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Capítulo 2 - Santis Lorde

     Chego a cidade e me deparo com um clima estranho. O céu está nublado e não há pessoas nas ruas, nem no trânsito ou qualquer barulho de carro. Uma verdadeira cidade abandonada.

   Nunca entrei em uma cidade tão calada, onde o vento faz mais barulho do que as pessoas.

   Encontrar o Manicômio não foi difícil, ele é afastado e cercado por imensas árvores e por um solo escurecido que faz parecer que está de noite às dez horas da manhã. Aceitei um serviço semanal onde tenho que aparecer todas as quartas, mas decidi vir antes conhecer o ambiente onde terei que trabalhar, observar os pacientes e escolher um que eu pudesse tratar.

   Eu pensei que seria fácil, que não teria muito o que fazer, que a cidade fosse calma, serena e bem luminosa, mas tudo aconteceu ao contrário.

     – Sim, se ele é o único que não é barulhento e não é agressivo deve ser o mais apto a sair daqui.

   Agora parece que ela está sem ar.

     – Desculpe Dr. Price, mas não tem como ele querer sair daqui – Ela suspira e continua a andar – Às vezes a única maneira de identificar um paciente é conhecendo seu silêncio e seu barulho, alguns aqui podem ser silenciosos, mas no fundo são os piores e os barulhentos os mais normais.

   Samanta parece ofendida com o que eu disse. Será que tem alguma ligação entre ela e esse paciente tão ruim como ela diz?

     – Sinto muito, terei que deixá-lo aqui. Bridget irá acompanhá-lo agora, eu o encontrarei na ala de jogos, tenho que olhar meu paciente.

   Samanta me leva de volta para a entrada e fala com a enfermeira loira atrás do balcão que levanta rapidamente para me

   Antes de ir embora passo na sala da superior e pego com ela a ficha da garota silenciosa, sua ficha é lotada de papéis. Mas se quero tratá-la tenho que aprender cada pedaço de sua vida e mente, incluindo aquele que a fizeram parar aqui.

   – Eu apenas sugeri tratar o paciente que dorme nos quartos – Admito e ela dá uma risada alta.

     – E esse foi seu erro, ela anda dormindo com esse paciente – Minha expressão de espanto não supera as risadas dela, apenas as intensifica mais – Ele pode até ser bonito, mas eu não dormiria com um doido.

   Bridget me mostra onde é o refeitório. É um enorme salão com cinco fileiras ainda maiores de mesas brancas e ao final de todas as filas, há um balcão de metal como o que fica em colégios, com várias repartições para as comidas.

   Após o refeitório é a vez dos banheiros. Acredito que não seja permitido dizer o que acontece ali, mas Bridget conta que são os enfermeiros que dão os banhos nos pacientes e é um banho de mangueira. Ela nunca quis dar o banho nos pacientes, porque muitos outros enfermeiros acabam agredindo os pobres e indefesos.

   Dada a hora Bridget nem me pergunta se já são onze horas, ela mesma me leva para ver a ala de jogo. Quando chegamos temos que esperar enquanto uma fila inteira de pacientes entra vagarosamente. Alguns são baixos, altos, outros de pele escamosa, pele clara e pele escura. Mas há um entre eles, um alto e de cabelos escuros que chama a minha atenção pois ele parece normal demais, entre os outros. Ele sorri o tempo todo e conversar com todos os enfermeiros além dos próprios colégas pacientes.

   Assim que todos entram, espero Bridget entrar primeiro para não me sentir um intruso, mesmo assim ouço vozes masculinas, roucas, graves e femininas chamando seu nome como se uma pessoa importante estivesse os visitando, mas param quando me coloco ao seu lado.

     – Se estiver desconfortável pode se sentar próximo ao enfermeiro, eu preciso ver alguns pacientes – Ela sugere e eu concordo.

   Caminho para o outro lado da sala onde há um enfermeiro de pele escura observando os pacientes em silêncio, ao lado de um sofá velho verde. Quando me aproximo seus olhos caem sobre mim. Seu olhar de estranhamento.

