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Nem todos morrem afinal

O enterro havia movimentado toda a alta sociedade Siciliana, parada ao lado do caixão fechado recebendo cumprimentos de tantos desconhecidos pude perceber quão longe meu pai tinha levado a família, senadores, atores, empresários influentes, todos se dizendo muito consternados com o acontecimento, a maioria estava mentindo como era de se esperar, mas em alguns aqui ou ali havia um pouco de sinceridade, uma parte de mim ainda estava digerindo a situação querendo um pouco de silêncio e solidão, a outra parte e provavelmente a mais dificil de ser controlada estava com raiva, raiva por ter fugido anos atrás como uma covarde, raiva por não estar presente quando ele precisava de mim, raiva de todas as mentiras, até raiva dele mesmo por ter morrido assim, quando eu pensava em como seria a morte do meu pai, imaginava ele morrendo no jardim se lembrando da minha mãe sentado no mesmo banco que ela morreu, parece ingénuo agora pensar que alguém como ele morreria tão calmamente, tenho certeza que ele iria achar graça dessa suposição e talvez preferisse morrer sentado na sua poltrona favorita no escritório com sua arma em uma mão e um bom bourbom na outra ouvindo Frank Sinatra, como ele fazia todas as noites por longos anos, talvez ele até ficasse feliz por finalmente poder descansar, depois da vida difícil que levara.

   Como todos os bons homens a vida deu a ele doses iguais de sofrimento e alegrias, mesmo tendo nascido em uma família já influente, teve que sobreviver a muitas guerras, foi moldado com muita dor e endurecido com o sentimento da perda, me lembro de ouvir seu riso fácil apenas em raros momentos quando estava junto com a minha mãe, depois de quinze anos de casados, a rotina parecia acalmar uma mente sempre tão agitada, os risos cessaram quando ela partiu, embora ainda demonstrasse amor incondicional por mim, mais se parecia com uma sombra do homem que ja fora, se dedicou apenas a proteger a família sem se importar com o preço, mesmo que as vezes lhe custasse um pedaço da alma, carregava tanto sangue nas mãos que já nem se lembrava de como começou, quem será que foi a primeira vítima da sua violência, eu me lembro bem da primeira pessoa que matei, não por arrependimento, mas porque aquilo me mostrou de verdade a minha natureza, me mostrou que eu não poderia fugir pra sempre não importava o quanto quisesse, será que foi exatamente como você se sentiu pai? Agora não saberia mais, e o único caminho é seguir em frente e me manter firme.

   Suspiro olhando uma última vez a lápide e posso jurar ouvir sua risada uma última vez.

- Eu parei de fugir papai, estou em casa agora e não pretendo ir a lugar nenhum.

   Ao longe Mateo me aguarda, com seu terno impecável, e o olhar duro de sempre. Os passos até ele parecem longos e pesados, acho que deve ficar mais fácil com o tempo, carregar toda essa responsabilidade nos ombros.

- Mateo, temos coisas urgentes a serem resolvidas.

- O concelho quer uma reunião essa noite, querem fazer isso da maneira mais rápida.

-E me impedir de conseguir votos, velhos tentando ter de volta seus tempos de juventude, não sei como meu pai aguentou tanto tempo.

- O concelho mantém a estabilidade da família e dos negócios e seu pai sabia disso melhor do que ninguém. Mesmo assim precisamos tentar ganhar algum tempo, como você têm o voto do seu pai, eles não podem votar sem você presente, acho que deveria se manter no quarto até pensarmos em como resolver isso e eu direi que está de luto.

- Não, me faria parecer fraca, se eles querem dificultar as coisas eu posso dificultar também, vamos ver como eles jogam.

-Como quiser senhora.

- E Lúcio, quando poderei vê-lo?

-Amanha de manhã, se assim desejar.

- Ótimo.

Desço do carro já sentindo a irritação latente, a mansão está repleta de pessoas.

- O concelho está aguardando na sala de reunioes.

- Obrigado Izabel

   Todos já estão sentados a mesa e apenas o lugar do meu pai permanece vazio, os olhares de desdem e pena fazem meu estómago revirar, um bando de abutres querendo arrancar mais, sempre mais.

