Prontinho, terminamos. - mamãe fala, enfaixando minha mão. Ela ri da minha expressão confusa. - Você sempre teve uma grande tolerância à dor, nem mesmo sente quando faço curativos.Sorrio timidamente. Entre todos da minha família, sempre fui a mais sortuda em relação à saúde. Nunca fiquei doente, nem mesmo com um resfriado. Nunca quebrei um osso, e meus ferimentos cicatrizavam rapidamente. Sarah costumava dizer que eu era uma mutante, pois até minha tolerância à dor era grande.— Então, minha filha. - mamãe solta um longo suspiro. - Sua pedra brilhou de uma forma diferente hoje. Aconteceu alguma coisa?Fico boquiaberta. Minha mãe sempre negou que os brilhos da pedra tivessem relação com minhas visões, e até mesmo dizia que isso era algo comum, que não passava de minha ansiedade.— Dessa vez foi diferente. Eu... Bem, não sei explicar. - minha voz sai esganiçada, e fecho os olhos, tentando me concentrar para evitar gaguejar novamente. - Não era uma simples visão, era como se eu estivesse lá, como se fosse uma versão do futuro. Não sei explicar com exatidão, mas não era como das outras vezes, em que me sinto em um sonho. Eu senti como se fosse real, mas de alguma forma senti como se aquilo fosse uma versão do futuro. Entende?Para minha completa surpresa, ela não questionou nem fez qualquer comentário como das outras vezes. Mamãe suspirou, passou a mão em sua nuca e, por fim, olhou nos meus olhos.— E o que você viu?Fico alguns segundos em silêncio, reunindo coragem para contar sobre esse pensamento horrível. Antes que pudesse dizer alguma coisa, o grito de Anna ecoa pela sala, e a pequena entra aos prantos, esticando seus pequenos braços na minha direção. A pego no colo, e ela esconde a cabeça em meu ombro. Papai entra no cômodo ofegante, seu cabelo está bagunçado e suas roupas estão sujas de tinta.— George! - minha mãe fala, entre risadas. - Parece que o carro de um palhaço te atropelou!— A bomba do pula-pula estava com alguns problemas e, quando fui consertar... Bem... - ele aponta para o próprio corpo. - Ela explodiu, e eu caí em cima da mesa onde estavam as tintas que as crianças estão usando em suas pinturas.Não contenho a risada e recebo um olhar duro do papai, que acaba rindo ao ouvir o som bizarro da minha risada.— Anna estava perto e ficou assustada. - Ele fala envergonhado. - Desculpa, minha filha. O papai está bem.Anna olha para ele, seus pequenos olhos brilhando devido às lágrimas. Papai olha em direção à minha mão e eleva uma sobrancelha.— Você pode explicar o motivo desse curativo gigantesco?Seu tom de voz duro me deixa sem ação. Papai sempre foi um homem calmo e brincalhão, mas ele odiava me ver machucada, especialmente porque eu não tinha tanto cuidado como as outras pessoas, devido a essa minha falta de dor.Mamãe pega Anna no colo e sorri para mim. Sinto meu corpo aliviar ao ver que ela tomou a frente da situação.— Dessa vez, a culpa foi minha. - ela fala com uma voz envergonhada. - Sarah estava com as crianças, então resolvi pedir para que a Violet cuidasse de algumas coisas na cozinha. Só esqueci de avisar que a travessa estava quente, e a coitadinha acabou queimando sua mão.A expressão de papai suaviza, e ele suspira. Eu até conseguia entender esse seu lado rabugento. Eu nunca tomava cuidado e acabava me metendo em situações bem complicadas, às vezes com riscos reais de morte. Mas depois que o Simon se foi... Bem, acho que passei a ter mais cuidado.— Você deveria descansar. - ele fala, olhando para mim de forma estranha. - Você não me parece bem.Sorrio de lado. Bem que eu estava precisando me deitar mesmo.Agradeço por sua preocupação e subo até meu quarto.(...)Deitada em minha cama, sinto minha cabeça girar com tantas informações e teorias. Não aguentava mais ficar deitada, precisava fazer alguma coisa.Reunindo coragem, decidi que era hora de ir até a floresta e investigar o que estava acontecendo. Olho para a lua cheia, e meu corpo se arrepia. Meu pai iria reprovar essa ideia, por isso pretendia fazer isso escondida, aproveitar a movimentação da festa para passar despercebida.Saio de casa e, sem grandes dificuldades, consigo pular o muro. Minha atenção é fisgada por algo que não havia notado antes: algumas pedras verdes estão encostadas em nosso muro, intercalando entre uma pedra verde, uma vermelha e uma muito semelhante ao pingente do meu colar. Pego a pedra semelhante à do meu colar e, com a luz da lanterna, consigo notar várias diferenças em relação ao meu pingente. Era como se