     – Bom dia, sou o Doutor Price.

   Ofereço minha mão a ele e seu aperto é forte e firme.

     – Sou o enfermeiro John Galt, seja bem-vindo ao Santi's.

     – Obrigado, preciso fazer algumas observações e escolher um paciente, se importa se eu fizer algumas perguntas sobre eles? Pelo o que parece a enfermeira que me ajudaria está ocupada.

     – Sim, é claro que pode.

   Sento-me no sofá e tenho certeza que senti as madeiras ao sentar. Olho todos os pacientes um por um. Concentro-me na maneira como cada um deles age, como falam, como riem de brincadeiras bestas, ou como reagem a situações sérias e no meio de todos está o mesmo homem alto que vi na fila antes de entrar, aquele que pensei ser normal para estar no Hospício. Ele está ao lado de Bridget flertando com ela e a perseguindo de um lado a outro.

   Assim que começo a seguir com os olhos os passos dele, percebo algo que não havia percebido antes. Na frente da janela em uma poltrona verde, há uma pessoa sentada concentrada em olhar pela janela. Está chovendo e noto que seu rosto não se movimenta um centímetro se quer ao som dos outros pacientes.

   Não há uma parte de seu corpo a amostra como os outros. Ele está usando uma blusa preta maior que seus braços e segura as mangas. Usa também uma calça de moletom preta e sapatos fechados também pretos. Sua blusa tem um capuz que cobre seu rosto e cabelo, impedindo-me de ter certeza se é mulher ou homem.

   Olho para John e levanto do meu lugar.

     – Quem...

  

   Sou interrompido pelo barulho da porta rangendo, Samanta entra e vem na minha direção.

     – Sr. Price, como vai a escolha? Já se decidiu?

     – Na verdade, eu estou curioso sobre aquela pessoa – Aponto para a janela.

 O Hospício é cercado por uma enorme grade e muros espessos. O portão principal é vigiado por quatro guardas com uniformes preto e armas nas mãos. Assim que entro consigo ver melhor a estrutura do local. Janelas retangulares, a porta da frente é de madeira polida e grossa. A cor do Hospício já foi branca, agora graças ao tempo e as chuvas excessivas está preto em algumas extremidades.

   Na verdade, ele se assemelha muito com as casas que eram habitadas antigamente, onde havia quartos demais para poucas pessoas.

   Estaciono o carro e caminho até a porta notando ao olhar em volta algumas enfermeiras com pacientes do outro lado de uma grade que separa o estacionamento dos pacientes ali fora. Bato a porta sentindo um desejo enorme de sair o quanto antes desse lugar.

   Uma mulher vestida de branco e cabelo alaranjado atende a porta. Ela sorri ao me ver.

     – Sim, posso ajudar? – Sua voz é suave.

     – Sou Ian Price, o novo psicólogo – Estendo minha mão e ela a segura firme – Desculpe não ter avisado, mas decidi vir hoje apenas para escolher o meu paciente e conhecer o lugar.

     – Claro, entre. – Ela se afasta da porta, dando espaço para que eu entre – Eu chamarei minha superior.

   Entro tentando não parecer assustado com o local – pelo menos assustado pela parte de fora do hospício, porque por dentro, como eu havia pensado parecia mesmo como as antigas casas, mas com um ar de solidão.

   A enfermeira ruiva se afasta entrando em uma sala próxima a um balcão, onde está outra enfermeira, loura e de olhos azuis. Muito bonita por sinal.

   Assim que volto a olhar para a porta, uma mulher que parece estar na casa dos quarenta aparece a minha frente, sorrindo e vestindo roupas brancas e elegantes.

     – Bom Dia, Sr. Price – Ela estende a mão – Eu não sabia que viria hoje, esperava encontrá-lo amanhã.

     – Desculpe-me, eu só queria me habituar com o lugar, escolher o meu paciente e amanhã, é claro, começar o trabalho – Seu sorriso desaparece aos poucos – Se não for muito incomodo, porque se for eu posso ir embora e voltar só amanhã.

