De volta do jantar, antes de se aprontar para dormir, Paulina andou pelo apartamento de Simon decidida a dar o seu melhor até o dia de seu casamento.
Em estado de graça, sem se importar em quão desagradável seria conviver com o Salvatore, sua mente ocupava-se montado o cenário perfeito para seu casamento, as flores, o vestido, o salão de festas, a realização de seus sonhos.
Com a certeza de que no fim daquela provação teria seus esforços recompensados, minutos depois pousou a cabeça no travesseiro, caindo em sono profundo. Até ser despertada abruptamente pelo som de algo pesado caindo e vidro estilhaçando.
Assustada, levantou-se, ajeitou a longa camisola de algodão e abriu a porta de seu quarto. Escutou palavrões proferidos quase aos berros vindos do corredor que levava para a sala, identificou imediatamente a voz de Simon.
Caminhou insegura até a origem do barulho, parando na divisão entre a sala e o corredor para espreitar o ambiente. Com um misto de choque e resignação – e nenhum traço de surpresa -, na claridade da sala viu um desconhecido levantando com dificuldade Simon do chão.
— Me larga! — Simon esbravejava tentando levantar-se sem ajuda, mas fracassando miseravelmente.
— O que aconteceu? — perguntou preocupada ao aproximar-se do Salvatore, que a afastou ordenando com voz pastosa:
— Sai daqui! Você é a culpada de tudo...
O forte odor de álcool invadiu as narinas da Perez, anunciando o motivo do estado dele.
— Ele bebeu além da conta — comunicou o estranho forçando Simon a ficar de pé. — Precisa de uma boa noite de sono. Pode me levar ao quarto dele?
Paulina assentiu e guiou o homem até o dormitório do Salvatore, pedindo para segura-lo tempo suficiente para puxar os cobertores.
Simon foi colocado sobre a cama, Paulina retirou seus sapatos e o cobriu, ajeitando-o para que não passasse frio.
O homem, que observava tudo com atenção, sorriu quando se voltou para acompanha-lo a saída.
— Sou Hernando Gomez, segurança da SaaTore — apresentou-se, observando-a com indisfarçável curiosidade. — Você é... hum... namorada do Salvatore?
— Hã? Não, lógico que não. Sou a governanta, Paulina Perez, e tenho um noivo — corrigiu nervosamente mostrando o anel de noivado.
Hernando olhou a joia e assentiu complacente, levando Paulina a perceber que exagerara em sua resposta. Pela pergunta hesitante, o segurança já devia imaginar que não era namorada de Simon, no mínimo imaginava que era amante dele. Respirou fundo para se recompor enquanto o encaminhava para a saída.
— Agradeço por trazer o senhor Simon.
— Se eu não trouxesse ele acabaria dormindo no chão do bar... — ele confidenciou sorrindo, logo em seguida ficando sério ao pedir: — Assim que ele acordar diga para evitar a irmã do Gabriel, Tamara.
— Sim...
— Ah! Boa sorte com o Simon! Pelo que percebi você vai precisar.
Paulina não teve tempo de perguntar o que ele queria dizer com aquilo. Hernando desapareceu dentro do elevador.
~*~
Simon despertou com uma forte dor de cabeça. Bebera muito na noite anterior e não fazia ideia de como chegara ao apartamento, muito menos em seu quarto. Levantou-se, abriu a gaveta de onde retirou uma cartela de remédio para dor de cabeça e engoliu um a seco.
Entrou no banheiro de seu quarto para tomar um banho frio. Sempre ajudava quando acordava passando mal.
Logo estava vestido e pronto para mais um dia de trabalho.
— Bom dia, senhor Simon! — Ouviu quando estava no meio da sala.
Parou e olhou para a Perez em seu insosso terninho cinza e saia longa da mesma cor.
— O que tem de bom? — resmungou massageando o topo da cabeça.
— Está com dor de cabeça? — perguntou a Perez se aproximando preocupada. — Ontem chegou trombando e...
— Quer fazer o favor de calar a boca? — Simon pediu rude, fazendo a Perez fitá-lo com receio.
