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Preciso de uma governanta

Massageando a têmpora na esperança de amenizar as pontadas na cabeça, Simon ouvia entediado o que a morena, de olhos negros, cabelo marrom, vestindo um microvestido azul dizia. A voz dela era irritante, o cruzar e descruzar de pernas eram irritantes e as caras e bocas eram irritantes. Tudo naquela mulher o irritava, mas o principal era que ela o obrigava a perder seu precioso tempo para entrevistá-la quando era óbvio que desejava muito mais que ser sua governanta. Era evidente no modo de sorrir, de fingir ter pudor ao puxar devagar a barra do vestido ultrajusto para cobrir — obviamente sem sucesso — as coxas grossas e no modo como se inclinava por qualquer motivo oferecendo ao Salvatore uma bela visão dos seios fartos.

Cerrou os olhos por um instante após a oitava vez que ela cruzou e descruzou vagarosamente as pernas desde que começara a entrevistá-la. Presumia que ela assistira Instinto Selvagem [1]demais.

Não era a primeira entrevistada a se insinuar descaradamente para ele. E em outro dia, em outro local ou até mesmo ali, após uma noite produtiva na balada, Simon aceitaria com satisfação o convite. Só que, por uma questão de bom senso, não seria louco de contratar uma mulher que faria hora-extra em sua cama. Jamais teria sexo casual com alguém que possuísse total acesso a sua casa e que em um impulso de raiva colocasse fogo em tudo.

No momento, a única coisa que desejava era contratar alguém para deixar seu apartamento em ordem, suas roupas limpas e perfeitamente alinhadas no guarda-roupa, e garantir que quando chegasse, da balada ou do trabalho, tivesse algo para comer. Um desejo simples e prático, mas pelo jeito impossível de se obter.

— O senhor pode ter certeza que realizarei cada uma de suas fantasias — a morena insinuou passando a língua pelos lábios de modo sugestivo.

Certo! Instinto Selvagem era um filme muito cabeça para aquela mulher, que com certeza vira a cruzada de pernas e o gesto libidinoso em algum filme pornô de quinta categoria.

— Senhorita Moraes, procuro uma governanta, não uma... — freou a vontade de dizer transa e se levantou. — Agradeço sua presença e, caso a escolha, irei lhe telefonar ainda essa semana. — “O que nunca vai ocorrer”, completou mentalmente enquanto andava decidido até a porta do apartamento e a escancarava. — Tenha um bom dia, senhorita Moraes.

— Aguardo ansiosa o seu telefonema, Simon.

Simon se perguntou em que ponto da entrevista dera tamanha intimidade àquela mulher para que ronronasse seu primeiro nome e o beijasse na face - e isso porque virara o rosto.

— Nova namorada, filho? — A distinta voz feminina às suas costas causou-lhe um leve tremor de apreensão.

Virou-se e observou sua mãe, Mirela Salvatore, elegante em uma combinação de saia lápis de listras brancas e pretas, camisa de manga longa branca e scarpin, caminhar na direção deles, os perspicazes olhos negros fitando com interesse a morena ao seu lado. 

— Não, mãe — respondeu temendo as consequências da interpretação errônea. — Acabei de entrevista-la para a vaga de governanta.

— Mesmo? — Mirela olhou a mulher de cima a baixo, sorriu e comentou com ironia: — Na minha época as governantas vestiam mais roupa e não deixavam marcas de batom no rosto do futuro patrão. — Ignorando o palavrão que Simon soltou após passar a mão na bochecha e ver os dedos tingidos de vermelho, completou sarcástica: — Novo tempo, novas atitudes, certo...? Qual seu nome, minha jovem?

— Fernanda Moraes.

— Fernanda... Belo nome...

Mirela supôs que deixara evidente seu desagrado, pois a mulher se despediu rapidamente deixando-a sozinha com seu filho metido a conquistador. Assim que Simon fechou a porta, perguntou:

— Pensa em contratar aquela mulher, Simon? Não falo nada da sua vida... Digamos incorreta. Mas contratar uma mulher que deseja ser mais que uma funcionária é um perigo — avisou seguindo-o pela sala. — Logo ela vai querer um anel de diamantes no dedo e um polpudo acordo de divórcio.

— Não se preocupe. Não pretendo contratá-la, e nem me casar com quem quer que seja — apressou-se a acrescentar.

Mirela franziu o cenho.

— Fico feliz que ainda tenha uma parcela de bom senso, mas espero que mude de ideia quanto a casar.

— Hum... — Simon massageou a têmpora com mais força. Quando Mirela enveredava pelo assunto casamento a conversa demorava horas para ter um fim.

— Logo fará trinta anos, precisa começar a pensar em casamento, filhos, um lar — Mirela repetiu para desagrado do filho, completando taxativa: — Preciso de netos.

— Faltam três aniversários para meus trinta anos — resmungou. — E o Alessandro já te deu dois netos.

— Simon Salvatore, só porque seu irmão tem filhos não quer dizer que não espere que você também os tenha — Mirela retrucou sentando no sofá macio, arrumando em seguida às roupas e o cabelo liso e perfeitamente tingido de preto, antes de cravar seu olhar reprovador novamente no filho caçula. — Precisa procurar uma moça para constituir algo mais duradouro que relações relâmpagos.

Simon revirou os olhos, odiando ser representado, pela enésima vez, como o filho desnaturado que não pensava no futuro e morreria sem deixar descendência.

Por um lado entendia sua mãe. Orfã aos dez anos, Mirela passara longos anos em um orfanato. Sempre que falava desse tempo era com a tristeza da perda dos laços familiares e das sucessivas rejeições devido à idade. A alegria só retornava ao recordar como conhecera o marido e juntos formaram a família de seus sonhos. Ou quase, ressaltava olhando para Simon.

Ela prezava a família. Prático, Simon prezava a si próprio.

— Sabe o que realmente preciso? — questionou jogando-se no sofá de frente para sua mãe. — Preciso de uma governanta discreta, confiável, com senso de organização e que possa morar no meu apartamento sem me atacar durante a noite — disse, deslizando a mão pela face esgotada devido às dezenas de mulheres que entrevistara. — Mas tudo indica que essa pessoa não existe.

— Conheço a mulher perfeita, querido — ouviu da matriarca.

Ignorando o enorme sorriso na face de Mirela, o que normalmente representava uma ideia carregada de segundas intenções, Simon não pensou duas vezes antes de pedir:

— Contrate-a.

Era tudo o que Mirela necessitava para entrar em ação. Levantou e marchou em passos rápidos até a porta.

— Aonde vai?

— Vou falar para Carlos preparar o contrato da sua futura governanta. À noite virei apresentá-la, querido — comunicou alegremente antes de sumir porta afora.

Alarmado ao ouvir o nome do advogado da família, Simon levantou e seguiu ao encontro dela, mas não deu tempo, só viu as portas do elevador se fecharem enquanto sua mãe acenava em despedida.

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[1] Instinto Selvagem: Suspense erótico de 1992, dirigido por Paul Verhoeven e com roteiro de Joe Eszterhas.

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