Chego a cidade e me deparo com um clima estranho. O céu está nublado e não há pessoas nas ruas, nem no trânsito ou qualquer barulho de carro. Uma verdadeira cidade abandonada.
Nunca entrei em uma cidade tão calada, onde o vento faz mais barulho do que as pessoas.
Encontrar o Manicômio não foi difícil, ele é afastado e cercado por imensas árvores e por um solo escurecido que faz parecer que está de noite às dez horas da manhã. Aceitei um serviço semanal onde tenho que aparecer todas as quartas, mas decidi vir antes conhecer o ambiente onde terei que trabalhar, observar os pacientes e escolher um que eu pudesse tratar.
Eu pensei que seria fácil, que não teria muito o que fazer, que a cidade fosse calma, serena e bem luminosa, mas tudo aconteceu ao contrário.
– Sim, se ele é o único que não é barulhento e não é agressivo deve ser o mais apto a sair daqui.
Agora parece que ela está sem ar.
– Desculpe Dr. Price, mas não tem como ele querer sair daqui – Ela suspira e continua a andar – Às vezes a única maneira de identificar um paciente é conhecendo seu silêncio e seu barulho, alguns aqui podem ser silenciosos, mas no fundo são os piores e os barulhentos os mais normais.
Samanta parece ofendida com o que eu disse. Será que tem alguma ligação entre ela e esse paciente tão ruim como ela diz?
– Sinto muito, terei que deixá-lo aqui. Bridget irá acompanhá-lo agora, eu o encontrarei na ala de jogos, tenho que olhar meu paciente.
Samanta me leva de volta para a entrada e fala com a enfermeira loira atrás do balcão que levanta rapidamente para me
Antes de ir embora passo na sala da superior e pego com ela a ficha da garota silenciosa, sua ficha é lotada de papéis. Mas se quero tratá-la tenho que aprender cada pedaço de sua vida e mente, incluindo aquele que a fizeram parar aqui.
– Eu apenas sugeri tratar o paciente que dorme nos quartos – Admito e ela dá uma risada alta.
– E esse foi seu erro, ela anda dormindo com esse paciente – Minha expressão de espanto não supera as risadas dela, apenas as intensifica mais – Ele pode até ser bonito, mas eu não dormiria com um doido.
Bridget me mostra onde é o refeitório. É um enorme salão com cinco fileiras ainda maiores de mesas brancas e ao final de todas as filas, há um balcão de metal como o que fica em colégios, com várias repartições para as comidas.
Após o refeitório é a vez dos banheiros. Acredito que não seja permitido dizer o que acontece ali, mas Bridget conta que são os enfermeiros que dão os banhos nos pacientes e é um banho de mangueira. Ela nunca quis dar o banho nos pacientes, porque muitos outros enfermeiros acabam agredindo os pobres e indefesos.
Dada a hora Bridget nem me pergunta se já são onze horas, ela mesma me leva para ver a ala de jogo. Quando chegamos temos que esperar enquanto uma fila inteira de pacientes entra vagarosamente. Alguns são baixos, altos, outros de pele escamosa, pele clara e pele escura. Mas há um entre eles, um alto e de cabelos escuros que chama a minha atenção pois ele parece normal demais, entre os outros. Ele sorri o tempo todo e conversar com todos os enfermeiros além dos próprios colégas pacientes.
Assim que todos entram, espero Bridget entrar primeiro para não me sentir um intruso, mesmo assim ouço vozes masculinas, roucas, graves e femininas chamando seu nome como se uma pessoa importante estivesse os visitando, mas param quando me coloco ao seu lado.
– Se estiver desconfortável pode se sentar próximo ao enfermeiro, eu preciso ver alguns pacientes – Ela sugere e eu concordo.
Caminho para o outro lado da sala onde há um enfermeiro de pele escura observando os pacientes em silêncio, ao lado de um sofá velho verde. Quando me aproximo seus olhos caem sobre mim. Seu olhar de estranhamento.
– Bom dia, sou o Doutor Price.
Ofereço minha mão a ele e seu aperto é forte e firme.
– Sou o enfermeiro John Galt, seja bem-vindo ao Santi's.
– Obrigado, preciso fazer algumas observações e escolher um paciente, se importa se eu fizer algumas perguntas sobre eles? Pelo o que parece a enfermeira que me ajudaria está ocupada.
– Sim, é claro que pode.