— E-eu preparei um café bem forte... Está na sala de jantar.
Simon se surpreendeu por ela, aparentemente, ter conseguido saber onde a sala de jantar ficava, mas não demonstrou. Preferiu ignorá-la e continuar seu caminho em direção à porta.
— Não preciso de nada vindo de você.
Paulina passou à sua frente e o impediu de prosseguir.
— Eu sei que começamos mal... Mas pretendo cumprir o contrato... Cuidar de você como Mirela deseja...
— Não preciso de outra mãe, a que tenho já me da dor de cabeça suficiente — retrucou o Salvatore. — Melhor que vá cuidar do idiota do seu namorado... Ou devo dizer noivo?
— Noivo — ela respondeu com um breve sorriso.
— Que seja! — resmungou dando de ombros ao se desviar dela para sair.
— Senhor Simon, por favor... — Percebendo que ele não tinha a menor intenção de atendê-la, Paulina juntou coragem e se postou a frente da porta. — Não vou deixá-lo sair — comunicou firme.
Simon ficou surpreso com a determinação da governanta. Observou a pele lívida adquirir um tom rosado e admirou os olhos belicosos fixos no seu, sem temor, diretos e sem a menor intenção de se desviar pela primeira vez em anos.
— Como uma nanica conseguiria evitar a minha saída? — perguntou contendo a vontade de rir da expressão ultrajada da morena. — Sai da frente, Perez.
Devagar, Paulina saiu da frente da porta e Simon colocou a mão na maçaneta se sentindo vitorioso até ouvir a voz doce, de costas para ele, informar:
— Se sair pedirei demissão e a culpa será sua — ameaçou na esperança da multa fazê-lo retroceder.
Simon apertou a maçaneta com força. Demorou a dizer algo e quando o fez seu tom era mordaz.
— E quem disse que me importo? — Abriu a porta.
Paulina suspirou e com passos lentos seguiu na direção da sala de jantar. Ouviu o som da porta sendo fechada com brusquidão. Seu blefe não dera certo. Deveria ter imaginado que Simon, sendo podre de rico, não se importaria de perder algumas somas de dinheiro. O pior seria encará-lo quando ele retornasse do trabalho e ela continuasse ali, porque não iria embora. Havia dito ao pai que conseguiria.
Aproximou-se da mesa posta e estava prestes a retirar a jarra de suco quando uma voz fria lhe perguntou:
— Não acha que exagerou na quantidade, Perez?
Paulina se virou surpresa e ao mesmo tempo feliz por Simon ter continuado no apartamento. Instintivamente sorriu.
— É para dar energia no trabalho.
— Energia para um batalhão — retrucou Simon desviando o olhar dos lábios sorridentes para a mesa. — Só vou tomar um café e sair.
— Não! — disse com o tom de voz alterado, corando quando Simon a fitou com uma sobrancelha erguida. — Te-tem que co-comer pelo menos algumas bo-bolachas. — Respirou fundo, puxou uma cadeira e disse com suavidade. — Sente-se e coma, vai lhe fazer bem.
Simon se sentou e a contragosto pegou uma bolacha e comeu. Paulina colocou uma xícara de café à sua frente e depois de sorver o líquido, Simon a olhou surpreso.
— Forte e com pouco açúcar.
— Não está do jeito que gosta? Posso fazer outro...
— Não é preciso. Só estranhei que saiba de algo que gosto.
— Sempre acompanhei minha mãe na cozinha e depois Núbia... Sei do que todos da mansão gostam.
Simon se inclinou para o lado com um brilho enigmático nos olhos.
— Sabe mesmo? Do que mais eu gosto?
— Er... Você gosta desse. — Paulina puxou um bolo.
— Não curto doce — negou Simon e olhou com desdém para o bolo com cobertura de chocolate. — Há apenas um bolo que gosto, um que minha mãe aprendeu a fazer há pouco tempo.
— Na verdade, Mirela me pediu certa vez que fizesse um bolo para você e dissesse que tinha sido ela — confidenciou a Perez cortando uma fatia do bolo e colocando em um pratinho. — Mas não revele que te contei.
