Não consegui dormi nos dias seguintes. Eu tentei várias vezes durante o dia e até mesmo a noite sonhar novamente com Catarina para saber mais sobre aquela história da praga. Ainda não acredito no que minha mãe disse, mas é interessante. Tentei também lembrar da voz que eu ouvi pedindo para Catarina me mandar embora antes de começarem a bater na porta com brutalidade e eu não tive sucesso.
Não fiquei muito em casa para não acontecer de uma das minhas novas vizinhas aparecerem sem serem convidadas, então passei um bom tempo na lanchonete do centro. Uma lanchonete branca com detalhes vermelhos e pretos. O movimento sempre é calmo durante o dia e de tarde, mas no almoço não é assim, há tanta gente que não consigo respirar direito.
Agradeci por não ter recebido outra ligação do Hospício, mas os dias se passaram rápidos demais. Até parecia que o universo conspirava contra mim. Eu teria que falar com Bridget cedo ou tarde. Pensei no que eu direi e já tenho tudo guardado na cabeça.
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Acordo mais cedo do que o normal e acabo decidindo passar na lanchonete e comprar algumas rosquinhas, não tem muito para comer na geladeira. E não me esqueci da bebida que Catarina pediu, isso eu tenho em casa. Uma garrafa de vodca, não muito forte e nem muito fraca e ainda por cima posso colocar em uma garrafa de água, já que o líquido é transparente.
Quando saio de casa vejo a porta da casa da frente sendo aberta. Hayley está vestindo um roupão de seda bege e carrega na mão uma xícara fumegante, ela acena para mim e sorri.
— Bom Dia, Ian — Ela se aproxima da minha cerca — O que faz acordado tão cedo?
— Vou trabalhar, meu trabalho fica na cidade vizinha.
— Deve ser chato ficar indo e voltando. Como é o lugar?
— É meio sombrio, mas eu gosto do silêncio que o lugar carrega — Falo e ela ri. Com certeza pensando que no passado eu nunca teria dito isso — Eu sei que não parece algo que eu diria, mas o silêncio de Santis Lorde é admirável.
Seus olhos ficaram arregalados como se já tivesse ouvido sobre a cidade, todos ouviram falar dela. Menos eu.
— Santis Lorde? — Ela pergunta.
Concordo receoso.
— Minha bisavó me contava histórias sobre essa cidade e não eram muito boas.
— Sei disso, minha mãe me contou algumas histórias que ela ouvia, mas penso eu que não há problema nisso tudo e é só coincidência a cidade ser sombria — Concluo, olhando para meu relógio. Perdi o tempo de ir a lanchonete, terei que ir mais rápido comprar alguma garrafa para colocar a vodca — Hayley, eu preciso ir ou chegarei atrasado.
— Claro, desculpe ter atrapalhado você. Boa sorte!
— Obrigado, tenha um bom dia — Digo e enquanto ela acena, eu parto.
Dirijo com pressa, mais nem tanta porque nessa cidade há policiais que patrulham, o que em Santis Lorde não tem. Lá posso dirigir com a pressa que eu quiser, pelo menos ainda não fui parado por nenhum policial. Passo na lanchonete compro uma garrafa de água e troco a água pela vodca que está no meu carro.
Como disse assim que chego em Santis Lorde dirijo com um pouco mais de velocidade, pois estava quase atrasado.
Estaciono o carro, coloco a garrafa dentro da pasta preta de documentos no espaço para garrafa que há dentro. Conto até cinco e bato a porta.
Minha boca se abre e fico espantado ao ver o rosto inchado e com marcas roxas nas bochechas de Samanta. Olho para a recepção e encontro a mesma menina de cabelos negros que eu havia visto semana passada de noite.
— É feio encarar Doutor — Samanta diz, com uma pontada de humor na voz.
— E... eu não quis fazer isso, mas você não deveria estar em casa? — Pergunto, constrangido.
— Sim, mas o Santis é minha casa e nada seria um remédio melhor do que cuidar dos meus pacientes — Ela sorri, como se estivesse feliz.
— Claro, me desculpe — Olho mais uma vez para a recepção e não vejo Bridget em lugar nenhum para me salvar — Podemos recomeçar como sempre?