Sento-me no sofá e tenho certeza que senti as madeiras ao sentar. Olho todos os pacientes um por um. Concentro-me na maneira como cada um deles age, como falam, como riem de brincadeiras bestas, ou como reagem a situações sérias e no meio de todos está o mesmo homem alto que vi na fila antes de entrar, aquele que pensei ser normal para estar no Hospício. Ele está ao lado de Bridget flertando com ela e a perseguindo de um lado a outro.
Assim que começo a seguir com os olhos os passos dele, percebo algo que não havia percebido antes. Na frente da janela em uma poltrona verde, há uma pessoa sentada concentrada em olhar pela janela. Está chovendo e noto que seu rosto não se movimenta um centímetro se quer ao som dos outros pacientes.
Não há uma parte de seu corpo a amostra como os outros. Ele está usando uma blusa preta maior que seus braços e segura as mangas. Usa também uma calça de moletom preta e sapatos fechados também pretos. Sua blusa tem um capuz que cobre seu rosto e cabelo, impedindo-me de ter certeza se é mulher ou homem.
Olho para John e levanto do meu lugar.
– Quem...
Sou interrompido pelo barulho da porta rangendo, Samanta entra e vem na minha direção.– Sr. Price, como vai a escolha? Já se decidiu?
– Na verdade, eu estou curioso sobre aquela pessoa – Aponto para a janela.
O Hospício é cercado por uma enorme grade e muros espessos. O portão principal é vigiado por quatro guardas com uniformes preto e armas nas mãos. Assim que entro consigo ver melhor a estrutura do local. Janelas retangulares, a porta da frente é de madeira polida e grossa. A cor do Hospício já foi branca, agora graças ao tempo e as chuvas excessivas está preto em algumas extremidades.
Na verdade, ele se assemelha muito com as casas que eram habitadas antigamente, onde havia quartos demais para poucas pessoas.
Estaciono o carro e caminho até a porta notando ao olhar em volta algumas enfermeiras com pacientes do outro lado de uma grade que separa o estacionamento dos pacientes ali fora. Bato a porta sentindo um desejo enorme de sair o quanto antes desse lugar.
Uma mulher vestida de branco e cabelo alaranjado atende a porta. Ela sorri ao me ver.
– Sim, posso ajudar? – Sua voz é suave.
– Sou Ian Price, o novo psicólogo – Estendo minha mão e ela a segura firme – Desculpe não ter avisado, mas decidi vir hoje apenas para escolher o meu paciente e conhecer o lugar.
– Claro, entre. – Ela se afasta da porta, dando espaço para que eu entre – Eu chamarei minha superior.
Entro tentando não parecer assustado com o local – pelo menos assustado pela parte de fora do hospício, porque por dentro, como eu havia pensado parecia mesmo como as antigas casas, mas com um ar de solidão.
A enfermeira ruiva se afasta entrando em uma sala próxima a um balcão, onde está outra enfermeira, loura e de olhos azuis. Muito bonita por sinal.
Assim que volto a olhar para a porta, uma mulher que parece estar na casa dos quarenta aparece a minha frente, sorrindo e vestindo roupas brancas e elegantes.
– Bom Dia, Sr. Price – Ela estende a mão – Eu não sabia que viria hoje, esperava encontrá-lo amanhã.
– Desculpe-me, eu só queria me habituar com o lugar, escolher o meu paciente e amanhã, é claro, começar o trabalho – Seu sorriso desaparece aos poucos – Se não for muito incomodo, porque se for eu posso ir embora e voltar só amanhã.
– Não! Que incomodo nada, adoraria mostrar a você o Santis, mas estou ocupada, minha enfermeira irá acompanhá-lo – Ela se vira para a ruiva – Samanta, na hora do lazer dos pacientes leve-o para conhecê-los na ala de jogos – A garota ruiva concorda – Sr. Price adoro trabalhar com pessoas competentes, isso facilita muito o meu trabalho. Tenha um bom Tour.
– Claro, muito obrigado – Agradeço e ela acena com a cabeça, antes de retornar a sua sala – Por onde começaremos?
– Pelos dormitórios, se não tiver problema. A ala de jogos só abre às 11:00.
– Claro – indico com as mãos os pequenos degraus após o balcão – Você primeiro.
Ela assente devagar, antes de começar a andar tão graciosamente que poderia ter sido uma modelo em tempos diferentes.
