Paulina olhava aturdida para cada canto da sala do advogado dos Salvatore, Carlos Ramos. Não pela elegância do local e sim por estar prestes a assinar um contrato para trabalhar para a pessoa que mais abominava no mundo. Tudo bem, não chegava a tanto, mas havia somente uma linha tênue para que isso ocorresse. Imaginava que debaixo do mesmo teto essa linha seria passada em questão de minutos, assim que o Salvatore insistisse em tirar sarro de sua vida “sem sal”.
Tinha péssimas lembranças da época em que moravam na mansão e das vezes que visitara seu pai. Praticamente se sentira pisando em ovos, temendo encontrá-lo pelos corredores, ver o sorriso cínico e ouvir um comentário desagradável.
Paulina não era uma pessoa que arranjava briga, nunca sequer levantara a voz para alguém, por isso em todas as vezes que Simon fizera um comentário idiota sobre a vida que ela levava ou sobre seu namorado, Nathaniel Muller, somente respirava bem fundo, abaixava a cabeça — mais por vergonha do que raiva — e se limitava a ouvir em silêncio. Mas uma coisa era aguentar a implicância do Salvatore de vez em quando e outra era tolerar todo dia.
— A senhorita só tem de ler e assinar nesses locais em ambas as vias — informou Carlos apontando as linhas pontilhadas.
Paulina pegou a folha e deslizou os olhos pelas palavras, às vezes tendo de voltar ao princípio, sua angustia era tamanha que não processava nada do que estava escrito.
Tamanha hesitação para somente ler e assinar algumas linhas fez Mirela preocupar-se:
— Lina, se sente bem? Está tremendo.
— Sim... É que... — engoliu em seco. — Dona Mirela, tem certeza de que Simon me aceitará como governanta?
— Claro que vai, meu amor — ela garantiu confiante. — Ele concordou na hora quando disse que conhecia a pessoa perfeita para o cargo. Essa pessoa é você.
— Concordou?!
— Sim. Jamais contrataria alguém sem antes perguntar se ele aceitaria.
Do outro lado da mesa, Carlos evitava que um sorriso de entendimento adornasse seus lábios.
No momento em que a Salvatore lhe pedira por telefone para redigir aquele contrato, havia imaginado que havia uma intenção oculta por trás daquilo. Primeiro por conhecer a antipatia entre Simon e Paulina. Era impossível não notar visto que o Salvatore mais novo fazia questão de dizer na frente da jovem que não entendia a mania de santa dela, entre outros comentários que faziam a Perez corar e desviar os olhos para um ponto entre os próprios pés. Segundo, Mirela nunca dava um passo sem imaginar como lucraria com isso.
Observando a jovem assinar apressada todas as folhas, deixou o sorriso se libertar ao imaginar que era uma questão de tempo para saber se o plano da matriarca Salvatore era o que suspeitava.
~*~
Com o celular contra a orelha, Simon sentia que teria uma nova dor de cabeça. Telefonara para a mansão e fora informado que Mirela não se encontrava, então passara as últimas quatro horas ligando para o número de celular dela e nada.
— Senhor Simon, há uma ligação na linha três... — Cherry começou a dizer ao entrar na sala do presidente, sendo interrompida pelo ansioso chefe antes de completar o recado.
— Da minha mãe?
Cherry o encarou tensa, estava ciente do estado de nervos de Simon por não conseguir contato com Mirela.
— É do senhor Nathaniel Muller da empresa Muller — respondeu devagar, colocando um pé para trás para facilitar a fuga caso o chefe tivesse algum acesso de raiva. — Solicita falar diretamente com o senhor.
— Sobre o quê? — perguntou. A raiva relampejando em seu rosto aumentando o medo da funcionária.
— Ele não disse...
— Porque passou uma ligação sem saber o que querem falar comigo?
— Eu perguntei, mas...
— Esquece, pode sair que atendo a porcaria dessa ligação.
