A festa de aniversário estava animada. As crianças brincaram e muitas estavam quase dormindo na hora dos parabéns. Achava engraçado como as crianças conseguiam gastar sua energia facilmente. Com a ajuda do papai, limpava a bagunça no quintal.
— Então, filha. – Sua voz calma chama minha atenção. – Me diga o que aconteceu com você.— Não aconteceu nada. – Falo confusa. – Do que o senhor está falando?— Sei que alguma coisa muito séria deve ter acontecido com você. – Sua voz sai preocupada e ele me olha nos olhos. Sua atitude me causa arrepios. – Você ficou quieta no seu canto, pensei que fosse o cansaço. Mas depois que você saiu do seu quarto, parece que piorou. Ficou mais calada, ficou na mesa o tempo todo. Nem deu atenção a Dália quando ela veio falar com você. Você não é assim, sempre é a alma da festa.Dou um sorriso sem graça com seu comentário. Seu poder de observação era uma das coisas que eu mais gostava. Papai sempre sabia quando eu estava mal ou triste. Ele era uma daquelas pessoas que sabem seu humor só de te olhar. Apesar de amar Dália, não conseguia manter contato com ela. Sempre que olhava em seu rosto, me lembrava de seu primo. Era como se ela e o Simon fossem irmãos gêmeos idênticos, devido à sua semelhança absurda.— Não foi nada, foi apenas um dia ruim. – Suspiro quando ele eleva uma sobrancelha. – Você sabe que desde que Simon... – Não consigo completar a frase, pois um nó na minha garganta impede que eu o faça. – Você sabe que desde que aquilo... Desde que aquela coisa aconteceu, eu não sou mais a mesma pessoa. Não suporto olhar para Dália. Ela é idêntica a ele e isso já é torturante por si só, saber que uma cópia do meu melhor amigo anda por aí enquanto ele está...Corto minha frase e sinto minhas mãos tremerem. A visão de seu corpo sem vida volta à minha mente, seu rosto apavorado cheio de sangue, seus olhos castanhos manchados devido aos vasos sanguíneos estourados. Eu nunca iria me perdoar.— Filha, você precisa seguir em frente. – Ele fala se aproximando. Sua mão toca meu rosto, me fazendo olhar em seus olhos negros. – Sei que ele era seu melhor amigo e que você não é a mesma sem ele... – Seus olhos brilham devido às lágrimas que se formam. – Não se culpe, por favor.— Não me culpar? – Minha risada sarcástica sai de forma amarga. Limpo as lágrimas do meu rosto de forma bruta. – Todos sabem que merda aconteceu naquele dia, mas ninguém sabe que eu fui a causadora de tudo aquilo.— Violet! – Ele fala meu nome em um tom alto de repreensão. – Não diga asneiras!— Você sabe que, se não fossem essas malditas vozes, essas malditas visões... – Paro de falar devido às lágrimas e ao nó que se forma em minha garganta. Cubro meu rosto com as mãos e começo a soluçar, sentindo a dor de minha alma se multiplicar. Seus braços grandes me envolvem em um abraço protetor. – Ele estaria aqui. Se não fosse por essa merda toda, ele ainda estaria vivo.— Eu só quero que você seja feliz, minha menina. – Ele me olha nos olhos e sorri de uma forma triste. Suas grandes mãos seguram meu rosto e seus polegares limpam minhas lágrimas.– Você merece ser feliz.Seus olhos negros parecem tentar ler minha mente, algo que me deixa desconfortável. Me afasto alguns metros e suspiro, olhando para o céu. Apesar de não acreditar em vida após a morte, me reconforta imaginar que Simon estaria em um lugar melhor, talvez em um belo campo de flores silvestres. Ele amava flores e seu cheiro. Ainda me lembro de seu apelido carinhoso. Ele era o meu girassol, e eu sua flor de lótus.— Não vou te forçar a desabafar. – Escuto a voz de papai atrás de mim. – Mas saiba que sempre irei te ouvir, filha.Sua voz sempre era tão doce e calma quando se dirigia a mim. Ele me tratava como uma princesa e me fazia sentir a melhor pessoa do mundo. Ele sempre esteve aqui por mim, mesmo depois de tudo. Sua bondade era tão linda que faz meus olhos marejarem. Abraço seu corpo forte, por algum motivo sinto que esse é o último momento em que vou ouvir isso. Sinto as lágrimas escorrerem pelo meu rosto e, quando dou por mim, estou soluçando em seus braços como um bebê.Não sei o motivo, mas estou chorando sentindo uma dor profunda, uma agonia, uma sensação de perda e desespero. Quanto mais tento entender, mais as lágrimas rolam em meu rosto e o soluço piora.