- Boa noite Martina, sentimos muito pelo que houve com o seu pai.

- Obrigado.

Tomo o meu assento na cadeira onde antes se sentava o meu pai, olhando todos os rostos ganaciosos a minha volta, torcendo por um deslize meu.

-Entretando essa questão precisa ser resolvida de maneira urgente, como você sabe a família precisa de um líder, e como estamos todos aqui podemos fazer a votação, como única herdeira do seu pai, você tem o voto dele, o ideal seria que tivesse um marido para votar, mas dada as circunstâncias, é melhor decidirmos o mais breve possível.

- Eu entendo e até concordo com isso, entretanto temos um membro do concelho faltando e como todos sabem não pode haver votação sem que todos estejam presentes ou representados.

   Os olhos arregalados me encontraram não tão frágil quanto gostariam eu presumo.

-Isso é uma formalidade, todos os votos que contam estão aqui eu te asseguro, tenho certeza que seu pai aprovaria.

- Não fale sobre o que meu pai aprovaria Tommaso, pode soar condescendente, e tenho certeza que ele iria querer fazer a votação da maneira apropriada como sempre foi feito.

   Ver o sorriso arrogante se desfazendo, me deixou extasiada, Tommaso era uma grande pedra no meu sapato, já esperava que entre todos ele fosse me dar mais trabalho, os cabelos grisalhos foram ganhos com os anos, mas a destreza em negociações nasceu com ele.

- Minha querida, entenda que não podemos esperar por isso, precisamos resolver a questão.

- Não peço que esperem muito, apenas até a missa de sétimo dia do meu pai, sei que vocês entendem que como família devemos todos respeitar este momento em memória a ele.

   A aceitação era confirmada em acenos e murmúrios pela sala, Tommaso era muitas coisas, mas estúpido não era uma delas, sabia que os homens nessa sala respeitavam o meu pai e jamais fugiriam as regras tão facilmente, então não teve outra alternativa a não ser aceitar a derrota.

- Certo, isso parece adequado querida Martina.

- Voltaremos a nos reunir em sete dias então, com a sua licença eu preciso me estabelecer, ainda não tive tempo de resolver alguns assuntos.

   Os homens velhos rapidamente se levantaram e um a um me cumprimentaram e deixaram a sala, Tommaso ficou por último, com seus olhos me analisando a casa passo.

- Realmente sinto muito Martina, seu pai foi um homem inestimável para essa família, meu único consolo é que agora você está em casa, entre a família, e se tornou uma belíssima mulher, tenho certeza que logo estará muito bem casada.

- Veremos Tommaso, agora se me der licença.

   Saí antes de ouvir mais alguma bobagem, homens são estúpidos quando querem, alguns mais do que outros.

   Tomei o restante do dia para pensar com cuidado em cada passo do caminho, tinha conseguido alguns dias, e teriam que ser suficientes, de uma maneira ou de outra, quem estará sentada na cadeira do meu pai serei eu, isso é incontestável, a noite caiu fria e tempestuosa.

   O silêncio sepucral durante o jantar me irritava, não me lembrava em nada os jantares em Nova York com os amigos, mas também não me traziam lembranças da família ao redor desta mesma mesa, Mateo permanecia irredutível a minha frente, comendo em silêncio com seus belos olhos concentrados no prato a sua frente, ele ficava ainda mais sexy assim, por Deus, esse homem levaria mulheres a forca sorrindo se quisesse, mesmo crescendo na mesma casa nunca fomos muito íntimos e quando eu fui embora sequer notaria sua beleza, minha primeira paixão adolescente foi outro homem, igualmente bonito, igualmente mortal, mas com uma personalidade difícil, se me lembro bem nada sociável, é claro que nem sequer me notava como mulher ainda, eu era apenas uma adolescente comum e nada atraente, mas ele era absolutamente irresistível, seus olhos selvagens, suas tatuagens, e sua postura indomável me manteram com os olhos bem abertos por muitas noites imaginando coisas inapropriadas, me pego rindo abertamente ao pensar em como ele está agora, apenas algumas horas nos separam, afinal parece que nem todos morrem.

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