— Claro! — Ela responde e se afasta da porta me dando passagem — Bom Dia, Dr. Price.
— Bom Dia, Samanta.
Entro no hall de entrada esperando Samanta entrar na sala da Sra. Del Monte e voltar com os meus papéis que tenho que assinar ao fim de minhas consultas, olho mais uma vez em volta antes de pedir a Samanta ajuda para trazerem Catarina a minha sala. Mas acho que essa não é uma ideia muito boa. Samanta causaria tumulto por ter que ficar perto de Catarina.
— Samanta, onde Bridget está? — Pergunto.
Samanta se surpreende com a pergunta e me encara na esperança de que eu diga mais.
— Ela que ajuda os enfermeiros a levarem Catarina para a minha sala.
— Ela está em reunião com a Sra. Del Monte e não sei quando acaba. – Ela explica – Mas a enfermeira Blondie ficará feliz em ajudar, não é mesmo?
Samanta encara a enfermeira que está submersa em seus deveres analisando uma pilha enorme de papéis sobre o balcão. Seu olhar é vago, mas ela sorri para mim e começa a andar na direção das escadas me fazendo lembrar do sonho que tive de Catarina.
Blondie fica em silêncio o tempo todo e não me dirige a palavra nenhuma vez. Ela tem uma aparência familiar talvez me lembre um pouco alguma das minhas novas vizinhas.
Assim que me aproximo da porta da minha sala vejo que há alguém parado próximo a porta. Olho para a garota e ela desvia o olhar.
— Blondie, poderia avisar aos enfermeiros que podem trazer Catarina? Esperarei na minha sala a porta estará aberta — Peço e ela concorda, ainda sem falar comigo.
Espero não ouvir mais seus passos no chão e me aproximo da pessoa parada como uma estátua na porta da sala. Liam. Ele está vestindo roupas brancas e está todo arranhado no rosto como se tivesse participado de uma briga de gatos com raiva.
— Olá, Doutor — Sua voz está rouca.
— Oi, Liam — Pego minhas chaves e abro a porta.
Entro na sala largando minhas coisas sobre a mesa. Noto depois quando me viro que Liam havia entrado na sala também e está sentado sobre o Divã preto próximo a janela.
— O que você quer, Liam? — Pergunto, imaginando as suposições que fará sobre Catarina dessa vez.
Ele parece estar nervoso com alguma coisa e além disso impaciente.
— Eu preciso desabafar, sabe. E Catarina me disse que você é bom no que faz — Ele ri da própria piada sobre Catarina, mas quando percebe que eu não rio de volta ele para — Não estou brincando preciso fazer você entender que... — Interrompo ele, eu sei que ele vai tentar me convencer de deixar Catarina.
— Se for falar novamente sobre eu deixar Catarina, irei dizer o mesmo que das outras vezes, não vou deixá-la.
— Tudo bem, não é isso — Ele diz com a voz embargada — Eu queria apenas saber mais sobre algumas coisas... eu tive uma infância difícil meus pais eram horríveis e por causa disso sei quando alguém deseja o mau a outra pessoa. E afirmo a você que fiquei sabendo que tem alguém aqui querendo o mau de Catarina. Ela pode ser estranha, mas mesmo assim não merece isso.
Encaro ele por alguns minutos querendo extrair a verdade da sua expressão. Fico surpreso quando a encontro. Será que Liam se importa com Catarina? Ou ele quer alguma coisa com isso?
Decido acreditar na primeira escolha. Ela precisa de apoio e mesmo que ele venha de Liam, é melhor do que nada. Olho para a janela sem ouvir passos no corredor, a porta está aberta e só há um enorme silêncio no corredor e principalmente entre Liam e eu.
— O que você sugere que façamos?
— Não sei, pensei que você teria algo em mente. Eu prezo a integridade dos pacientes desse lugar — Ele fala, tentando esconder o riso sob a expressão séria — Bom, Catarina deveria passar mais tempo com as pessoas do lado de fora, não acha? Isso mostraria a todos que ela pode sim viver entre eles.