— Violet, querida. – Ele segura meu rosto entre as mãos e olha em meus olhos. – Tente respirar, você está hiperventilando.Encaro seus olhos pretos preocupados e sinto minha respiração voltar ao normal gradualmente. Abraço seu corpo e sinto ele beijar minha cabeça.— Querida, vou pegar um copo de água para você. – Sua voz é doce. Ele me olha de forma carinhosa. – Eu te amo, minha menina, sempre estarei aqui por você.Não sei o motivo, mas suas palavras fazem meu coração doer, como se tivesse recebido um golpe no peito. Vejo ele se afastar e meu coração começa a bater tão rápido quanto o de um animal selvagem. Não sei o motivo, mas estou em estado de alerta total. Papai entra na casa e segundos depois escuto seu grito de horror.— Pai? – Chamo assustada e não obtenho resposta. – Papai? O senhor está bem?Sua falta de resposta me deixa angustiada. Escuto sons de coisas se quebrando. Mesmo com a música ligada, ainda consigo ouvir sons de objetos quebrando e a voz alterada de papai. Procuro o controle das caixas de som, mas não o encontro. Os sons dentro da casa estão abafados pela música alta. Minutos em silêncio passam e vou até a porta dos fundos. Abro lentamente e ando na ponta dos pés pelo corredor.Cubro minha boca com as mãos ao ver a pior cena da minha vida. Mamãe estava caída no chão, com sua traqueia exposta. Seu rosto tinha uma expressão de terror, e seus olhos estavam abertos. Em sua mão, segurava uma faca suja de sangue. Seu corpo estava repleto de ferimentos que ainda sangravam, formando uma poça de sangue ao seu redor. Quem ou o que poderia ter provocado isso? Se não fossem pelas malditas músicas infantis, poderíamos ter ouvido e feito alguma coisa!Não podia acreditar na tamanha brutalidade diante de mim. Seu belo cabelo loiro estava bagunçado e seu rosto tinha diversos cortes profundos.Tento me aproximar do seu corpo, mas um detalhe me faz travar. Vejo marcas de sapatos feitas pelo sangue e sigo-as com o olhar até o segundo andar. Eram marcas de sapatos muito maiores do que o tamanho dos pés de papai. Quem fez isso deve estar na casa."Annabel, preciso ver a Annabel!" Subo a escada correndo e sinto minhas pernas ficarem sem forças ao ver Sarah caída no chão. Seu rosto tinha um corte profundo e seu pescoço escorria sangue, como se tivesse sido rasgado por um animal feroz. Ainda na escada, toco seu rosto tentando acalmá-la. Seus olhos estavam arregalados e ela tentava falar alguma coisa, mas o sangue que saía de seus lábios a impedia.Não, não podia acabar assim! Isso não podia ser real, é apenas mais uma das minhas visões. Em breve, vou acordar com papai me abraçando, gritando para mamãe ligar para o Dr. Andrew e trazer meus remédios. Lágrimas grossas escorrem pelo meu rosto. Tento falar, mas a voz não sai de meus lábios, apenas soluços e gemidos de desespero.— Fuja.Diz Sarah antes de sua respiração parar por completo. Abraço minha gêmea, sentindo a dor invadir meu corpo, como se parte de mim tivesse ido embora com seu último suspiro.Olho em direção ao quarto de Annabel e observo a pequena criança caída no chão, com cortes violentos em seu rostinho angelical. Estava em choque, congelada. Não conseguia me mover, apenas imaginava como tudo isso pode acabar assim, como isso pode acontecer. Que criatura seria capaz de provocar isso a uma família em um tempo tão curto?Escuto sons de coisas quebrando vindo do quarto de Annabel e, instintivamente, me encolho na escada na esperança de não ser vista.— Tem mais alguém aqui. Pensei que tivesse exterminado a família inteira– diz uma voz desconhecida, surpresa. Sua voz era tão grossa que parecia que não havia falado uma palavra há décadas, como se sua garganta estivesse seca por muito tempo. Sua risada demoníaca faz meus pelos se arrepiarem.