Simon a encarou surpreso e voltou os olhos para o bolo. Deu uma garfada e comeu para tirar a dúvida. Sim, o sabor diferente dos doces que durante anos sua mãe tentara lhe empurrar era aquele.
— É feito com chocolate amargo e café — informou a Perez, respondendo uma das perguntas que Mirela sempre se negava a dizer. — Não é muito doce porque você “não curte doce”.
Simon a olhou irritado pelo remendo, mas pela expressão da Perez percebeu que era somente algo que ela percebera sobre ele, quando por tantos anos achara que ela nem ao menos o enxergava.
Respirou fundo e voltou a comer mais um pedaço de bolo. Ao fim levantou e sorriu de lado para a Perez que permanecera de pé ao seu lado durante todo o tempo.
— Pronto. Satisfeita? Comi como queria, agora posso ir trabalhar, mamãe?
— Si-sim — respondeu Paulina ruborizada.
Simon olhou para o relógio de pulso e respirou fundo. Por culpa do “lanche” feito por Paulina estava meia hora atrasado pela primeira vez desde que a SaaTore fora fundada. Por onde passava era seguido por olhares curiosos. Com certeza na hora do almoço seu atraso seria motivo de falatório.Entrou no elevador e apertou o botão para o nono andar. Antes que as portas se fechassem Tamara Saadi, do setor de criação e irmã gêmea de Gabriel, entrou e apertou distraída o botão do décimo andar. Quando ela removeu os olhos esverdeados da pilha de papéis que levava e os cravou sobre ele, Simon observou a fina sobrancelha loira se erguer com desprezo.— Atrasado pela segunda vez em uma semana — disse a jovem de cabelo loiro acobreado preso em um coque lateral. Simon supôs que ela considerava o horário que reservara para contratar uma governanta como atraso. Podia
Cantarolando, Paulina estava satisfeita por manter a ordem, o que não era difícil uma vez que Simon não era do tipo bagunceiro e o apartamento era menor que a casa de sua antiga patroa. Na noite anterior, antes do retorno de Simon, explorara cada cômodo. A decoração em todos os cômodos era em tons neutros, sem muitos adornos e um tanto impessoal em sua opinião, o que combinava com a personalidade do Salvatore. A sala de estar tinha um sofá cinza em forma de U, em que nove pessoas podiam sentar e ainda sobraria espaço; uma mesa de centro de madeira com tampo de vidro; um rack com dois gavetões, espaço para acomodar livros e os aparelhos de som, DVD e games, com painel para o televisor de tela plana. No canto havia um pequeno bar com duas banquetas. A sala de jantar era menor, com uma mesa de madeira e tampo de vidro para dez pessoas. Decidiu que a cozinha era seu cômodo favorito no momento que passou pela porta de correr. Encantara-se com os armários e
Ao ser informado por Cherry que Mirela e Paulina estavam no prédio, Simon as deixou entrar em seu escritório.— Bom dia, bebê! — cumprimentou Mirela abraçando-o.Odiava quando sua mãe o chamava assim, mas reclamar não adiantaria de nada.— É bom vê-la também, mãe. — Afastou o corpo, colocando fim ao abraço. — Precisava mesmo conversar com você.— Sobre o que?Simon olhou em direção a governanta. Ela permanecia muda ao lado da porta, as mãos unidas em frente ao corpo e os olhos abaixados. A submissão em pessoa.— Perez, faça um café para mim. — Paulina ergueu o olhar surpresa. — Peça para Cherry mostrar a copa.Ela assentiu e saiu apressada.Quando a porta se fechou, com uma delicadeza que contrastava com a rapidez que a jovem saíra, Mirela