— Pensando bem, não é má ideia — Olho para a porta, mas ainda não chega ninguém — Tentarei levar isso a Sra. Del Monte, talvez depois de uma boa explicação eu consiga levar Catarina a um passeio fora daqui.
— Claro, se ela falasse diria que é uma boa ideia também — Dessa vez ele ri alto — E eu preciso de um pas...
Blondie bate na porta, Catarina está ao seu lado junto com outros enfermeiros que estão nos seus lugares ao lado da porta. Liam fica em silêncio repentinamente ao perceber que a pessoa de quem ele estava falando está agora parada diante dele.
A enfermeira me observa, mas não fala nada comigo ainda nem mesmo uma palavra.
— Sinto muito, não percebi que estavam chegando — Digo a enfermeira que desvia o olhar de mim para Liam — Ele já estava de saída, minha consulta com Catarina tem que começar, não é Liam?
— Claro, Blondie gostaria de me acompanhar até meu novo quarto?
A enfermeira ri baixinho, levanta os braços na direção de Liam e mexe sua cabeça na direção da porta. Ele sai, mas antes de sair passa por Catarina e puxa de leve o cordão do casaco dela.
Ela fica irritada, não por ele ter puxado o cordão e sim por ele estar no mesmo lugar que ela.
Assim que todos saem da sala, fecho a porta esperando Catarina se sentar. Dessa vez ela se senta no divã próximo a janela, mas sem olhar para ela.
— Catarina, como está? — Percebo pelo seu movimento nos braços que ela segura algo em suas mãos... o caderno de desenho — Desenhou muito?
Ela concorda, mas seus olhos não saem de mim, como se eu estivesse fazendo algo errado.
— Catarina, nosso acordo ainda está de pé e como prometido eu trouxe o que você pediu — Ela abre um enorme sorriso — Pode fechar as cortinas por favor?
Catarina fecha como eu pedido e se aproxima da minha poltrona voltando a sentar no mesmo lugar da semana passada. Ela fica mais próxima de mim e a sala fica mais escura do que o normal. Então ligo um abajur ao lado da porta e outro na minha mesa.
Pego na minha bolsa a garrafa e deixo sobre a mesa de centro entre Catarina e eu. Sento-me na poltrona como sempre faço, junto com meu bloco de notas que também deixo ao lado da garrafa caso ela queira escrever algo que não pode mostrar com sinais.
— Eu fiz minha parte do acordo, agora é a sua vez.
Catarina sorri, um sorriso débil meio torto. Depois de relutar com si mesma ela estica os braços e dobra as mangas de seu moletom preto fechando seus olhos. Parece contar mentalmente para poder tirar a toca.
O resultado não é desastroso como ela tinha dito para mim que estaria. Seu cabelo está grande, não muito, mas grande na altura dos ombros. O que realça seu rosto e a deixa com uma boa aparência. Como no sonho que eu tive em que ela estava muito bonita naquele vestido.
Catarina fica desconfortável com a exposição de seu cabelo como se tivesse se aberto de mais. Uma vez livre do pequeno transe em que ela me deixou, entrego em suas mãos a garrafa. Não tem motivos para ela ter vergonha de mostrar os cabelos. Ela ainda é bonita.
— Catarina poderia me dizer, por que não mostra seu cabelo?
Catarina pega da mesa o bloco de notas e escreve rapidamente nele. Entrega-me de volta logo em seguida: "Tenho lembranças de quando cortaram ele a força e não consigo imaginar esses enfermeiros tocando nele novamente".
— Poderia me contar mais sobre isso? — Pergunto e ela nega — Por que?
Novamente ela escreve no papel, gosto da maneira como ela escreve e tenta escrever em tão poucas linhas o que quer e ainda consegue ser tão formal. Entrega em minhas mãos.
"Hoje quero saber sobre você... Posso fazer as perguntas?"
— Claro, por onde quer começar?
De dentro do caderno de desenho Catarina tira uma folha de papel dobrada. Ela abre sua garrafa e me entrega a folha. O título da folha era: "Coisas que quero saber sobre o Dr. Price". Rio baixo para que ela não escute, mas vejo quando seus olhos passam por mim.