–É mesmo, a garota que me deixou entrar, a pirralha que vi hoje mais cedo na floresta.Meu corpo congela com suas palavras. Ele me viu na floresta? Espera... Eu sou a garota que o deixou entrar? Como? Eu não me lembro de ter aberto nenhuma porta ou ter convidado alguém. Isso só poderia ser algum engano.Avisto o par de coturnos pretos se aproximando lentamente de mim. Queria me mover, mas o medo me paralisava. Sou puxada pelo cabelo e grito de dor.Olho em direção ao rosto do meu agressor e me assusto ao ver olhos totalmente pretos e um rosto coberto de sangue. Ele não parecia humano; sua pele era extremamente pálida, como se não houvesse sangue em seu corpo.Meu corpo se enche de desespero ao perceber que reconhecia aquele rosto. Era o mesmo homem misterioso da festa. Me debato em seus braços, e ele sorri satisfeito. Sua mão toca meu pescoço, mas rapidamente recua ao tocar a corrente em meu pescoço, como se ela o machucasse. Ele rosna para mim, como se fosse um gato prestes a atacar o outro.Vejo papai se arrastar pelo corredor, seu corpo estava repleto de cortes. Papai enfia no tornozelo da criatura uma de suas facas de caça, e escuto seu grito gutural. – Verme maldito!– ele grita antes de me arremessar escada abaixo. Sinto meu corpo doer ao bater em cada degrau.– Como ousa tentar
— Ainda acho que devemos matar essa garota e depois comê-la. — Escuto uma voz feminina rouca falar com desdém. — Não façam essa cara, aposto que pensaram o mesmo quando viram seu corpo desacordado na floresta.— Não seja idiota. — Uma outra voz feminina fala irritada. — Sabe que o Dylan jamais permitirá que encostem na nova humana de estimação dele.Uma risada sarcástica invade o cômodo e meu corpo se arrepia, entrando em estado de alerta.— Que seja. — A primeira voz diz com desgosto. — Se ninguém a devorar, ela acabará como todas as outras.— Eu não diria isso se fosse você, maninha. — Um homem fala com certo entusiasmo. — Ela sobreviveu a um ataque de um sugador de sangue, isso por si só já é impressionante. Agora saber que não era apenas mais um demônio qualquer e sim o...Sua voz é interrompida por um rosnado canino, como se ele estivesse prestes a revelar informações que não devia.Um flash de memórias passa em minha mente, e sinto meu peito doer ao lembrar da minha família. Ele
Acordei sentindo uma dor aguda na perna. Abri os olhos e vi que estava em um quarto estranho, diferente do quarto que o Dylan me deixou. Olho ao redor tentando identificar alguma coisa, mas tudo era novo pra mim. Forço a visão ao ver uma silhueta na escuridão. Um abajur é ligado e sua luz faz meus olhos doerem. Quando finalmente consigo focar a minha visão, vejo uma mulher sentada em uma poltrona em frente a cama. Seu cabelo castanho claro era raspado na lateral e estava jogado sobre seu ombro esquerdo, apesar da pouca iluminação no quarto, pude notar seus traços delicados e uma cicatriz em sua bochecha. Ela arqueou uma sobrancelha quando percebe que estava a observando por muito tempo.— Finalmente acordou, humana.Essa voz… eu me lembro dela. Essa é a mesma voz que disse que queria me devorar. Arregalo os olhos e tento me sentar na cama, mas a dor em minha perna me faz soltar um gemido alto de dor. Maldição! Estava presa em um quarto desconhecido com essa maníaca. — Gosta de enc
Sentia-me como um alienígena, com os olhares curiosos e fascinados de Ivy. Era como se a jovem estivesse observando um documentário da vida selvagem no Animal Planet; qualquer ação minha provocava olhares surpresos e sons de espanto. Com minha visão periférica, conseguia observar suas expressões faciais. Ela era realmente muito espontânea, e seu rosto denunciava seus pensamentos. Diferente de muitas pessoas que conheci na vida, não sentia maldade nem malícia em sua observação. Era mais algo curioso, como se ela nunca tivesse visto outra pessoa antes. Algo irônico, pois até onde eu sabia, ela pertencia a uma espécie chamada "alcatéia".— Ivy... Querida. – Meu tom de voz calmo chamou sua atenção. Larguei meu prato de sopa e a encarei antes de lançar um olhar sarcástico. – Não acha melhor tirar uma foto? Vai durar mais!Ivy inclinou a cabeça para o lado, como um pequeno cão tentando entender as ordens de seu dono. Sua expressão confusa era extremamente adorável, quase me fazendo sentir c
