Me levantei da cama, com calma e movimentos lentos, ignorando a dor incomoda, depositei a xícara sobre a mesa de apoio e firmei os pés no chão testando meu equilíbrio enquanto respirava fundo, segui meu caminho um passo de cada vez até o banheiro, me concentrando em todos os detalhes importantes da história que tomava forma na minha mente agitada, não era o ideal, mas teria que servir, sem dúvida nenhuma era melhor do que a realidade.
Tomei um banho rápido, evitando lavar o cabelo, ainda não estava recuperada o suficiente pra isso, e Mateo o tinha lavado a não muito tempo, os curativos também tinham que ser trocados e me amaldiçoei por não conseguir fazer isso sozinha, voltei ao quarto de toalha, procurando meu telefone na cabeceira da cama, disquei o número de Mateo aguardando enquanto tocava.
- Está tudo bem Martina?
- Sim, está ocupado?
- Estou, mas se precisa de mim...
- Na verdade eu preciso de ajuda com os curativos e não quero incomodar
Procurei entre as peças de roupa que estavam no cômodo, alguma coisa confortável que ficasse pelo menos apresentável, terminei por vestir um vestido azul escuro que deixava meus ombros expostos, o tecido estruturado deu um pouco de trabalho pra subir pela minha pele, mas com algum esforço e depois de alguma resistência ele se ajustou, não tinha certeza que conseguiria me manter em pé sobre sapatos altos, então apenas coloquei uma sapatilha fechada. - Senhora, a senhora Franccesca já chegou e está esperando pela senhora no seu escritório. Izabel apenas falou do outro lado da porta de maneira que apenas eu escutasse. Preferi não colocar nenhuma maquiagem e manter os cabelos soltos, me ajudando a formar uma imagem mais clara da história que eu iria contar. Dei uma última olhada no espelho e saí seguindo até o escritório, precisava que tudo saísse perfeito e impecável, e Franccesca tinha olhos bem aguçados para tudo, ela não iria engolir qualquer história boba.
Não demorou muito até Nádia estar de volta ao escritório uma vez que Franccesca tinha ido embora. - Bom dia senhora. - Bom dia Nádia, como estamos hoje? - Tudo sob controle. - Ótimo. Nádia vestia um vestido preto com mangas três quartos justo ao corpo, deixando suas curvas delicadas mais aparentes do que ela normalmente deixava, também não me passou despercebido o uso de maquiagem e o cabelo bem arrumado, não que antes ela estivesse bagunçada longe disso, mas apesar de ser uma mulher muito bonita, ela sempre optou por um estilo mais confortável e um pouco apagado e agora estava aqui toda dona de si sobre saltos matadores. - Você está bonita Nádia, toda essa arrumação é para alguém em especial? - Não senhora, eu só quis me arrumar um pouco mais. O rosto corado denunciou a meia verdade que escapou de seus lábios. - Não precisa me contar se não quiser Nádia, mas eu fico feliz se você está feliz, apenas me diga se e
Lúcio permanecia quieto em frente a janela, mas seu olhar que antes estava lá fora agora encarava meus olhos com divertimento e audácia que lhe era tão característica. Ponderei minhas opções, entre ir até ele ou ficar sentada na poltrona, é claro que ficar sentada confortavelmente me atraiu mais do que ter que me levantar e sentir mais dor do que já estava sentindo. - Pode vir se sentar Lúcio. - Sim senhora. Ele apagou o cigarro o jogando na lixeira ao lado da mesa e caminhou sorrateiro até a poltrona ao lado da minha. - Sobre o que quer falar menina, não tenho muitas novidades sobre Tommaso. - Eu sei, apenas fique aí. O homem era malditamente atraente, os olhos castanhos e expressivos, o rosto que parecia ter sido esculpido por algum artista da Roma antiga, a barba por fazer, o ar de selvageria e perigo que o tornava tão ameaçador quanto sexy, a camisa justa delineando o corpo masculino que fazia minhas mãos formigarem ao imag