— Posso tentar responder algumas, mas você também tem que responder algumas que farei antes do nosso tempo acabar, ok? — Pergunto e ela concorda.
Decido ler todas as perguntas e escolher as que mais me intrigam.
1- Por que ele estaria em um Hospício?
2- Ian veio de que tipo de família?3- Ele aceitaria ser pai?4- Ele tem irmãos?5- Ele já fez algo que se arrepende? ...Há outras, mas a pergunta de número 3 me deixa intrigado demais para continuar. Por que Catarina gostaria de saber se eu gostaria de ser pai? Ou se já fiz algo que me arrependo? Claro a pergunta de ser pai ainda é pior.
— Por que a pergunta três, Catarina? Para que quer saber se eu gostaria de ser pai?
Ela junta suas mãos, deitando sua cabeça sobre elas ainda no ar e fecha seus olhos como se estivesse dormindo, penso em sonhos no exato momento. Então Catarina aponta para o caderno de desenho.
— Você sonhou e desenhou? — Pergunto e ela concorda, bebendo uma grande quantidade da garrafa — O que tinha no sonho?
Catarina aponta para mim sorrindo depois balança os braços como se estivesse segurando uma criança neles. Eu sinceramente não entendo nada. Por que Catarina sonharia comigo e com um bebê? Eu não deixei uma mulher grávida na minha cidade, pelo que eu me lembre, minha última namorada foi Alexis.
Minha expressão de espanto faz com que Catarina se irrite por não saber do que ela está falando. Ela pega brutalmente seu caderno de desenho na mão e começa a foliar ele rápido à procura de algo e apesar de ter feito apenas uma semana que eu deixei o caderno com ela, há muitos desenhos.
Ela para e sorri virando o desenho na minha direção e mostra um belo desenho detalhado com marcas bem-feitas, linhas invisíveis que formavam um bebê nos braços de uma senhora que não me é estranha.
— Catarina, sinto muito não sei do que você está falando, eu não sou pai de ninguém — Seu sorriso se desfaz em segundos como vapor — Poderia me dizer quem são?
Levanta do sofá e vai até minha mesa volta com uma borracha e um lápis, faz uma seta ao lado da senhora e escreve "Vó", no bebê que a senhora carrega escreve "filho".
— Ok, vó e filho de quem? — Quase não termino de perguntar e ela aponta para o meu peito — Meus?
Concorda rapidamente como se fosse a resposta que ela quisesse e eu tivesse demorado anos para perceber.
— Onde está a mãe desse bebê?
Em uma folha em branco ela escreve: "Ainda não sonhei com ela".
Espero um pouco para que a ideia fique mais nítida na minha cabeça. Mais tarde eu terei uma bela dor de cabeça por pensar em tantas coisas ao mesmo tempo. Incluindo suposições do que poderia ter acontecido com essa criança. A senhora não me é estranha talvez eu tenha em casa uma foto da minha vó e poderei ver se realmente é ela nesse desenho.
A pergunta que me farei depois se for ela: como Catarina soube como ela era?
— Eu posso deixar essas perguntas sobre mim para outro dia, Catarina?
Seu rosto se entristece e mesmo assim ela concorda, talvez entenda como está sendo difícil para mim. Não me lembro da minha avó, porque ela morreu quando eu tinha 5 anos e eu não queria me lembrar porque passamos momentos tão bons. Ainda é doloroso pensar nela.
— Catarina, posso ver seus desenhos, por favor? — Peço.
Ela entrega o caderno depois de um pouco de relutância.
Olho cada desenho com apreciação, todos são incríveis e muito bem feitos como se ela fizesse apenas isso durante o dia todo. Tendo tempo para fazer detalhes, sombrear e deixar eles nessa perfeição que os torna melhores que pinturas famosas.
Depois de olhar todos volto em um. Ela não havia feito o rosto do homem no desenho. No começo penso que seria um desenho no qual ela ainda estivesse trabalhando, mas depois desse desenho há outros já finalizados.
— Quem é esse homem, Catarina? — Seu rosto se fecha em uma expressão de raiva e ela nega — Ele não é bom?