— Sim, senhor! — Cherry praticamente correu porta afora.
Simon voltou sua atenção para o telefone sobre a escrivaninha, observando o número três piscando. Depois da seção de sedução barata, de esquecer que sua mãe nunca tinha ideias inocentes e de não conseguir saber a droga do nome da nova espiã de Mirela, agora seria obrigado a ouvir a voz insuportável do sedutor de empregadas alheias.
Pegou o fone e apertou com força o botão três.
— Simon Salvatore, com quem falo?
— Oi, Simon, sou eu, o Nathaniel. Há quanto tempo não nos falamos?
“Não o suficiente”, respondeu em pensamento.
— Desde o Natal — informou afundando o corpo na poltrona. Por ironia do destino, apesar de evitar ficar no mesmo ambiente que o Muller, seu irmão casará com a viúva do primo de Nathaniel unindo as famílias. Em todo evento que sua mãe desejava a família reunida – incluindo agregados - era obrigado a suportar a presença odiosa do ex-amigo. — Não ligou para isso, correto? — Se fosse Paulina podia se considerar viúva antes de casar. Se é que ela pretendia casar com aquela mula em forma humana.
— Não! — respondeu o Muller, transbordando alegria pela voz, o que só fez aumentar a irritação do Salvatore. — A empresa Muller pretende lançar uma nova linha de perfumes e maquilagem, então pensei... — “Mula pensa?”, Simon se perguntou sorrindo com cinismo enquanto o ouvia sem o menor interesse. —... em contratar os serviços da empresa SaaTore.
— Hum, estamos com a agenda cheia para esse mês, não sei se poderemos conciliar. — Em parte era verdade, a agenda da empresa estava lotada, mas recusava simplesmente porque não gostava de se imaginar trabalhando para aquele idiota.
— Será lançada em dois ou três meses, até lá...
— Não sei, tenho que falar com meu sócio — interrompeu-o para evitar se estender no assunto. Não aceitaria e ponto final.
— Posso falar com o Gabriel e...
— Não se preocupe, avaliarei pessoalmente a possibilidade, não precisa incomodar o Gabriel — mentiu para evitar que Nathaniel falasse com o sócio, que com certeza aceitaria.
— Ótimo. — Simon achava impressionante o quanto era fácil enganar o Muller. — Seremos como nos velhos tempos, três amigos trabalhando juntos...
— Nunca trabalhamos juntos, só estudamos, é bem diferente — Simon recordou querendo acrescentar que não eram amigos.
— Eram ótimos tempos, lembra?
Não, ele não lembrava.
— Foi graças a você que conheci a Lina, o meu anjinho. — Nathaniel riu com felicidade, enquanto Simon sentia uma vontade enorme de perguntar quando o imbecil pararia de dizer baboseiras e encerraria a ligação. — Sabe, agora que me estabilizei na minha empresa penso em pedi-la em casamento e gostaria que fosse meu padrinho...
— Estou ocupado no momento, conversaremos a esse respeito outra hora. — “De preferência nunca, que é quando vou aceitar suas propostas”, acrescentou em pensamento.
— Sim, claro. E quando poderemos falar do contrato?
— Te ligo assim que resolver com o Gabriel — respondeu encerrando ele mesmo a ligação. Apostava que Nathaniel ficaria pendurado na linha durante horas se deixasse. — Só mesmo a virtuosa Paulina para aturar essa anta — disse com desdém após virar sua poltrona para fixar os olhos negros em um ponto qualquer da vista que a janela de seu escritório fornecia. — Se merecem.
— Quem merece o quê?
Voltou sua poltrona para o lugar e observou o sócio se aproximar.
— Ninguém em especial.
— Acabei de falar com Cherry que me disse que o Nathaniel telefonou. O que ele queria?
— Relembrar os velhos tempos — respondeu desejando que a secretária mantivesse a língua grande dentro da boca. — Veio aqui só para saber disso?