A cada segundo que passava, os gritos e os sons de rosnados lá fora aumentavam, criando uma atmosfera ainda mais tensa. Eu estava sozinha no quarto, minha mente trabalhando em uma velocidade frenética enquanto tentava compreender a situação em que me encontrava.Os minutos pareciam se arrastar, e a incerteza do que estava acontecendo me deixava inquieta. Minha perna doía, e eu desejava poder me mover livremente para entender melhor a situação. Ficar presa em um quarto desconhecido enquanto o caos se desenrolava lá fora não era uma sensação agradável.Finalmente, depois de um período que pareceu uma eternidade, Ivy retornou ao quarto. Seu rosto estava preocupado, e suas mãos tremiam ligeiramente. Ela fechou a porta atrás de si e suspirou profundamente antes de falar.— Sinto muito por ter te deixado sozinha. As coisas lá fora estavam fora de controle por um tempo. – Seu peito subia e descia com a respiração desregulada.Eu a olhei, buscando por respostas. A preocupação em seu rosto me
Os socos e pontapés na porta me fizeram paralisar. Estava apavorada, sentia como se meus pés estivessem presos no chão e todo o meu corpo tivesse sido congelado.— Vamos, pule! – Ivy falou com nervosismo. – Não precisa ter medo, eu irei te segurar.Escutei o som do armário começar a ser arrastado devido à força dos socos e chutes na porta. Uma fresta se abriu, dando espaço suficiente para ver seus olhos verdes arregalados e inquietos, como se estivesse prestes a me atacar.Meu corpo saiu do transe ao ver sua mão entrar pela fresta e começar a forçar a porta.Meu coração batia descompassado quando, finalmente, tomei coragem e saltei pela janela, aterrissando no telhado com um impacto doloroso. A neve macia cobria o telhado, mas minha perna ferida protestava a cada passo que eu dava.Com dificuldade, comecei a caminhar pelas telhas escorregadias, minha respiração saindo em pequenas nuvens de vapor. Ivy, embaixo de mim, me instava a con
— Sua perna está consideravelmente melhor. – seu entusiasmo era evidente. – Em todos esses anos, nunca vi uma recuperação tão rápida, nem mesmo em um dos nossos.A voz de Alaric soou surpresa, e isso me fez sentir minhas bochechas esquentarem.— É... Sempre me recuperei rápido. – sorri envergonhada. – Nunca fico doente ou me machuco... Deve ser alguma coisa genética.— Interessante... – ele murmurou. – Você é muito diferente dos humanos que conheci, Violet.Alaric olhou novamente para sua prancheta e suspirou. Sua mão passou por seu pescoço e uma risada nervosa escapou de seus lábios.— Tem algo que me faz questionar se você realmente é humana. – seu nervosismo era evidente. – Mas precisarei investigar e aqui não tenho os recursos necessários.Me sentei na maca, e minha pele se arrepiou ao sentir o estetoscópio gelado de Alaric em meu peito.— Não entendi... Sou só uma pessoa comum. – disse ao vê-lo anotar algo em sua prancheta.— Comum não é uma palavra que se aplica a você, mocinha.
— Acorda! Acorda logo!Abro os olhos e vejo Ivy com uma expressão preocupada. Ela suspira aliviada e senta na ponta da cama.— Ivy? Aconteceu alguma coisa? – Pergunto confusa.— Eu vim ver como você estava, e algo estranho aconteceu. – Sua voz estava trêmula, assim como suas mãos.Me sento na cama e esfrego os olhos; estava muito sonolenta, o remédio que Alaric me deu ainda fazia efeito.— Não estou entendendo, estou com muito sono. – Minha voz sai arrastada.— Quando entrei no quarto, você estava com os olhos abertos, sussurrando algo que não entendi. Seus olhos estavam violeta, e a pedra em seu pescoço brilhava da mesma cor. – A voz de Ivy é trêmula, e seus olhos estavam marejados.Sento na cama tentando me manter acordada o suficiente para acalmá-la.— Fiquei confusa, e quando me aproximei, toquei em você, e de repente, um homem surgiu no quarto, olhando-me de forma intimidadora. – Ela fala com nervosismo, e lágrimas rolam por seu rosto.— Um homem? – Pergunto com a voz confusa. –