Catarina desvia o olhar, suas feições se fecham agora em uma expressão séria. Ela não quer falar sobre ele e isso aumenta minha curiosidade. Levanto da poltrona e sento ao seu lado ainda com o desenho em mãos mostrando a ela, mas ela continua desviando seu olhar dele.
— Catarina, pode me contar o que está incomodando você só há nós dois aqui — Insisto e ela nega — Ei, não se preocupe.
Com a ponta dos meus dedos toco seu queixo e viro seu rosto na minha direção. Seus olhos estão vermelhos, as lágrimas rolam sem parar e consigo ver finalmente a cor deles graças a nosso acordo. Noto depois de um tempo que a encaro sem motivo, não sei como dizer, mas seus olhos me prendem a uma sensação que eu nunca havia sentido. Algo intenso e ao mesmo tempo perigoso porque não sei se posso confiar.
Seus olhos são prateados com pequenos riscos pretos e sob a luz das lâmpadas e de suas lágrimas eles brilham. E ainda estou tocando seu queixo.
Quando me liberto do transe que seus olhos causaram em mim, me afasto dela voltando a minha poltrona a sua frente tentando esconder a sensação que surgiu no meu peito.
Pigarreio alto chamando sua atenção.
— Desculpe-me. Ah, voltemos as perguntas — Solto um suspiro de alívio depois de conseguir me pôr no meu lugar. Catarina é minha paciente. E nada a mais — Se não quiser me dizer eu irei entender, mas se isso lhe causa tanta dor não seria melhor compartilhar? Sei que essa dor não pode ser transmitida para mim e provavelmente não terá tanto sentido como tem para você, mas se eu souber o motivo vou poder ajudar.
Catarina olha para suas mãos sobre suas pernas e suspira. Ela realmente não quer me dizer quem é a pessoa que ela desenhou apenas o corpo. Um desenho sem rosto quer dizer uma pessoa sem identificação. Esses desenhos escondem, como aprendi na faculdade, dores antigas que não conseguimos eliminar de nossas vidas.
Levanto-me em direção a minha mesa, mas antes olho o meu cronômetro que consta faltar apenas 20 minutos e não consigo pensar em algo que faça Catarina me dizer quem é o homem desenhado.
Quando volto a olhar para ela, seus olhos estão fixados na minha mesa, exatamente onde há um retrato.
— O que foi? — Pergunto e ela aponta para o retrato — Não tem foto. Eu não me dou muito bem com a maior parte da minha família e não tenho ninguém tão importante que pudesse ocupar ele.
Seus olhos caem sobre mim novamente e ver Catarina com seu rosto tão a amostra é estranho. Eu não estou acostumado com isso ainda.
— Não falo com o homem que diz ser meu pai há muito tempo. Meus irmãos são mimados e minha mãe é a única que ainda se salva — Lembro no momento em que falo da minha mãe de uma foto dentro da minha carteira no bolso — Tenho uma foto dela quer ver?
Catarina concorda, então tiro do bolso rapidamente a foto que eu carrego. A foto é de quando visitamos um parque itinerante que estava na cidade na época da minha saída da reabilitação. Mamãe sempre está bonita em todos os lugares, ela sorria e me abraçava muito feliz de eu estar finalmente livre e com ela novamente.
— Eu saí da reabilitação nesse dia – Aponto para a foto que está entre seus dedos.
Ela levanta os olhos na minha direção como se estivesse perguntando o que eu fazia na reabilitação.
— Eu era usuário de drogas e depois que sai não voltei a usar – Esclareço. Ela assente – Minha mãe era a única que sempre me visitava. Quando eu saí, ela fez questão de me buscar e para manter seu filho renovado longe de uma briga com seu marido, ela me levou a esse parque e passamos o dia juntos.
Catarina escreve em uma folha em branco no bloco de notas: "Ela parece ser uma boa pessoa".
— Ela é a melhor pessoa que eu conheço.
Ela sorri, seus olhos não estão mais molhados, mas ainda estão vermelhos e inchados. Não posso forçá-la a dizer o que não quer, mas se eu não progredir eu não poderei mais perder tempo com ela e terei que procurar outro paciente.