— Não. — Gabriel tinha vontade de perguntar mais sobre a ligação, mas conhecendo o estranho ódio que o Salvatore adquirira pelo Muller resolveu abordar o assunto que o levara até ali. — Tamara nos convidou a uma festa de uma de suas amigas. É em uma danceteria aqui perto. — Estendeu o convite.
— Sinceramente, não terei cabeça pra festas enquanto não souber quem minha mãe contratou — disse, pegando o convite por educação e guardando-o no bolso do paletó.
— Ainda não conseguiu arrancar a informação?
— Quando Mirela quer ninguém consegue falar com ela — resmungou olhando de esguelha para o celular sobre a escrivaninha. — Daqui vou direto para casa esperar minha mãe aparecer com a bendita governanta.
No fim de tarde, enquanto arrumava o que levaria, Paulina se perguntava se havia tomado à decisão certa. Seu pai dissera que sim; Mirela e seu marido, Fabrício, pareciam tranquilos com a possibilidade do filho ter alguém “ajuizada” por perto; até sua irmã, Paola, suspirou ao imaginar a convivência com Simon.— Você arrumando a cama dele, de repente ele aparece só de toalha e...Balançou a cabeça diante das lembranças do que a mais nova dissera que conseguia fazer com que suas bochechas ficassem quentes. Nunca imaginara que Paola, cinco anos mais nova, pudesse ter pensamentos tão... Nem conseguia descrever.— Pronta, Lina?— Sim, dona Mirela — respondeu fechando a pequena valise.Mirela olhou para a valise e franziu a testa.— Só isso?— Sim... — gaguejou constrangida. Decidira levar pouc
— Re-regras? — Paulina sentiu-se extremamente nervosa.— Regra número um: O que acontece aqui morre aqui. — O lábio inferior de Simon tocou de leve a pele da orelha de Paulina. O toque acidental a fez tremer, o que justificou ser uma reação de repúdio. — Dois: Seus problemas não me interessam. — Simon levantou o rosto, os olhos negros luzindo e um sorriso torto nos lábios ao dizer. — Três: Diferente do Muller, empregadas não ocupam a minha cama. Embora duvide que ele tenha te tocado de forma mais íntima.Se a intenção era constrangê-la, já conseguira, então não havia necessidade de continuar com uma mão tocando-a e muito menos ficar tão próximo, o corpo praticamente empresando o seu contra a parede e a respiração com cheiro de café aquecendo sua face. Paulina desejava gritar par
De volta do jantar, antes de se aprontar para dormir, Paulina andou pelo apartamento de Simon decidida a dar o seu melhor até o dia de seu casamento.Em estado de graça, sem se importar em quão desagradável seria conviver com o Salvatore, sua mente ocupava-se montado o cenário perfeito para seu casamento, as flores, o vestido, o salão de festas, a realização de seus sonhos.Com a certeza de que no fim daquela provação teria seus esforços recompensados, minutos depois pousou a cabeça no travesseiro, caindo em sono profundo. Até ser despertada abruptamente pelo som de algo pesado caindo e vidro estilhaçando.Assustada, levantou-se, ajeitou a longa camisola de algodão e abriu a porta de seu quarto. Escutou palavrões proferidos quase aos berros vindos do corredor que levava para a sala, identificou imediatamente a voz de Simon.Caminhou insegura at&
Simon olhou para o relógio de pulso e respirou fundo. Por culpa do “lanche” feito por Paulina estava meia hora atrasado pela primeira vez desde que a SaaTore fora fundada. Por onde passava era seguido por olhares curiosos. Com certeza na hora do almoço seu atraso seria motivo de falatório.Entrou no elevador e apertou o botão para o nono andar. Antes que as portas se fechassem Tamara Saadi, do setor de criação e irmã gêmea de Gabriel, entrou e apertou distraída o botão do décimo andar. Quando ela removeu os olhos esverdeados da pilha de papéis que levava e os cravou sobre ele, Simon observou a fina sobrancelha loira se erguer com desprezo.— Atrasado pela segunda vez em uma semana — disse a jovem de cabelo loiro acobreado preso em um coque lateral. Simon supôs que ela considerava o horário que reservara para contratar uma governanta como atraso. Podia
