SamantaO quarto estava em silêncio. O ar era impregnado por um cheiro de lavanda e antissépticos, mesclado com algo sutilmente doce, talvez as flores brancas sobre a mesa de canto, ou o perfume de alguém que ficou por muito tempo ali. Samanta abriu os olhos lentamente, como quem emerge de um sonho pesado demais para carregar. Tudo ao redor parecia borrado, como uma tela de aquarela lavada pela chuva. A luz suave que entrava pelas cortinas entreabertas lhe agredia as retinas, forçando-a a piscar várias vezes até que os contornos do mundo voltassem a fazer sentido.Ela estava deitada. Sentiu o lençol engomado sob suas mãos, o leve peso de um cobertor aquecido por um corpo que vigiou aquela cama a noite inteira. O colchão era firme, o travesseiro, denso. Uma máquina suave apitava ritmicamente ao lado esquerdo, e foi ali que ela viu o cateter preso ao dorso de sua mão. Havia um curativo ali. E outra pulseira plástica com seu nome completo. “Samanta de Bastos”.A mente, enevoada, tentou
AlbertoA voz do médico soou como um eco abafado no meio do furacão que varria os pensamentos de Alberto. As palavras vinham com o peso de um veredito, mas o rosto do homem à sua frente tentava suavizar o impacto da realidade com uma empatia comedida.— A situação da Samanta ainda é incerta, senhor Darius. Precisamos aguardar a avaliação do oncologista. Ela vai realizar novos exames amanhã pela manhã.Alberto cerrou os punhos, controlando a vontade de explodir. Sua mandíbula retesava como aço, mas seu olhar permanecia fixo no médico, absorvendo cada sílaba como se sua vida dependesse disso. E, de certa forma, dependia.— Devo contar a ela sobre o tumor? — perguntou com a voz rouca, como se as palavras lhe arranhassem a garganta.O médico balançou a cabeça negativamente, com um suspiro breve.— Não, sinceramente, não recomendamos contar agora. Samanta está emocionalmente instável. O risco de um colapso nervoso ou mesmo de um aborto espontâneo é real, senhor Darius. Seria imprudente sub
GabrielGabriel ajustou a luva de couro branco na mão esquerda, medindo com os olhos a distância até o buraco. O campo de golfe do Clube Helvétia era imaculado. A grama cortada com precisão milimétrica, os lagos espelhados refletindo o céu pálido daquela manhã de primavera, e os caddies se movimentando em silêncio coreografado, respeitando o clima de concentração dos jogadores abastados. Um santuário para aqueles que podiam se dar ao luxo de brincar com o tempo.Ele girou o taco lentamente nos dedos antes de executar a tacada perfeita. A bola riscou o ar, com uma leve curva à direita, e rolou até parar a centímetros do buraco. Um sorriso discreto desenhou-se nos lábios dele. Nada mal para um encontro conspiratório.Laura Martins se aproximou logo em seguida, com a elegância clássica que dominava desde os tempos em que reinava na semana de moda de Milão. Estava impecável, como sempre. Calça social branca, blusa azul de linho, cabelos castanhos perfeitamente alinhados no corte chanel e
Laura MartinsLaura observava seu reflexo no espelho da penteadeira Luiz XV, sob a luz suave das arandelas douradas que delineavam sua silhueta com precisão. Os dedos longos e cuidados deslizavam com familiaridade pelos frascos de cosméticos franceses, escolhendo com exatidão os cremes e séruns que aplicaria em sua pele já perfeitamente preservada pelos tratamentos mais modernos. O rosto que encarava do outro lado do vidro era uma escultura de disciplina e vaidade.Traços finos, angulosos, sem rugas visíveis; o pescoço firme, o colo liso. A camisola de seda cor marfim moldava seu corpo esguio, e Laura sorriu para si mesma com aquele ar que mesclava orgulho e poder silencioso.Era uma mulher impecável. Sempre foi. Desde jovem, sabia onde queria chegar. E agora, tão perto de assumir o império da família Martins, bastava apenas resolver um detalhe maldito. Samanta.Pensar na filha bastarda ainda lhe causava uma leve pontada no estômago. Não de culpa, Laura não era mulher de se consumir