Com desgosto, Simon observou a pressa da governanta em sair e lamentou ter assinado o contrato. No entanto, logo relembrou seus motivos. Seria cansativo e demorado procurar outra pessoa, estava sem paciência para novas entrevistas e relegar essa função também não o agradava. Pegou o celular, acessou a agenda e percorreu as fileiras de nomes sem grande interesse até selecionar um. — Aqui é Simon Salvatore. Quer jantar em minha casa hoje? — soltou logo que a voz feminina foi ouvida. ~*~ Colocando a última travessa na mesa de jantar, Paulina admirou seu trabalho. Tudo estava perfeito e em uma quantidade suficiente para duas pessoas. Esperava que Simon aprovasse. Mordeu o lábio inferior duvidando de tamanha sorte. De qualquer forma, mesmo que gostasse, Simon nada falaria. Como se seu pensamento criasse vida, ouviu a voz de Simon lhe chamando. Apressou-se a chega na sala e se surpreendeu com a visão que teve. A visita de Simon parecia uma m
Graças à carona de Simon chegou à residência dos Muller no horário que combinara com a mãe dele, Carlota, por telefone dias antes. Meia hora depois seu pai e sua irmã chegaram e, juntamente com sua sogra, seguiram para a sala de estar.Carlota era uma anfitriã excelente, extrovertida e bem humorada. Paulina prestava atenção em cada gesto dela, memorizando para usar no futuro, embora duvidasse que conseguisse agir com tanta espontaneidade. Entreter pessoas, falar com elas sobre assuntos variados não fazia parte de sua personalidade. Tinha receio de desapontar Nathaniel quando recebessem convidados após o casamento.Sua preocupação com eventos futuros só não era maior porque seu noivo estava atrasado, muito atrasado. Sentada entre a irmã e o pai, que olhava a todo o momento o relógio, ficava difícil ignorar esse fato.Meio dia passou
Existia um motivo para Simon visitar poucas vezes os pais, praticamente o mesmo que o fizera se mudar anos antes: Mirela e sua mania de lhe arranjar uma namorada.Fora pisar os pés na mansão para que sua mãe desafiasse sua paciência elaborando planos para o seu futuro. Depois do interrogatório sobre sua vida amorosa, sua mãe passara a enaltecer as filhas de suas amigas.— Ela é uma mulher muito linda...— Não duvido — resmungou entediado, mas sem surtir efeito na empolgação da matriarca.— É formada em pedagogia. Uma pessoa agradável, de boa família...— Sim. Acredito.— Perfeita para um relacionamento sério...— Sei.— E ela te acha atraente...— Hum!— Está me ouvindo?— Estou.— Mas não liga para o que digo, nã
Simon alcançou Paulina perto da porta principal e teve de segurar seu braço para que parasse. Ela o afastou bruscamente e ele só não zombou da atitude tempestuosa por notar as lágrimas nos cantos dos olhos claros.— Vamos para casa.Melancólica, Paulina concordou e não ofereceu resistência quando Simon a segurou novamente pelo braço, deixando-se guiar até o carro dele.Por meia hora o caminho foi feito em um silêncio constrangedor. Mais tranquila e ligeiramente envergonhada da forma que saíra da mansão Salvatore, Paulina apertou as mãos, incerta do que deveria falar para quebrar a tensão dentro do carro, decidiu começar pelo pedido que seu noivo fizera para ele.— Nathaniel me contou que pediu para você ser padrinho dele...— E eu disse que aceitaria se você quisesse — comentou Simon sem tirar os olhos da
Ao abrir a porta do quarto Fabrício Salvatore foi surpreendido pela barulheira. Parou no umbral, a mão firme na maçaneta, atento aos diversos sons que reverberavam no cômodo. Metal batendo em uma superfície, farfalhar de roupas e resmungos incompreensíveis. Observou uma almofada voar do closet, cair no chão e dar diversas piruetas até chocar-se contra a cama de casal.Pesando suas opções, olhou para o corredor as suas costas e depois para o closet. Não que houvesse muitas quando se era casado com Mirela. Resignado, atravessou a porta e a fechou, seguindo na direção dos gritinhos femininos de frustação.A desordem dominava o lado destinado à esposa, as prateleiras do alto estavam reviradas ou vazias, no chão os objetos que as ocupavam: roupas, travesseiros e caixas abertas com chapéus, vestidos de festa e casacos. Mirela movia a escada para outra