Samanta me leva a um corredor com várias portas brancas, seguido por um grande tapete marrom e luzes fracas. Ainda é possível vê-la seguindo para a "ala do castigo" como ela me disse se chamar. Nessa ala ficam os pacientes mais agressivos e barulhentos, e aqueles que não apresentam tais maneiras, permanecem nos quartos. Mas de acordo com o que me disse, apenas um paciente no Hospício inteiro tem o privilégio.
A ala do castigo é na verdade uma prisão, ao invés de portas, há grades grossas. Há também uma pequena cama com um colchão fino, uma cortina ao redor de um vaso sanitário e por fim, um cobertor ainda mais fino que o colchão. É semelhante a uma verdadeira prisão.
Examino meu relógio esperando ser pelo menos onze horas. Não vejo a hora de voltar para a minha casa em outra cidade onde há um sol que brilha, um lugar onde a escuridão não reina.
Infelizmente, são apenas dez e meia e ainda há dois lugares do Hospício que Samanta quer me mostrar, mas pensamentos como: "será que terei sucesso em tratar o único paciente que vive nos quartos? Se ele é o único deve ser o mais normal do local" não saiam da minha cabeça.
– Samanta, como é o paciente que dorme nos quartos?
Samanta para bruscamente seus passos, parece assustada com alguma coisa ou deve estar apenas cansada, paro ao seu lado esperando minha resposta que não chega.
Sua respiração fica ofegante.
– Desculpe, o Senhor pensa em tratá-lo? – Sua voz sai preocupada.
Os olhos de Samanta crescem com o espanto, acho que escolhi o paciente possuído.
– Sr. Price, quando disse que há pacientes silenciosos e que eles são os piores, isso se encaixa perfeitamente aquela pessoa.
– É uma mulher? – Deduzo pela curva que há no busto. Ainda assim, sem ter certeza.
– Sim, e é a pior mulher que eu conheço.
– Ela nem é tão ruim assim, Samanta – John defende a mulher.
Samanta fica com raiva da forma como John a defende e cerra as mãos em punhos nervosos.
– Ela apenas, quase, tentou matar alguém aqui dentro.
John e Samanta começam a discutir sobre a garota, mas a única coisa que consigo pensar é em como ela consegue ficar tão parada, imersa em seu silêncio sem que ninguém consiga atravessar sua barreira. Mesmo que as pessoas falem dela, e gritem ao seu redor ela permanece do mesmo jeito. Não me parece assustadora, me parece que é apenas diferente dos outros e que ela consegue se afastar deles com facilidade.
– Ela vai acabar agredindo o Doutor – Samanta concluí.
– Não me importo, escolho ela, e vou precisar da sua ficha para começar.
Samanta concorda decepcionada com minha escolha e sai na frente. Continuo na sala até a hora de todos eles saírem, meus olhos continuam nela e no outro paciente alto e normal que ainda flerta com Bridget. Quando eles se aproximam da porta consigo ver pelo menos uma brecha no seu capuz que me permitiu ver seu rosto.
Demoro mais um pouco antes de voltar para casa. Fico um tempo a mais lendo a ficha da garota. Não tem como descrever o que passou na minha cabeça no momento em que li as primeiras páginas. Discórdia? Pode até ser. Arrependimento? Não chega a tanto. Dentro do carro fico tão imerso nos meus pensamentos e ideias que nem percebo que o rádio está desligado. Sinto-me melhor assim que saio da cidade nebulosa de Santis Lorde para uma claridade sem fim que é a cidade onde moro. Suas árvores são de um verde claro, seus trocos marrons, há pássaros que cantam nas ruas, pessoas andando, caminhando, correndo ou pedalando. É completamente o oposto daquela cidade. Eu não quis dar ouvidos aos comentários, mas eu não vi ninguém além dos funcionários do manicômio nas ruas.