     – Não! Que incomodo nada, adoraria mostrar a você o Santis, mas estou ocupada, minha enfermeira irá acompanhá-lo – Ela se vira para a ruiva – Samanta, na hora do lazer dos pacientes leve-o para conhecê-los na ala de jogos – A garota ruiva concorda – Sr. Price adoro trabalhar com pessoas competentes, isso facilita muito o meu trabalho. Tenha um bom Tour.

     – Claro, muito obrigado – Agradeço e ela acena com a cabeça, antes de retornar a sua sala – Por onde começaremos?

     – Pelos dormitórios, se não tiver problema. A ala de jogos só abre às 11:00.

     – Claro – indico com as mãos os pequenos degraus após o balcão – Você primeiro.

   Ela assente devagar, antes de começar a andar tão graciosamente que poderia ter sido uma modelo em tempos diferentes.

   Samanta me leva a um corredor com várias portas brancas, seguido por um grande tapete marrom e luzes fracas. Ainda é possível vê-la seguindo para a "ala do castigo" como ela me disse se chamar. Nessa ala ficam os pacientes mais agressivos e barulhentos, e aqueles que não apresentam tais maneiras, permanecem nos quartos. Mas de acordo com o que me disse, apenas um paciente no Hospício inteiro tem o privilégio.

   A ala do castigo é na verdade uma prisão, ao invés de portas, há grades grossas. Há também uma pequena cama com um colchão fino, uma cortina ao redor de um vaso sanitário e por fim, um cobertor ainda mais fino que o colchão. É semelhante a uma verdadeira prisão.

   Examino meu relógio esperando ser pelo menos onze horas. Não vejo a hora de voltar para a minha casa em outra cidade onde há um sol que brilha, um lugar onde a escuridão não reina.

   Infelizmente, são apenas dez e meia e ainda há dois lugares do Hospício que Samanta quer me mostrar, mas pensamentos como: "será que terei sucesso em tratar o único paciente que vive nos quartos? Se ele é o único deve ser o mais normal do local" não saiam da minha cabeça.

     – Samanta, como é o paciente que dorme nos quartos?

   Samanta para bruscamente seus passos, parece assustada com alguma coisa ou deve estar apenas cansada, paro ao seu lado esperando minha resposta que não chega.

   Sua respiração fica ofegante.

     – Desculpe, o Senhor pensa em tratá-lo? – Sua voz sai preocupada.

Os olhos de Samanta crescem com o espanto, acho que escolhi o paciente possuído.

     – Sr. Price, quando disse que há pacientes silenciosos e que eles são os piores, isso se encaixa perfeitamente aquela pessoa.

     – É uma mulher? – Deduzo pela curva que há no busto. Ainda assim, sem ter certeza.

     – Sim, e é a pior mulher que eu conheço.

     – Ela nem é tão ruim assim, Samanta – John defende a mulher.

   Samanta fica com raiva da forma como John a defende e cerra as mãos em punhos nervosos.

     – Ela apenas, quase, tentou matar alguém aqui dentro.

   John e Samanta começam a discutir sobre a garota, mas a única coisa que consigo pensar é em como ela consegue ficar tão parada, imersa em seu silêncio sem que ninguém consiga atravessar sua barreira. Mesmo que as pessoas falem dela, e gritem ao seu redor ela permanece do mesmo jeito. Não me parece assustadora, me parece que é apenas diferente dos outros e que ela consegue se afastar deles com facilidade.

     – Ela vai acabar agredindo o Doutor – Samanta concluí.

     – Não me importo, escolho ela, e vou precisar da sua ficha para começar.

   Samanta concorda decepcionada com minha escolha e sai na frente. Continuo na sala até a hora de todos eles saírem, meus olhos continuam nela e no outro paciente alto e normal que ainda flerta com Bridget. Quando eles se aproximam da porta consigo ver pelo menos uma brecha no seu capuz que me permitiu ver seu rosto.

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