essa pedra fosse mais escura, velha e bruta.Um som de uivo faz meu coração acelerar, e sem pensar duas vezes, pulo novamente o muro. Talvez devesse voltar amanhã.Me aproximo de uma mesa e me sento, tiro a pedra do meu bolso e a observo, tentando entender o motivo de ela estar ali.Sinto novamente aquela velha sensação de estar sendo observada. Olho em direção à cerca e me assusto ao ver um homem alto me encarando. Seus olhos são vermelhos, sua pele pálida, seu cabelo ruivo e suas roupas são pretas. Ele me observa como um animal prestes a atacar sua presa. Seu sorriso, por algum motivo, me incomoda profundamente, é como ver um monstro sorrir.Crianças correm, tampando meu campo de visão da cerca. Quando olho novamente para o local, ele não está mais lá. Uma sensação de desespero invade meu corpo, deixando-me em estado de alerta, como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer.Meus pensamentos se aceleram, e a sensação de desespero aumenta a cada instante, como se eu sentisse o perigo se aproximar, o mal ficar à espreita.A festa de aniversário estava animada. As crianças brincaram e muitas estavam quase dormindo na hora dos parabéns. Achava engraçado como as crianças conseguiam gastar sua energia facilmente. Com a ajuda do papai, limpava a bagunça no quintal.— Então, filha. – Sua voz calma chama minha atenção. – Me diga o que aconteceu com você.— Não aconteceu nada. – Falo confusa. – Do que o senhor está falando?— Sei que alguma coisa muito séria deve ter acontecido com você. – Sua voz sai preocupada e ele me olha nos olhos. Sua atitude me causa arrepios. – Você ficou quieta no seu canto, pensei que fosse o cansaço. Mas depois que você saiu do seu quarto, parece que piorou. Ficou mais calada, ficou na mesa o tempo todo. Nem deu atenção a Dália quando ela veio falar com você. Você não é assim, sempre é a alma da festa.Dou um sorriso sem graça com seu comentário. Seu poder de observação era uma das coisas que eu mais gostava. Papai sempre sabia quando eu estava mal ou triste. Ele era uma daquelas pes
Avisto o par de coturnos pretos se aproximando lentamente de mim. Queria me mover, mas o medo me paralisava. Sou puxada pelo cabelo e grito de dor.Olho em direção ao rosto do meu agressor e me assusto ao ver olhos totalmente pretos e um rosto coberto de sangue. Ele não parecia humano; sua pele era extremamente pálida, como se não houvesse sangue em seu corpo.Meu corpo se enche de desespero ao perceber que reconhecia aquele rosto. Era o mesmo homem misterioso da festa. Me debato em seus braços, e ele sorri satisfeito. Sua mão toca meu pescoço, mas rapidamente recua ao tocar a corrente em meu pescoço, como se ela o machucasse. Ele rosna para mim, como se fosse um gato prestes a atacar o outro.Vejo papai se arrastar pelo corredor, seu corpo estava repleto de cortes. Papai enfia no tornozelo da criatura uma de suas facas de caça, e escuto seu grito gutural. – Verme maldito!– ele grita antes de me arremessar escada abaixo. Sinto meu corpo doer ao bater em cada degrau.– Como ousa tentar
— Ainda acho que devemos matar essa garota e depois comê-la. — Escuto uma voz feminina rouca falar com desdém. — Não façam essa cara, aposto que pensaram o mesmo quando viram seu corpo desacordado na floresta.— Não seja idiota. — Uma outra voz feminina fala irritada. — Sabe que o Dylan jamais permitirá que encostem na nova humana de estimação dele.Uma risada sarcástica invade o cômodo e meu corpo se arrepia, entrando em estado de alerta.— Que seja. — A primeira voz diz com desgosto. — Se ninguém a devorar, ela acabará como todas as outras.— Eu não diria isso se fosse você, maninha. — Um homem fala com certo entusiasmo. — Ela sobreviveu a um ataque de um sugador de sangue, isso por si só já é impressionante. Agora saber que não era apenas mais um demônio qualquer e sim o...Sua voz é interrompida por um rosnado canino, como se ele estivesse prestes a revelar informações que não devia.Um flash de memórias passa em minha mente, e sinto meu peito doer ao lembrar da minha família. Ele