É impensável como apesar de conviver com uma pessoa mesmo que diariamente, não saibamos verdades tão duras sobre elas. Aqui olhando para Lúcio, mesmo por um momento eu pude ver um pouco da intimidade que ele tentava manter enterrada, da infância dura e difícil, a juventude violenta e ao amadurecimento que o tornou o homem que é hoje.Mesmo que a história fosse mais sobre ele, também via a figura tão amada e maternal que minha mãe havia sido para ele, como havia sido pra mim também pelo pouco tempo em que pudemos ficar juntas.- Nunca imaginaria algo assim Lúcio.- Eu sei menina, sua mãe era uma mulher inigualável em muitos aspectos, e você têm muito dela sobre isso.- Não sei Lúcio, olhando para o meu reflexo no espelho talvez eu veja seus traços distintos, os mesmos olhos como você diz, mas não acho
Ficar perdida entre os papéis espalhados pela mesa não era melhor do que ficar na cama olhando para as paredes pintadas em tons pastéis do quarto de hóspedes. Entre todos os males o pior eu acho, larguei as folhas sobre a mesa e me apoiei na cadeira respirando com um pouco de dificuldade por causa da dor que insistia em me incomodar a cada movimento, por maus simples que fosse. - Nádia, pode ir até o quarto e pegar o analgésico pra mim por favor, já está na hora. - Sim senhora. Contratar Nádia se mostrou uma escolha muito acertada, ela estava cuidando muito bem da administração de tudo relacionado aos assuntos legais, e até com os assuntos não tão lícitos assim, além do mais era esperta e aprendia rápido, o fato de ser bonita também ajudava a abrir as portas mais facilmente. - Aqui senhora. Me ofereceu o frasco e colocou um copo de água na mesa a minha frente. - Obrigado Nádia. - Disponha senhora. Engoli o comprimido me
O céu estava escuro quando o avião pousou no aeroporto de Nápoles, o frio seguia implacável como era esperado daquela época do ano, abotoei meu casaco como uma maneira de impedir o vento de entrar, tomei um último olhar pra trás antes de seguir rumo a minha escolha, talvez eu nem tivesse escolha afinal, nao quando o sangue fala tão alto. Meus passos logo se tornam inaudíveis entre as conversas da multidão, alguns passos e encaro Mateo distante, ele esta diferente de como eu me lembrava, os olhos azuis parecem profundos e as olheiras entregam as noites mal dormidas, mas sua presença imponente continua a mesma, como um animal prestes a atacar, as pessoas se desviam dele involuntariamente, mas os olhos mais corajosos e curiosos acompanham seus movimentos, por um minuto sinto um sentimento familiar, mas o empurro para o mais profundo da minha mente e termino meu trajeto at&eacut
Estar em casa me deixou nostálgica, poder olhar para os retratos de família que um dia esconderam tão bem a verdade dos olhos infantis e me lembrar de todas as festas de aniversários de todos os natais, e perceber onde isso nos levou. Quando eu fui embora tinha apenas quinze anos, era uma adolescente que acreditava que a solução era fugir e esquecer tudo, os anos no internato e na faculdade me deixaram mais dispersa de tudo isso, mas lá no fundo ainda havia a lembrança, dos gritos, do sangue, do cheiro da fumaça. Tantos anos e ainda consigo sentir o cheiro.-Eu mesma cuidei de todos os detalhes para o funeral do seu pai, mas se houver alguma mudança que queira fazer eu cuidarei disso imediatamente. Izabel a governanta da mansão trazia consigo um ar de preocupação e vez ou outra podia notar suas mãos agitadas descendo até a saia na te
O enterro havia movimentado toda a alta sociedade Siciliana, parada ao lado do caixão fechado recebendo cumprimentos de tantos desconhecidos pude perceber quão longe meu pai tinha levado a família, senadores, atores, empresários influentes, todos se dizendo muito consternados com o acontecimento, a maioria estava mentindo como era de se esperar, mas em alguns aqui ou ali havia um pouco de sinceridade, uma parte de mim ainda estava digerindo a situação querendo um pouco de silêncio e solidão, a outra parte e provavelmente a mais dificil de ser controlada estava com raiva, raiva por ter fugido anos atrás como uma covarde, raiva por não estar presente quando ele precisava de mim, raiva de todas as mentiras, até raiva dele mesmo por ter morrido assim, quando eu pensava em como seria a morte do meu pai, imaginava ele morrendo no jardim se lembrando da minha mãe sentado no mesmo banco que ela morreu, parece