CAPÍTULO 04.

Supremo.

Meu rosto estava focado na paisagem que era refletida pelas vidraças do carro. Eu estava olhando para lá, mas minha mente não estava lá. Eu me sentia perdido em meio a nenhum pensamento. Tudo estava tão próximo ao mesmo tempo tão distante. Me sentia que nem uma Pipa.

Não como das outras vezes, hoje optei por meu segurança pessoal. Que na verdade é o meu primo Thomas. Desde o ocorrido a alguns anos atrás, Thomas não foi mas o mesmo. Aquela criança espontânea, curiosa e eufórica. Tudo isso se foi e deu lugar a um adulto, reservado e meticuloso. Como condição para que não fossem condenados à morte pelos erros do pai, Thomas e sua mãe foram rebaixados na família real, sem esquecer o fato de que Rose perdeu a sanidade.

Só que, eu preferi resolver isso de um outro jeito. Apesar dele terem sido rebaixados. Não neguei a ele uma das melhores educações que a realeza tem, e ainda dei-lhe o privilégio de trabalhar para mim.

— Chegamos!— Thomas sai do carro e abre a porta para mim. Ele se mantém calado e observador.

Poço dizer que perdi um primo e ganhei um motorista. É um retrocesso, mas é assim que a vida é por vezes, boa e depois ruim, um paraíso e por fim um inferno.

Passo por ele e atravesso a cerca que prende a casa. Chegar aqui de noite foi a melhor opção, assim evito paparazzis e suspeitas. Abro a porta, e dou de cara com um cobertor no chão, uma garrafa de vinho na bancada.

— Espere por mim. — o aviso e sigo em direção ao seu escritório.

— Pode entrar!— não foi necessário eu bater na porta para ele notar minha presença. Adentro seu escritório e o vejo sentado de frente a uma pilha de documentos. — Como está Eros?

— Estou muito bem. E o Senhor tio?

— Eu gostaria de estar!— suspirou— vamos lá, sente-se! Vai querer algo para beber?

— Um vinho escocês de preferência. — Ele se levanta, vai até a alavanca que tem entre seus livros, gira e uma adega aparece. Ele tira o vinho, duas taças. Volta a girar a adega e me serve o vinho. — E a Harmless?

— Bem. E feliz creio eu. -- diz engolindo em seco.

— Onde está? Quero vê-lá!

— Isso não será possível!— deixo o vinho de lado e o encaro. — Harm está em Nova Jecy. Ela ganhou uma bolsa de estudos.— meu olhar já dizia tudo. Ele não devia a deixar ir, a missão dele era a manter segura até seus dezoito anos que depois eu tomaria conta dela. Como sempre foi— Não me olhe assim.

— O senhor sabe que Harm corre perigo. O Sr. Sabe ela é tudo para mim, é tudo que tenho.

— Eu sei…

— E ainda a deixou ir embora à própria sorte!

— Eros entenda. Eu não tive escolha, esse sempre foi o sonho dela, ela precisa crescer, ver o mundo com os seus próprios olhos. Ela não está sozinha

— Epsilon está lá?

— Não, mas um dos seus amigos está. Ele vai cuidar dela e creio eu que Epsilon não passará uma semana sem ir a ver. Ela não está a própria sorte.

— Isso não está certo.

— Ela vai ficar bem.

— Só quando estiver comigo. -- coloquei a taça em cima da mesa. — Em que universidade ela está?

— O que você vai fazer?

— Cuidar dela. Como sempre!

{•••}

Harmless.

Finalmente em Seton Hall University. Quando o ônibus parou de frente ao Campus da universidade, eu fiquei estupefata. Emoção demais, felicidade demais, euforia demais. É uma mistura. Me sinto tímida por estar tão distante de casa, longe da minha zona de conforto e ao mesmo tempo tenho vontade de sair correndo e explorar cada canto desse Campus.

— Eu sei que você tá feliz Harm, mas controla suas expressões faciais. Está parecendo uma maníaca. — Ícaro chamou minha atenção me fazendo rir.

— Tô tentando, mas consigo controlar meu rosto.

— Eu te ajudo!— Ele puxou meu gorro para baixo me fechando meu rosto. Dei uma risada reclamando.

— Ei, eu quero ver!— a nossa brincadeira foi estragada quando o diretor apareceu para dar as boas vindas e explicar as regras.

— …] A partir de hoje, vocês são oficialmente estudantes da Seton Hall University. — a sala foi preenchida de aplausos e assobios.

Outra coisa que não pude deixar de notar é que eu não sou a única humana aqui. E isso me agrada, porque não me sinto fora do aquário. É diferente, sabe, não vou dizer que dá uma paz interior... não! Afinal de contas, estou longe de casa e das pessoas que amo. É como se fosse um recomeço, e os desafios que me esperam me deixam muito ansiosa. Mas a sensação é mais agradável do que quando eu estava em Brooklyn.

Lá em conseguia ver a diferença entre eles e eu muito nítida, nos seus olhos, nas suas características físicas, nos seus poderes, no seu olhar superior a mim. Lá eu me sentia uma serva, me sentia pequena. Mas aqui não, tenho docentes humanos, colegas humanos, não me sinto totalmente só.

(...)

E no início das aulas, aparentemente eu estava bem, calma, mas mentira. Eu estava muito emocionada. Tenho uma colega de quarto, seu nome é Naila. Pele achocolatada, cabelos negros da altura do ombro, baixinha, olhos castanhos, parece uma princesa, até no seu jeito de falar. É engraçado.