Cantarolando, Paulina estava satisfeita por manter a ordem, o que não era difícil uma vez que Simon não era do tipo bagunceiro e o apartamento era menor que a casa de sua antiga patroa. Na noite anterior, antes do retorno de Simon, explorara cada cômodo. A decoração em todos os cômodos era em tons neutros, sem muitos adornos e um tanto impessoal em sua opinião, o que combinava com a personalidade do Salvatore. A sala de estar tinha um sofá cinza em forma de U, em que nove pessoas podiam sentar e ainda sobraria espaço; uma mesa de centro de madeira com tampo de vidro; um rack com dois gavetões, espaço para acomodar livros e os aparelhos de som, DVD e games, com painel para o televisor de tela plana. No canto havia um pequeno bar com duas banquetas. A sala de jantar era menor, com uma mesa de madeira e tampo de vidro para dez pessoas. Decidiu que a cozinha era seu cômodo favorito no momento que passou pela porta de correr. Encantara-se com os armários e
Ao ser informado por Cherry que Mirela e Paulina estavam no prédio, Simon as deixou entrar em seu escritório.— Bom dia, bebê! — cumprimentou Mirela abraçando-o.Odiava quando sua mãe o chamava assim, mas reclamar não adiantaria de nada.— É bom vê-la também, mãe. — Afastou o corpo, colocando fim ao abraço. — Precisava mesmo conversar com você.— Sobre o que?Simon olhou em direção a governanta. Ela permanecia muda ao lado da porta, as mãos unidas em frente ao corpo e os olhos abaixados. A submissão em pessoa.— Perez, faça um café para mim. — Paulina ergueu o olhar surpresa. — Peça para Cherry mostrar a copa.Ela assentiu e saiu apressada.Quando a porta se fechou, com uma delicadeza que contrastava com a rapidez que a jovem saíra, Mirela
Com desgosto, Simon observou a pressa da governanta em sair e lamentou ter assinado o contrato. No entanto, logo relembrou seus motivos. Seria cansativo e demorado procurar outra pessoa, estava sem paciência para novas entrevistas e relegar essa função também não o agradava. Pegou o celular, acessou a agenda e percorreu as fileiras de nomes sem grande interesse até selecionar um. — Aqui é Simon Salvatore. Quer jantar em minha casa hoje? — soltou logo que a voz feminina foi ouvida. ~*~ Colocando a última travessa na mesa de jantar, Paulina admirou seu trabalho. Tudo estava perfeito e em uma quantidade suficiente para duas pessoas. Esperava que Simon aprovasse. Mordeu o lábio inferior duvidando de tamanha sorte. De qualquer forma, mesmo que gostasse, Simon nada falaria. Como se seu pensamento criasse vida, ouviu a voz de Simon lhe chamando. Apressou-se a chega na sala e se surpreendeu com a visão que teve. A visita de Simon parecia uma m
Graças à carona de Simon chegou à residência dos Muller no horário que combinara com a mãe dele, Carlota, por telefone dias antes. Meia hora depois seu pai e sua irmã chegaram e, juntamente com sua sogra, seguiram para a sala de estar.Carlota era uma anfitriã excelente, extrovertida e bem humorada. Paulina prestava atenção em cada gesto dela, memorizando para usar no futuro, embora duvidasse que conseguisse agir com tanta espontaneidade. Entreter pessoas, falar com elas sobre assuntos variados não fazia parte de sua personalidade. Tinha receio de desapontar Nathaniel quando recebessem convidados após o casamento.Sua preocupação com eventos futuros só não era maior porque seu noivo estava atrasado, muito atrasado. Sentada entre a irmã e o pai, que olhava a todo o momento o relógio, ficava difícil ignorar esse fato.Meio dia passou