Acordei sentindo uma dor aguda na perna. Abri os olhos e vi que estava em um quarto estranho, diferente do quarto que o Dylan me deixou. Olho ao redor tentando identificar alguma coisa, mas tudo era novo pra mim. Forço a visão ao ver uma silhueta na escuridão. Um abajur é ligado e sua luz faz meus olhos doerem. Quando finalmente consigo focar a minha visão, vejo uma mulher sentada em uma poltrona em frente a cama. Seu cabelo castanho claro era raspado na lateral e estava jogado sobre seu ombro esquerdo, apesar da pouca iluminação no quarto, pude notar seus traços delicados e uma cicatriz em sua bochecha. Ela arqueou uma sobrancelha quando percebe que estava a observando por muito tempo.— Finalmente acordou, humana.Essa voz… eu me lembro dela. Essa é a mesma voz que disse que queria me devorar. Arregalo os olhos e tento me sentar na cama, mas a dor em minha perna me faz soltar um gemido alto de dor. Maldição! Estava presa em um quarto desconhecido com essa maníaca. — Gosta de enc
Sentia-me como um alienígena, com os olhares curiosos e fascinados de Ivy. Era como se a jovem estivesse observando um documentário da vida selvagem no Animal Planet; qualquer ação minha provocava olhares surpresos e sons de espanto. Com minha visão periférica, conseguia observar suas expressões faciais. Ela era realmente muito espontânea, e seu rosto denunciava seus pensamentos. Diferente de muitas pessoas que conheci na vida, não sentia maldade nem malícia em sua observação. Era mais algo curioso, como se ela nunca tivesse visto outra pessoa antes. Algo irônico, pois até onde eu sabia, ela pertencia a uma espécie chamada "alcatéia".— Ivy... Querida. – Meu tom de voz calmo chamou sua atenção. Larguei meu prato de sopa e a encarei antes de lançar um olhar sarcástico. – Não acha melhor tirar uma foto? Vai durar mais!Ivy inclinou a cabeça para o lado, como um pequeno cão tentando entender as ordens de seu dono. Sua expressão confusa era extremamente adorável, quase me fazendo sentir c
A cada segundo que passava, os gritos e os sons de rosnados lá fora aumentavam, criando uma atmosfera ainda mais tensa. Eu estava sozinha no quarto, minha mente trabalhando em uma velocidade frenética enquanto tentava compreender a situação em que me encontrava.Os minutos pareciam se arrastar, e a incerteza do que estava acontecendo me deixava inquieta. Minha perna doía, e eu desejava poder me mover livremente para entender melhor a situação. Ficar presa em um quarto desconhecido enquanto o caos se desenrolava lá fora não era uma sensação agradável.Finalmente, depois de um período que pareceu uma eternidade, Ivy retornou ao quarto. Seu rosto estava preocupado, e suas mãos tremiam ligeiramente. Ela fechou a porta atrás de si e suspirou profundamente antes de falar.— Sinto muito por ter te deixado sozinha. As coisas lá fora estavam fora de controle por um tempo. – Seu peito subia e descia com a respiração desregulada.Eu a olhei, buscando por respostas. A preocupação em seu rosto me
Os socos e pontapés na porta me fizeram paralisar. Estava apavorada, sentia como se meus pés estivessem presos no chão e todo o meu corpo tivesse sido congelado.— Vamos, pule! – Ivy falou com nervosismo. – Não precisa ter medo, eu irei te segurar.Escutei o som do armário começar a ser arrastado devido à força dos socos e chutes na porta. Uma fresta se abriu, dando espaço suficiente para ver seus olhos verdes arregalados e inquietos, como se estivesse prestes a me atacar.Meu corpo saiu do transe ao ver sua mão entrar pela fresta e começar a forçar a porta.Meu coração batia descompassado quando, finalmente, tomei coragem e saltei pela janela, aterrissando no telhado com um impacto doloroso. A neve macia cobria o telhado, mas minha perna ferida protestava a cada passo que eu dava.Com dificuldade, comecei a caminhar pelas telhas escorregadias, minha respiração saindo em pequenas nuvens de vapor. Ivy, embaixo de mim, me instava a con
— Sua perna está consideravelmente melhor. – seu entusiasmo era evidente. – Em todos esses anos, nunca vi uma recuperação tão rápida, nem mesmo em um dos nossos.A voz de Alaric soou surpresa, e isso me fez sentir minhas bochechas esquentarem.— É... Sempre me recuperei rápido. – sorri envergonhada. – Nunca fico doente ou me machuco... Deve ser alguma coisa genética.— Interessante... – ele murmurou. – Você é muito diferente dos humanos que conheci, Violet.Alaric olhou novamente para sua prancheta e suspirou. Sua mão passou por seu pescoço e uma risada nervosa escapou de seus lábios.— Tem algo que me faz questionar se você realmente é humana. – seu nervosismo era evidente. – Mas precisarei investigar e aqui não tenho os recursos necessários.Me sentei na maca, e minha pele se arrepiou ao sentir o estetoscópio gelado de Alaric em meu peito.— Não entendi... Sou só uma pessoa comum. – disse ao vê-lo anotar algo em sua prancheta.— Comum não é uma palavra que se aplica a você, mocinha.