EDUARDO ACORDOU NO hospital no dia seguinte. Estava com o ombro esquerdo imobilizado e sentia um curativo espesso em seu nariz, além de um cheiro forte de medicação. Os seus olhos demoraram a focalizar algo, mas quando o fez, ele viu uma enfermeira ajustando um novo volume de soro em um pedestal ao seu lado. — O… Onde eu estou? Ele estava zonzo e viu um cateter preso ao seu braço direito quando a mulher respondeu: — Você está no hospital. Você levou um tiro e foi feita uma cirurgia de reconstrução em seu ombro ontem. Você está bem agora. Ele olhou em volta com a pouca mobilidade que tinha e quis saber de Janete. — A moça que te trouxe até aqui está lá fora. Ela não quis arredar o pé do hospital mesmo quando soube que você já estava bem. — Me deixa falar com ela, por favor. Não era horário de visitas, mas a enfermeira permitiu que Janete entrasse por alguns minutos, deixando-os a sós. Eduardo sorriu quando a viu entrar, mas sentiu dor no nariz e desfez o sorriso imediatamente.
GABRIEL TENTOU O QUE estava ao seu alcance para ajudar Janete e tudo que conseguiu foi e-mails trocados da sala de Renato na torre sudoeste com um tal de “Mercur”, pedindo mais informações sobre invasão cibernética a servidores. Em sigilo, o assistente levou o que tinha descoberto ao seu chefe e amigo Michael, que aconselhou que ele fizesse aquilo em mais perfeito segredo. — Não conte a mais ninguém sobre isso, Gabriel. Os caras com quem o pai da Janete está metido são barra pesadíssima. Michael tinha trabalhado por anos com hacktivismo e possuía uma gama elevada de subterfúgios informáticos para driblar certas barreiras que a internet convencional proporcionava. Naqueles dois dias, eles deixaram o trabalho no setor de finanças da S&C um pouco de lado e os dois se dedicaram a mergulhar fundo na Deep Web para achar provas da existência do cartel de informação que era liderado pelo tal “Mercur”. Ninguém da sua bolha conhecia a verdadeira identidade da pessoa por trás daquele nick, mas
O HORÁRIO DO FIM do expediente se aproximava e, tão logo alcançou Ednei, Janete mandou que ele se comunicasse com Alceu, o outro agente de segurança, para se certificar se o seu pai ainda estava no prédio. A comunicação foi rápida e o homem informou: — Sim. Ele ainda está em sua sala na torre sudoeste, senhorita. — Me leve até lá, Jack. Assim que me ver entrando no elevador, eu quero que você me deixe aqui e siga para esse endereço. Janete deu a Ednei um cartão de um hospital localizado a duas quadras dali e ele ficou sem entender o que aquilo significava. Ela explicou: — Quero que você faça a escolta de um paciente de lá que vai receber alta daqui a alguns minutos. Você vai abordá-lo, vai se identificar e vai garantir que ele chegue em segurança até a sua casa na Água Branca. Entendeu? Os dois caminhavam lado a lado saindo do estacionamento e já alcançavam o pátio onde as quatro torres do complexo começavam a fazer sombra sobre as suas cabeças. — Não estou autorizado a fazer iss
A FORMATURA das turmas do terceiro ano do Colégio Batista Genari aconteceu numa cerimônia cheia de pompa e circunstância num salão de festa alugado perto da Avenida Paulista e, já na colação de grau, Janete, Rarissa, Rafaela e Drica não conseguiam conter as lágrimas, vestidas de beca preta e quepe. Juju havia sido escolhida como a oradora da turma com o aval unânime do corpo docente da escola e a garota tinha escrito um discurso motivador e comovente, dando todo o tom da carreira de escritora que ela pretendia seguir. Pais, tios, madrinhas e padrinhos foram às lágrimas na plateia volumosa e alguém podia jurar que vira até mesmo o professor de Matemática, um dos sujeitos mais durões de todo o colégio, levando um lenço até os olhos. Os aplausos ao discurso de Juju foram intensos e a garota o dedicou aos pais, que a assistiam ao lado da sua amiga Lisa, do seu namorado Mario — irmão de Lisa —, da sogra Sara Cerqueira — mãe de Lisa e Mario — e dos pais de Drica, Ester e Glauco Castanho. Ti