Levanto às 6:30 da manhã, tomo um banho relaxante passando e repassando várias vezes o plano que criei antes de dormir. Serei rápido hoje e não a forçarei a nada para conseguir a confiança dela, já que seu histórico diz que não tem muita confiança em ninguém e que agride muitas pessoas sem que elas tenham feito algo contra ela, menos o tal paciente Liam que parece adorar irritá-la. Não demoro muito para comer, normalmente de manhã não me dá muita fome, só como porque minha mãe fez eu me acostumar com o hábito de comer pouco durante o café, ela me dizia que é melhor do que nada. Pego a estrada às 7:15 eu havia marcado de chegar às oit
Meu relatório tinha dez linhas, isso porque decidi escrever mais do que havia para escrever, se eu quisesse escrever a verdade do que realmente aconteceu na consulta daria muito menos do que dez linhas, mas são dez linhas muito bem-feitas. Decidi que ficaria mais um pouco para observar Catarina na ala de jogos, conversei com John porque foi ele quem defendeu Catarina das ofensas de Samanta. Ele não falou muito porque precisava prestar a atenção nos pacientes. O silêncio de Catarina era tão profundo que eu poderia entrar nele e descobrir muito mais do que ela quer que a maioria de nós saibamos. Contei os dias para voltar na semana seguinte e decifrar mais histórias atrás daquele silêncio. Passei a semana estudando sobre Catari
Chego em casa com muito tempo de sobra para a hora que minha mãe havia marcado de chegar. Ela falou que passaria em uma cidade antes de vir até aqui, isso me dá tempo para fazer sua comida favorita, pelo menos um prato dela já que não sou um cozinheiro nato para fazer vários pratos franceses. Consigo fazer o famoso"Coqau Vin"e um pouco de arroz para acompanhar. Minha mãe pode ser uma pessoa refinada, mas gosta de comida caseira. Salada de beterraba e repolho roxo, vinho da safra favorita dela (esse foi ela quem pediu). Enquanto oCoqau Vinestá no fogão preparo a mesa do almoço do lado de fora da casa. Tem uma porta de vidro na cozinha que leva para o quintal. Nele há uma árvore bonita onde tem um bala
Noite passada eu não tinha conseguido dormir e o problema foi que imaginei, ou melhor, sonhei em como seria minha vida se eu decidisse ter algo com Bridget e não consigo me imaginar assim. Com ela tudo parece estranho. Não que ela não seja bonita, ela é muito bonita, mas não me imagino tendo uma vida com alguém, parece que depois da Alexis eu acabo me saindo mal no amor. Eu não quero parecer rude, mas agradeço por Catarina não ter tido algum problema durante a semana que me fizesse ir até lá e ter que decidir logo o que falar com Bridget. Na verdade, tive que me preocupar com algo novo, melhor dizendo, pessoas novas. Como minhas novas vizinhas da frente. Eu não sei o que aconteceu. Só me lembro que dur
Não consegui dormi nos dias seguintes. Eu tentei várias vezes durante o dia e até mesmo a noite sonhar novamente com Catarina para saber mais sobre aquela história da praga. Ainda não acredito no que minha mãe disse, mas é interessante. Tentei também lembrar da voz que eu ouvi pedindo para Catarina me mandar embora antes de começarem a bater na porta com brutalidade e eu não tive sucesso. Não fiquei muito em casa para não acontecer de uma das minhas novas vizinhas aparecerem sem serem convidadas, então passei um bom tempo na lanchonete do centro. Uma lanchonete branca com detalhes vermelhos e pretos. O movimento sempre é calmo durante o dia e de tarde, mas no almoço não é assim, há tanta gente que não consigo respirar direito.<
Catarina não me contou nada sobre o homem que ela tinha desenhado, inclusive quase me fez perder a cabeça por alguns instantes, quando seus olhos me cativaram por um bom tempo. Assim que saio do Hospício percebo que minha respiração está diferente, claro, fui acusado de ter abandonado meu filho que eu nem sabia que tinha. Pelo menos para Catarina eu tenho um filho, ela deixou claro que não sonhou com a mãe da criança, mas que tentaria. Dirijo por mais tempo do que costumo dirigir, pois meus pensamentos voam dessa vez. Tento ao máximo me concentrar na estrada, mas eles parecem ter vida própria colocando momentos da minha vida que já vivi na minha cabe&c
— Se você aceitar jantar comigo — Sugiro. Seus olhos ganham um brilho esperançoso, então sem dizer nada apenas sorrindo ela entra. — Eu já tinha feito o jantar e eu sempre faço para mais de uma pessoa. — Eu imagino, Ian. E sei também que você cozinha muito bem. Entro na cozinha e coloco um prato no balcão para que ela se sirva da comida que está no fogão, eu não me sinto na obrigação de montar uma mesa para jantar sendo que apenas eu irei comer. Hayley pega o prato enquanto ai