Samanta Samanta Bastos é uma jovem publicitária de vinte e oito anos romântica e sonhadora, que desde criança sonhava com um casamento de princesa, uma família grande cercada de carinho; almoços de domingo recheados de risadas e feriados barulhentos e alegres. No entanto, o silêncio que a recebia nesse momento ao entrar em casa, era a sua triste realidade. Sam depositou as chaves do carro no aparador da sala e rumou para a cozinha em busca de uma garrafa de vinho. No caminho suas roupas sujas de terra ficaram largadas no chão. O barulho da rolha saindo do gargalo da garrafa se propagou pela cozinha silenciosa. Ela levou a garrafa a boca e se sentou no chão somente de calcinha e sutiã. Seus pensamentos bagunçados se alinharam em uma única pergunta. Como foi que chegou a esse ponto? A lembrança ainda queimava dentro dela, tão vívida e cruel como se estivesse acontecendo novamente. Flashback on Com o rosto banhado de lágrimas, Samanta viu Alberto Darius, o homem que durant
AlbertoOs olhos glaciais acompanharam as pessoas se dispersando. Samanta foi embora totalmente descompensada depois do que viu. Ela não devia ter feito aquilo.Seus punhos cerrados eram a prova de que seu auto controle estava por um fio. O esforço que teve que fazer para não agarrar aquela mulher e levá-la para o seu apartamento para lhe ensinar uma boa lição, era simplesmente sobre-humano.Alberto voltou para o anexo, e fechou a porta com uma pancada que reverberou por toda a estrutura de pedra.- Você disse que ela não viria aqui. – Catarina resmungou, virando a cabeça para o lado. – Por que ela tinha que aparecer?!- Isso também é culpa sua! INFERNO! – com movimentos rápidos e ágeis ele a desamarrou, libertando a mulher da plataforma em forma de X.- Fique aqui, o Ticiano deve estar chegando. – reuniu seus pertences, rumando de volta para a porta.- Alberto... eu juro que sinto muito... - Catarina disse baixinho.- Nunca mais! Você entendeu?! – ele advertiu, com um olhar frio.Sai
Estava na hora de acertar as contas Ícaro.Alberto dirigia como um louco, o motor do carro rugindo como sua própria fúria. O sangue pulsava em suas têmporas, a respiração acelerada e o gosto metálico da raiva na boca. Não havia tempo para pensar, para ponderar. Ícaro, o seu irmão precisava pagar pelo que fez.Ele subiu sem avisar, marchando como um predador para o apartamento de Vitório, seu irmão mais velho. A governanta sequer teve tempo de anunciá-lo antes que ele arrombasse a porta do escritório com um estrondo.Vitório e Ícaro se voltaram abruptamente, interrompendo a análise dos novos projetos para Dallas. O queixo de Ícaro sequer teve tempo de registrar a surpresa antes de receber o primeiro soco. O estalo seco do impacto ecoou pela sala, seguido de um grunhido de dor.Ícaro cambaleou, mas reagiu rápido. Com um golpe certeiro no estômago, fez Alberto dobrar o corpo para frente. Mas a fúria de Alberto era descomunal. Ele se lançou sobre o irmão, socando-lhe o rosto, costelas, om
SamantaQuando o despertador tocou de manhã, ela praguejou imprecações e o desligou. Suas pálpebras mal podiam se abrir, o peso da ressaca e da noite mal dormida era uma merda.Um cochilo de mais cinco minutos causou uma situação pior ainda. Sam caiu da cama em cima do vidro quebrado da garrafa de vinho.- Aiiii merda! – gritou, quando sentiu a pele ser cortada pelo vidro.Se levantou e correu para o banheiro quando viu o sangue pingar no chão. Pegou o kit de primeiros socorros e analisou seu rosto.Um fragmento estava cravado em sua testa, e o restante cortou os dois antebraços e pulso. Não era nada grave, então decidiu limpar e evitar uma visita desnecessária ao hospital.Tomou um banho rápido e verificou as horas. Para variar, estava em cima da hora. Vestiu um tubinho preto e um blazer branco, calçou os saltos agulha caramelo e pegou a bolsa de couro que sua prima Amélia lhe deu de presente de aniversário.A maquiagem poderia ser feita no banheiro da agencia, ela só precisava chega