TRÊS DIAS APÓS SAIR do hospital, Renato Castilho conseguiu entrar em contato com o representante de Mercur e marcou um encontro pessoalmente com o homem encarregado das negociações do traficante. À revelia do que a esposa, o irmão e a própria Janete o haviam sugerido fazer, o homem preferiu encarar de frente os seus problemas, mesmo sabendo que poderia ser emboscado no tal encontro e acabar morto. Os serviços prestados por Mercur e a sua equipe tinham custado mais de cem mil reais ao bolso do empresário entre os meses de julho e outubro e, quando Renato havia decidido encerrar o contrato verbal por conta própria, ainda faltava pagar mais sessenta mil aos bandidos. Janete exigiu que o pai vendesse o seu Mini Cooper que estava no seguro e cuja seguradora havia substituído o avariado por um novo, e o dinheiro que ele devia a Mercur seria abatido do valor de quase cento e cinquenta mil que o carro valia. O encontro tinha sido marcado em um galpão abandonado nos arredores de Itaquera, per
NAS FÉRIAS DE DEZEMBRO, Janete negociou um pacote de viagens com o irmão de Rarissa em sua agência Vecchio Tour e ela incluiu as duas amigas no passeio ao Rio de Janeiro que ela pretendia fazer. As três, agora maiores de idade, viajaram juntas de primeira classe na ponte aérea São Paulo-Rio e aproveitaram o pacote que incluía hotel — com café da manhã e jantar inclusos —, transporte e sete dias de passeios incríveis pelos melhores pontos turísticos da Cidade Maravilhosa. Nos três primeiros dias, as garotas fizeram questão de visitar o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, as praias de Ipanema e de Copacabana, e ainda tiveram tempo de conhecer a Barra da Tijuca e o Leblon. Foi num daqueles dias na Barra, que Janete se lembrou que tinha um conhecido na cidade e insistiu para que as amigas a acompanhassem até onde ele trabalhava. — O que? Voar de asa-delta? Deus me livre! Me borro toda de medo de altura! — disse Rafaela, sendo a primeira a se recusar a visitar o clube para praticantes de
A ILHA DE FERNANDO DE NORONHA em Pernambuco estava recebendo uma das etapas nacionais do WSL Latin America naquele início de ano e Janete Castilho estava ali para prestigiar o irmão Jonathan. Em meio a uma plateia de pouco mais de algumas dezenas de observadores na areia da praia Cacimba do Padre, ela dividia um binóculo com a amiga Rarissa Vecchio acompanhando de longe — e empolgada — as manobras radicais que o irmão fazia naquele momento nas ondas perfeitas de Noronha. Era um dia maravilhoso na ilha pernambucana. O céu estava limpo, o sol ardia intenso um calor de quase trinta e cinco graus e o mar estava favorável para a prática do surfe. — O Johnny embocou num tubo sensacional, agora, amiga! — berrou Janete, após dar alguns pulinhos na areia com várias pessoas ao seu redor olhando atentas o cenário azul diante delas. Havia gritos de incentivo a Jonathan perto de onde elas estavam. O rapaz era um dos favoritos a vencer a etapa do Hang Loose Pro Contest e estava a poucos pontos de
A FESTA NO TERRAÇO da suíte presidencial organizada pelos patrocinadores de Jonathan já estava pegando fogo quando Janete e Rarissa desceram do elevador. O prédio do hotel onde ambas estavam hospedadas desde a tarde anterior era um dos mais luxuosos da ilha toda e costumava receber muitas celebridades ao longo do ano. Havia cerca de cinquenta convidados no terraço e um grupo de garçons não parava de trabalhar, levando bebidas para cada um dos quatro cantos da badaladíssima comemoração. Janete estava trajando o único vestido de festa que havia colocado na mala antes de sair de casa, pensando justamente num momento como aquele de celebração e, estava estonteante. A saia era curta bem acima da metade das coxas e deixava as suas costas nuas com duas alças finas sustentando a frente, onde o busto avolumado ficava bastante evidente pelo decote. Seus cabelos estavam soltos e ela tinha passado um batom escuro nos lábios. Se serviu de champanhe assim que pisou na festa e pensou que ninguém ali