NA SEMANA SEGUINTE, Janete se viu sem muito tempo para encontrar o namorado e começou a entender o significado das palavras “hora-extra” no trabalho. Como aprendiz, ela sabia que tinha assegurado o direito de não poder trabalhar além da jornada estabelecida em seu contrato, mas Elisa quis passar por cima disso mantendo a sobrinha no escritório muito além de horário padrão. A Suares & Castilho estava em negociação para fechar o contrato com um importante grupo farmacêutico holandês que queria abrir um complexo de pesquisas avançadas em São Paulo e todos os setores — incluindo aquele que Elisa gerenciava — estavam em polvorosa para fazer tudo certo até que a assinatura dos europeus estivesse, enfim, no papel. Sabia-se que a conta do grupo holandês também estava sendo disputada pela Monterey e pela Constrular — a terceira construtora mais rentável do pais — e o velho CEO não estava a fim de perdê-la. Beto, que até então estava enfiando as caras em todos os projetos para tomar a frente do
QUANDO GUILHERMINA e Wilson voltaram para a sala, atraídos por vozes exaltadas e preocupadas, Eduardo e Janete estavam terminando de se vestir abotoando calças e terminando de amarrar cadarços. A garota estava muito aflita e as suas mãos tremiam segurando o iPhone que atendera há menos de dez minutos. — Mãe, pai, eu prometo que explico tudo na volta. Eu preciso levar a Jane de carro até a Zona Sul. — Zona Sul? A essa hora, filho? — Wilson olhou para o relógio na parede da sala. Batia mais de meia-noite. — Eu explico tudo na volta. Prometo. Eduardo viu a namorada se despedir dos seus pais meio que no automático e ela tomou a frente abrindo a porta para começar a descer as escadas do sobrado. Os cães das casas vizinhas começaram a latir ao ouvir a movimentação incomum àquela hora e intensificaram os ganidos quando o Golf deu marcha a ré na rua e saiu da garagem. O rapaz era ótimo condutor de veículos e aprendera cedo a dirigir para ajudar o pai a consertar os carros que chegavam na o
DANIEL GUIOU EDUARDO até a entrada de uma tubulação de concreto perdida no meio de uma espécie de esgoto a céu aberto e mandou que ele se preparasse para o cheiro. O lugar fedia a excremento e um líquido amarronzado escorria de dentro do tubo de aproximadamente um metro e meio de circunferência. — Dá para andar abaixado por essa tubulação. — Indicou Daniel. — Ela leva até a galeria de esgoto e, de lá, você vai ver uma escada de ferro que vai dar nos fundos do galpão. A entrada fica escondida por umas caixas velhas e entulhos de obra. Você vai poder entrar sem ser visto. Eduardo estava confiante naquele plano de surpreender o meliante antes que a polícia acabasse atirando em sua cunhada e se preparou para entrar no tubo após acender a lanterna do seu celular. — Espera aí mesmo. Se eu não voltar em uns vinte minutos ou se ouvir tiros, sai daqui e avisa a Janete e a Priscila. Daniel acenou que sim e passou as mãos nos cabelos castanhos quando viu Eduardo entrar pela tubulação e desapa
NA NOITE DO BAILE FUNK e do sequestro de Jéssica Castilho, Eduardo foi levado até a delegacia regional e passou horas sentado diante do delegado para, entre outras coisas, prestar seu depoimento sobre tudo que tinha acontecido desde que chegara ao bairro de Paraisópolis. Por sua interferência em assunto policial, o sargento Gomes queria que ele fosse punido ao colocar a vida da vítima em risco, mas Renato Castilho conseguiu convencê-lo do contrário e deixar aquele assunto para lá, uma vez que sua filha estava segura agora. A intervenção do sogro, no entanto, não impediu que ele levasse uma bela de uma bronca do delegado, que o chamou de irresponsável para baixo o fazendo tremer em sua cadeira. Para os Castilho, todavia, o garoto tinha salvado o dia e foi recebido como herói na casa do Campo Belo onde a família da namorada morava. A notícia sobre a batida policial malfadada na comunidade do Paraisópolis estampou as capas da maioria dos jornais e sites de notícia no dia seguinte e as me