E adivinha, ela é um elfo. E apesar do que dizem sobre a personalidade dessas criaturas, é mentira. Suas personalidades variam de elfo por elfo como qualquer humano ou qualquer outro ser.

Ícaro, tem me acompanhado quase sempre. Mas à medida que as aulas avançam se torna difícil estarmos juntos já que fazemos cadeiras diferentes e ele está noutro alojamento.

Outra coisa que voltou foram os maus sonhos, desde pequena que não os tenho. Mas uma semana após a minha estadia aqui, tudo voltou.

{•••}

Após um dia cansativo de aulas, a única coisa que me restou foi me jogar na cama. Até dispensei o meu jantar. Nem as conversas que Naila tem com suas amigas pelo celular perturbaram o meu sono.

Então eu senti minhas pálpebras pensando, minha mente se desligando. Por um instante tudo ficou num completo breu, até que me deparei com um campo vasto no cimo da montanha, com ovelhas e pastor. Dentre tantas ovelhas, havia uma, estranhamente rebelde. Não gostava de seguir a mesma direção, queria chegar a casa, mas não queria usar o mesmo caminho que o resto do rebanho. Era confusa, crítica e analítica. Era muito pensativa uma pequena ovelha, tinha pensamentos incompreendidos.

O pastor a vigiava, as outras ovelhas diziam, vamos que não há tempo a perder. Por isso a pequena ovelha continuava andando. Olhando para as planícies, com um sentimento de...eu não deveria estar aqui.

— Oi!

— Olá!— dei um riso fraco — você veio!

Ao despertar do sono me deparei com o quarto escuro, e a silhueta de Epsilon na janela, me encarando carinhosamente. Eu estava tão cansada que não conseguia me sentar.

— Eu disse que viria! Descanse, virei te ver novamente!

Depois disso apaguei. Sem ter certeza se aquilo foi a continuação do sonho, ou ele esteve aqui, realmente.

Depois do findar das aulas, fui banhar e seguir para jantar. Já percebi que quando durmo sem comer tenho alucinações.

A sensação foi diferente dessa vez, eu não estava muito cansada. Mas preciso descansar, por ser bolsista é necessário manter minhas notas acima da média, senão perco o semestre e corro o risco de perder a bolsa.

Eu me vi dentro de uma congregação, na última fila, ouvindo a palavra. Que anunciava o final dos tempos, a chegada do cordeiro de Deus.

— Quem tem ouvidos que ouça!— dizia o pastor. — Maus tempos se aproximam, 2 Timóteo 3:1 nós diz

SABE, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos.

Então o cenário mudou, eu estava fora da igreja e caminho. Sem rumo. Numa rua deserta, iluminada com a luz dos postes e dos poucos fatos que por aqui passavam.

Eu estava de calças pretas, uma blusa de mangas cumpridas, uma bolsa e botas de cano curto. Meu cabelo estava solto. Só se ouviam o som dos meus passos, a lata que era chutada cada vez que cruzava com meus pés. Eu avancei, sem nenhum objetivo eminente.

Me sentia sozinha. Eu sempre fui sozinha. E isso nunca me incomodou, anos atrás, em na primeira fase da minha vida, eu me acostumei com ela, a solidão. E ela sempre me soou uma companhia agradável. Sou a melhor companhia que existe para mim mesmo. Ser só, estar só. Nunca me pareceu ser um incômodo.

Então me sentei numa bancada, e fiquei observando sem ver, não me sentia feliz nem triste, não estava pensando completamente em nada mas me sentia compenetrada. Até que despertei.

Estava suada e confusa. Naila estava dormindo, a janela do meu quarto estava aberta. Então me levantei da cama, usei meus chinelos e sai do dormitório. E novamente sozinha. Estava com um vestido balão florido da altura dos joelhos. A frente fria arrepiava minha pele, abraçava-me tentando esquentar meu corpo. Mesmo assim não deixava de andar. Esse jardim, que mais parece um tapete, foi elaborado no século 16 e teve como inspiração trabalhos renascentistas italianos. Com um projeto de paisagismo incrível, a simetria e os padrões encantam e remetem a um labirinto.

— A noite está fresca, não?— virei-me imediatamente para ver de onde vinha a voz. Afinal de contas, já são duas da madrugada.

— É... está?!— Me deparo com um homem de pele clara com um cabelo longo, preto e espetado, que tinha um ligeiro tom de azul sobre ele. Seu traje casual consistia em uma camisa azul de manga longa e calça branca. — Docente Luci!?

— Te assustei? Me desculpe!— deu um meio sorriso. — Passeado?

— Não, nem por isso!— Luci é um dos meus docentes de arte — É, digamos que seja isso!

— Hum… não me parece!— deu um meio sorriso se aproximando— me parece que você teve um pesadelo e saiu para refrescar!

— É!— disse surpresa pela sua dedução. — Foi isso.

— Entendo. — olhou para cima — qual é o lema desta universidade mesmo?

O Docente Luci é conhecido por ser perfeccionista, seguro de si mesmo, confiante e orgulhoso de suas habilidades e talentos. Um ótimo docente, apesar de suas exigência.

— Apesar dos perigos, siga em frente.

Ele abaixou o olhar e sorriu para mim.

— Siga em frente. — ele se virou para sair — acho melhor voltar para seu dormitório. Não é seguro ficar fora essas horas.

— Está bem…. obrigada!

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo