Simon Salvatore corria em círculos pelo jardim em uma típica brincadeira de criança de sete anos. Os bracinhos abertos e um sorriso largo na face bronzeada de sol, satisfeito com a força do vento chocando-se contra seu rosto e balançando seu cabelo negro. Era como voar. Adorava essa sensação, mas, acima de tudo, amava ouvir a risada miúda de sua amiga de brincadeiras, Paulina Perez, filha da governanta e do motorista da mansão Salvatore.
A pequena menina prestes a completar cinco anos, se encontrava sentada no tapete de retalhos sobre o assoalho de madeira da varanda, os olhos cor de mel observando com fascínio o amigo rodar e rodar.
— Vamos, Lina! É divertido — afirmou Simon efetuando mais um giro.
— Não. Da outra vez fiquei tonta, cai e mamãe brigou — lembrou, a pele alva marcada pelas bochechas levemente coradas devido o calor da manhã primaveril de novembro.
Simon parou de rodopiar. Contrariado, subiu os três degraus que levavam à varanda e sentou-se ao lado dela.
— Não tem graça sem você — resmungou fechando o semblante e arrancando um pequeno sorriso da amiga que, um pouco encabulada, colocou sua mão sobre a dele.
Os olhinhos negros de Simon admiraram o pequeno sorriso, a face corada e a beleza da Perez. Ela parecia uma boneca de porcelana como as que sua mãe guardava na prateleira mais alta do quarto que dividia com seu pai. Branquinha, lábios rosados, delicada, sempre de vestido com rendas e figuras florais. A diferença era que Paulina mantinha o cabelo preto curto e liso - diferente dos cachos longos das bonecas – e ele tinha permissão para brincar com ela. Mas a amiga muitas vezes recusava algumas brincadeiras, como subir na árvore a alguns metros dali, rodar pelo gramado e jogar bolas de lama um no outro. Mesmo assim, Simon gostava muito de Paulina e não cansava de dizer que seriam amigos para sempre.
Ouviu o som de vozes e, voltando sua atenção para o carro estacionado na lateral da mansão, viu sua mãe, Mirela Salvatore, acompanhar seu pai, Fabrício Salvatore, até o carro onde o pai de Paulina, Paulo Perez, aguardava o patrão com sua costumeira seriedade. Simon sorriu quando sua mãe deu um beijo nos lábios de seu pai antes de deixá-lo entrar no banco traseiro do carro preto. Toda manhã seus pais repetiam aquele gesto e Simon começava a se perguntar se era isso que fazia com que estivessem sempre juntos.
Voltou os olhos para a amiguinha, que também observava a cena, e sem pensar muito fechou os olhinhos e depositou um beijo nos lábios da Perez.
Foi então que tudo mudou em sua vida. Naquele breve instante, após aquele breve beijo.
De repente, Soraia, mãe dela, apareceu gritando e puxou Paulina para longe dele. Apavorado, ouviu a mulher, sempre tão gentil, repreendê-lo duramente.
Mirela, sua mãe se aproximou, confusa com a gritaria, e a mãe de Paulina contou sobre o beijo e disse que ele tinha tomado liberdades indevidas com a filha dela. As duas mulheres começaram uma discussão calorosa. Confuso, Simon chorou com medo de que seu beijo houvesse ferido a amiga e por isso a mãe dela estava tão irritada com ele.
Depois daquele dia, nunca mais a mãe de Paulina lhe deu permissão para brincarem, nem permitia que ficassem sozinhos no mesmo lugar.
Simon não entendia o que havia de tão mau em seu beijo, porém não teve coragem para perguntar ou reclamar da distância crescente entre ele e Paulina.
Passou a ter raiva, da Perez, de si mesmo e da péssima ideia de beijá-la para uni-los para sempre. O efeito foi contrário, a cada dia se afastavam, ignoravam e, com o passar do tempo, se tornaram dois estranhos na mesma casa.
~*~
Ao atravessar a porta dos fundos da mansão, Simon Salvatore lançou um olhar furtivo à Paulina Perez que conversava com o jardineiro. A presença dela era um chamariz para sua curiosidade. Nos últimos dois anos a viu poucas vezes, sempre de passagem, agora ela voltara para ficar, segundo a governanta da mansão lhe informou.
Encostou-se a uma viga da varanda e a observou, aproveitando que ela não percebeu sua presença. Com cerca de um metro e cinquenta, ela conseguia ficar ainda menor com as roupas que usava, saia longa e blusa de manga cumprida. Simon nunca entendeu o motivo de se fechar assim mesmo em dias de extremo calor, caso em que aquela tarde se encaixava. O longo cabelo preto estava amarrado na nuca, à franja farta ocultando os olhos que faziam Simon lembrar-se de mel derretido. Mesmo a distância Simon sabia que a pele clara dela estava corada por causa do calor.
Sorriu de canto e andou devagar na direção dela, presumindo que ficaria ainda mais corada quando o visse.
Sentindo-se observada, ela parou a conversa e, protegendo os olhos do sol forte com a mão, avaliou momentaneamente o homem vindo na direção dela e de Pedro, seu tio. Assim que reconheceu Simon, sentindo as mãos suando e o coração retumbando nos ouvidos, retornou sua atenção ao tio podando arbustos.
Apertou uma mão na outra, inconscientemente mordendo o lábio, a tensão apossando-se de seu corpo ao prever o que aconteceria quando o caçula dos Salvatore estivesse perto.
No geral, Simon era arrogante, convencido e um egoísta do pior tipo, que passavam pelas mulheres com indiferença devastadora.
Sua mãe, Soraia Perez, sempre a preveniu sobre homens como o Salvatore, exigindo que mantivesse distância respeitosa do filho da patroa. Paulina cresceu fazendo isso, o que nem foi bem difícil, pois Simon tinha um perturbante prazer em provoca-la.
Simon cumprimentou ambos antes de concentrar-se em Pedro, perguntando educado sobre o serviço do jardineiro e elogiando-o pelo tratamento dado aos jardins. Mesmo tentando ficar alheia a conversa, de canto de olho, Paulina analisou o Salvatore, dando-se conta, não pela primeira vez, que, quando queria, ele era agradável. Eram momentos como aquele, em que Simon se comportava com amabilidade e sorria, que Paulina entendia as mulheres ficarem perdidamente atraídas por ele.
Sem dúvida, Simon era um homem bonito, de espesso cabelo preto, insinuantes olhos escuros e estatura imponente. Até mesmo Paulina, que sabia o quanto a aparência ocultava uma personalidade terrível, tinha nutrido uma paixonite por ele na adolescência. Sentimento que suprimiu tanto por causa da insistência dele em constrangê-la, quanto pelos avisos de sua falecida mãe e de seu pai para sempre se lembrar de que não passava de uma empregada na mansão, mesmo ela sendo só filha dos empregados.
— Depois nos falamos tio. Até mais, senhor Simon! — despediu-se, incomodada em ser praticamente esquecida pelos dois homens.
Afastou-se apressada em direção a lateral da residência, em que sua família morava ha três gerações, planejando separar a roupa para a entrevista de emprego que teria na manhã seguinte.
Embora gostasse de dividir novamente o mesmo teto que a irmã mais nova, a convivência com seu pai não era fácil. Desde que perdeu seu emprego anterior, Paulo Perez insistia em que trabalhasse na faxina da mansão ou outro cargo menor. Durante anos atendeu cada anseio de seu pai, até mesmo os cursos que fez foi seguindo imposições dele, mas, diplomada em governança hoteleira, a menos que ficasse sem nenhum tostão na conta, não aceitaria menos que o cargo de governanta.
— Voltou indefinidamente para a mansão? — A voz grave de Simon às suas costas trouxe-a de volta à realidade.
Perturbada por ele a ter seguido, Paulina perguntou-se por que razão Simon cismava justamente com ela. Podia continuar seu caminho e ignora-lo, porém, se seu pai descobrisse que tratou mal o filho dos patrões a repreenderia.
— Só até encontrar um novo emprego — disse baixinho, a cabeça abaixada e os olhos evitando-o.
Ele parou a sua frente, as mãos nos bolsos e, pela curvatura da sombra no chão, notou que se inclinava na direção dela.
— Vai fritar nessa sauna que chama de roupa — ele escarneceu. — Vestida desse jeito, presumo que preencherá a vaga de freira. É esse o trabalho que procura?
Paulina puxou as mangas da blusa, apertando os dedos nas bordas, ocultando os poucos centímetros de pele exposta. Odiava quando Simon zombava de suas roupas.
Apertou os lábios, contendo a vontade de revidar, de dizer que, diferente das mulheres com as quais ele saia, ela foi criada para valorizar a decência e discrição.
— Perdeu a língua, Perez?
Inspirou fundo, tremendo de vontade de abandonar todas as regrinhas de bom comportamento, implantadas pelos pais em sua mente, e mandar Simon pastar.
— Trabalharei de governanta em um hotel — respondeu por fim.
O jeito que falou levaria qualquer um a crer que a contratação era certa, quando ainda dependia de uma última entrevista. Paulina preferia nadar com jacarés, a dar ao Salvatore mais munição para criticá-la.
Simon se endireitou, analisando-a friamente, os olhos escuros se detendo nas mãos que se apertavam, notando as dobras esbranquiçadas dos dedos, quase como se não houvesse sangue circulando neles. A face dela também estava pálida, e seus lábios estavam trêmulos e apertados, sinal claro de que Paulina estava a ponto de colapsar de nervoso.
— Não sei para quem devo desejar sorte, para você ou para quem deu o azar de contrata-la — Simon soltou dando um passo para trás. — Tente agir menos como uma ostra.
Com esse conselho sem sentido aos ouvidos de Paulina, Simon moveu-se para o lado, saindo da frente dela. Agarrando em desespero a oportunidade, Paulina seguiu a passos largos para a casa que dividia com o pai e a irmã.
Se olhasse para trás, surpreenderia Simon com um risinho divertido nos lábios.
Massageando a têmpora na esperança de amenizar as pontadas na cabeça, Simon ouvia entediado o que a morena, de olhos negros, cabelo marrom, vestindo um microvestido azul dizia. A voz dela era irritante, o cruzar e descruzar de pernas eram irritantes e as caras e bocas eram irritantes. Tudo naquela mulher o irritava, mas o principal era que ela o obrigava a perder seu precioso tempo para entrevistá-la quando era óbvio que desejava muito mais que ser sua governanta. Era evidente no modo de sorrir, de fingir ter pudor ao puxar devagar a barra do vestido ultrajusto para cobrir — obviamente sem sucesso — as coxas grossas e no modo como se inclinava por qualquer motivo oferecendo ao Salvatore uma bela visão dos seios fartos. Cerrou os olhos por um instante após a oitava vez que ela cruzou e descruzou vagarosamente as pernas desde que começara a entrevistá-la. Presumia que ela assistira Instinto Selvagem [1]demais. Não era a primeira entrevistada a se insinuar descaradament
Depois de mais uma entrevista de emprego, retornando ao seu quarto, esgotada, Paulina jogou a pasta de couro sobre a cama e caminhou até o espelho da penteadeira. Ficou distante do objeto, para poder analisar o reflexo da cabeça aos pés, procurando alguma imperfeição em seu traje. Não era sofisticado, se tratava de uma camisa branca de manga cumprida, uma saia longa e um terninho discreto, ambos na cor azul escuro. Queria parecer responsável e mais velha do que realmente era e o traje, em teoria, fornecia essa imagem, na prática, obviamente não conseguiu o efeito desejado. O dia começou bem, mas foi anuviado no momento em que o selecionador do hotel, no qual desejava trabalhar como governanta, olhou-a de cima a baixo e torceu o nariz. Foi questão de minutos para ouvir o tão conhecido “a senhorita não corresponde ao perfil desejado”. Era a terceira entrevista só naquela semana que teve de ouvir “não corresponde ao perfil” e começava a se perguntar que maldito “perfil” era esse que tod
Paulina olhava aturdida para cada canto da sala do advogado dos Salvatore, Carlos Ramos. Não pela elegância do local e sim por estar prestes a assinar um contrato para trabalhar para a pessoa que mais abominava no mundo. Tudo bem, não chegava a tanto, mas havia somente uma linha tênue para que isso ocorresse. Imaginava que debaixo do mesmo teto essa linha seria passada em questão de minutos, assim que o Salvatore insistisse em tirar sarro de sua vida “sem sal”.Tinha péssimas lembranças da época em que moravam na mansão e das vezes que visitara seu pai. Praticamente se sentira pisando em ovos, temendo encontrá-lo pelos corredores, ver o sorriso cínico e ouvir um comentário desagradável.Paulina não era uma pessoa que arranjava briga, nunca sequer levantara a voz para alguém, por isso em todas as vezes que Simon fizera um comentário idiota sobre a vi
No fim de tarde, enquanto arrumava o que levaria, Paulina se perguntava se havia tomado à decisão certa. Seu pai dissera que sim; Mirela e seu marido, Fabrício, pareciam tranquilos com a possibilidade do filho ter alguém “ajuizada” por perto; até sua irmã, Paola, suspirou ao imaginar a convivência com Simon.— Você arrumando a cama dele, de repente ele aparece só de toalha e...Balançou a cabeça diante das lembranças do que a mais nova dissera que conseguia fazer com que suas bochechas ficassem quentes. Nunca imaginara que Paola, cinco anos mais nova, pudesse ter pensamentos tão... Nem conseguia descrever.— Pronta, Lina?— Sim, dona Mirela — respondeu fechando a pequena valise.Mirela olhou para a valise e franziu a testa.— Só isso?— Sim... — gaguejou constrangida. Decidira levar pouc
— Re-regras? — Paulina sentiu-se extremamente nervosa.— Regra número um: O que acontece aqui morre aqui. — O lábio inferior de Simon tocou de leve a pele da orelha de Paulina. O toque acidental a fez tremer, o que justificou ser uma reação de repúdio. — Dois: Seus problemas não me interessam. — Simon levantou o rosto, os olhos negros luzindo e um sorriso torto nos lábios ao dizer. — Três: Diferente do Muller, empregadas não ocupam a minha cama. Embora duvide que ele tenha te tocado de forma mais íntima.Se a intenção era constrangê-la, já conseguira, então não havia necessidade de continuar com uma mão tocando-a e muito menos ficar tão próximo, o corpo praticamente empresando o seu contra a parede e a respiração com cheiro de café aquecendo sua face. Paulina desejava gritar par
De volta do jantar, antes de se aprontar para dormir, Paulina andou pelo apartamento de Simon decidida a dar o seu melhor até o dia de seu casamento.Em estado de graça, sem se importar em quão desagradável seria conviver com o Salvatore, sua mente ocupava-se montado o cenário perfeito para seu casamento, as flores, o vestido, o salão de festas, a realização de seus sonhos.Com a certeza de que no fim daquela provação teria seus esforços recompensados, minutos depois pousou a cabeça no travesseiro, caindo em sono profundo. Até ser despertada abruptamente pelo som de algo pesado caindo e vidro estilhaçando.Assustada, levantou-se, ajeitou a longa camisola de algodão e abriu a porta de seu quarto. Escutou palavrões proferidos quase aos berros vindos do corredor que levava para a sala, identificou imediatamente a voz de Simon.Caminhou insegura at&
Simon olhou para o relógio de pulso e respirou fundo. Por culpa do “lanche” feito por Paulina estava meia hora atrasado pela primeira vez desde que a SaaTore fora fundada. Por onde passava era seguido por olhares curiosos. Com certeza na hora do almoço seu atraso seria motivo de falatório.Entrou no elevador e apertou o botão para o nono andar. Antes que as portas se fechassem Tamara Saadi, do setor de criação e irmã gêmea de Gabriel, entrou e apertou distraída o botão do décimo andar. Quando ela removeu os olhos esverdeados da pilha de papéis que levava e os cravou sobre ele, Simon observou a fina sobrancelha loira se erguer com desprezo.— Atrasado pela segunda vez em uma semana — disse a jovem de cabelo loiro acobreado preso em um coque lateral. Simon supôs que ela considerava o horário que reservara para contratar uma governanta como atraso. Podia
Cantarolando, Paulina estava satisfeita por manter a ordem, o que não era difícil uma vez que Simon não era do tipo bagunceiro e o apartamento era menor que a casa de sua antiga patroa. Na noite anterior, antes do retorno de Simon, explorara cada cômodo. A decoração em todos os cômodos era em tons neutros, sem muitos adornos e um tanto impessoal em sua opinião, o que combinava com a personalidade do Salvatore. A sala de estar tinha um sofá cinza em forma de U, em que nove pessoas podiam sentar e ainda sobraria espaço; uma mesa de centro de madeira com tampo de vidro; um rack com dois gavetões, espaço para acomodar livros e os aparelhos de som, DVD e games, com painel para o televisor de tela plana. No canto havia um pequeno bar com duas banquetas. A sala de jantar era menor, com uma mesa de madeira e tampo de vidro para dez pessoas. Decidiu que a cozinha era seu cômodo favorito no momento que passou pela porta de correr. Encantara-se com os armários e