O MÊS DE FÉRIAS escolares do meio do ano não foi o mesmo dos anteriores para Janete porque, daquela vez, ela tinha a responsabilidade de estagiar na S&C durante meio período e a única viagem a que ela se deu o direito de fazer foi com a família para o litoral norte, num dos finais de semana de junho. O seu irmão mais velho tinha conseguido uma folga das competições de surfe que vinha participando desde o começo do ano e apareceu na casa de veraneio para dar um “oi”. A casa estava na família há algumas gerações e costumava ser a sede das reuniões anuais dos Castilho desde os anos setenta, quando então o velho patriarca Jaime organizava várias orgias regadas a sexo, drogas e Rock N’ Roll. A reunião daquele ano estava marcada para agosto, no mês de aniversário de Janete, e prometia ser tão agitada quanto a dos anos anteriores. Todos costumavam ficar muito ansiosos perto daquela data, mas, naquele ano, Janete não estava muito animada a participar por estar namorando sério desta vez. Com
O RETORNO DAS AULAS no mês de julho deu início à preparação para o campeonato intercolegial com o qual Janete e as suas colegas de classe estavam envolvidas desde o início do ano na data de inscrição, mas, devido as suas novas ocupações, a garota precisou entrar em um acordo com sua tia Elisa para poder jogar. Na semana que antecedia os primeiros treinos da equipe de vôlei feminino do colégio Batista Genari, ela fez uma ligação ainda em casa, evitando levar assuntos pessoais para o trabalho. — O torneio começa em duas semanas, tia, mas eu preciso me reunir com a equipe antes para os treinos. — Janete estava em seu quarto numa tarde após o expediente no prédio da Suares & Castilho. Estava tensa e andava de um lado para outro descalça, sentindo com os dedos dos pés os pelos felpudos do tapete branco em que pisava. — Sabe que não posso liberar você do estágio nesses dias só porque é minha sobrinha, não é, Janete? — resmungou a mulher com voz impaciente. — Não seria bom exemplo para os d
NA VÉSPERA DA PRIMEIRA partida entre o seu time e o terceiro ano do Colégio Paulo Dantas, Janete mal conseguiu pregar os olhos durante a noite e teve que tomar algumas latas de energético antes de sair de casa para aguentar o cansaço. Mathias, o motorista da família, a levou de carro até o Jardim Paulista e a garota estava elétrica ao encontrar as amigas na concentração. Tratou de largar a bolsa onde trazia os materiais esportivos sobre o banco chumbado ao centro do vestiário e começou a tirar a calça jeans que vestia. Rafaela já exibia em seu corpo curvilíneo o novo uniforme personalizado feito para a equipe e a cor amarela do conjunto de regata e short de malha curto lhe caía bem sobre a pele marrom. — Esses novos uniformes ficaram muito irados! Tem o meu nome atrás! — E ela virou de costas em frente ao espelho toda feliz, tirando o cabelo encaracolado da frente e se encurvando inteira para ver o nome estampado sobre o número sete no reflexo. Talita e Juju também já começavam a ves
A SEGUNDA PARTIDA contra o time de uniforme azul do Alves Alcântara seria o último daquela manhã e Janete teve que esperar na arquibancada junto dos primos e dos seus irmãos o início do jogo. O ginásio estava ainda mais cheio do que na manhã anterior e a presença de Jonathan Castilho entre os espectadores causou um furor por ali, uma vez que ele era reconhecidamente um dos surfistas de maior destaque entre o público jovem. Tirando selfies e dando autógrafos em camisetas, o rapaz curtiu bastante o seu momento de fama entre os seus admiradores, mas estava ali mesmo para torcer para a sua família. Tinha estado ao lado da irmã caçula Jéssica, dos primos Cleber — irmão gêmeo de Cleide e filho da chefe de Janete, Elisa —, Pedro e Micaela na torcida por Priscila, cujo time em quadra enfrentava a sensação do intercolegial Aline Ferreti, a principal estrela do primeiro ano do Colégio Paulo Dantas, e o surfista sofreu como todos eles. Apesar dos esforços, o segundo ano do Batista Genari não con