Catarina levanta assustada como da última vez e vai até a janela, olha para o lado de fora como se quisesse ir até lá. Ela coloca as mãos sobre o vidro frio e do nada afasta as duas rapidamente como se tivesse levado um choque, mas continua a olhar para fora.
Aproximo-me o máximo que posso, não muito, para ver onde ela está olhando.
— Você já quis voltar? Para o mundo?
Ela concorda, mas seus olhos dizem outra coisa algo muito mais assustador que cega até a ser doentio, o que me faz querer ficar perto dela. Mesmo assim não o faço por medo de acontecer algo que a tire do sério.
— Tem família Catarina? — Assim que faço a pergunto seus olhos se enchem de lágrimas novamente. Dessa vez não permanece por muito tempo — Sei como dói, eu não chamo o marido da minha mãe de pai a quase sete anos. Não conheço você Catarina e nem sei os motivos para você não querer falar da sua família, mas não deixe que isso aprisione você.
Limpa suas lágrimas rapidamente e então meu relógio toca encerrando nossa consulta, espero ter deixado sua mente pensativa, pelo menos para que na próxima vez ela esteja pronta para falar. Quando ela coloca o capuz novamente lembro do sonho onde ela estava de vestido vermelho. Então toco seu braço para que ela espere.
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"Catarina Braga, senhorita do reinado da escuridão, guardiã das estrelas e dos seres noturnos. Filha da...
FIQUE LONGE DELA! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO SE APROXIME...
Corra enquanto há tempo, CORRA! Não acredite na inocência, não acredite nos olhos prateados"
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" Estou deitada na mesma cama que ele, seus olhos são os mais lindos de todo o mundo, mesmo que eles sejam da cor mais comum que eu encontro com muita frequência. Observo enquanto seus pensamentos vagam em sonhos incríveis nos quais não posso ver.
Seus olhos se abrem e seu sorriso matinal aparece reluzindo tudo o que é bom.
— Bom Dia, Cate — Ele beija minha testa — Dormiu bem?
— Bom Dia, Sr. Price — Digo formal e ele sorri — Estou melhor agora, mas poderia me deixar ver você dormir mais um pouco da próxima vez?
— Claro, meu amor......"
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Afasto-me de Catarina como se ela fosse um vírus e os enfermeiros entram parando ao lado da porta como se estivessem esperando eu dizer o que ela tinha feito comigo, mas não digo nada por causa das imagens que se passaram na minha cabeça, incluindo as vozes malucas e sussurrante.
— Catarina já sonhou com algum baile de mortos? — Pergunto e ela arregala os olhos negando. Deixo escapar um desagrado na minha voz — Nossa consulta acabou por hoje.
Os enfermeiros a levam. E antes de passar pela porta ela me encara por alguns minutos como se estivesse arrependida de algo.
Preencho meu relatório e sem me despedir de ninguém deixo eles no balcão saindo pela porta da frente do Hospício, sem perceber que havia mais de uma pessoa no balcão. Só me dou conta da grosseria quando meus pensamentos se acalmam. Tenho um pouco de certeza de que Bridget estava lá, mas não me importei fiz de conta que estava atrasado e deixei apenas o relatório sobre o balcão.
Por que ao tocar Catarina eu vi aquelas imagens e ouvi aquelas vozes?
Catarina está começando a me assustar. E essa foi a primeira vez que eu a toquei como fiz e fui levado a ver aquela cena estranha e desconexa.
Catarina não me contou nada sobre o homem que ela tinha desenhado, inclusive quase me fez perder a cabeça por alguns instantes, quando seus olhos me cativaram por um bom tempo. Assim que saio do Hospício percebo que minha respiração está diferente, claro, fui acusado de ter abandonado meu filho que eu nem sabia que tinha. Pelo menos para Catarina eu tenho um filho, ela deixou claro que não sonhou com a mãe da criança, mas que tentaria. Dirijo por mais tempo do que costumo dirigir, pois meus pensamentos voam dessa vez. Tento ao máximo me concentrar na estrada, mas eles parecem ter vida própria colocando momentos da minha vida que já vivi na minha cabe&c
— Se você aceitar jantar comigo — Sugiro. Seus olhos ganham um brilho esperançoso, então sem dizer nada apenas sorrindo ela entra. — Eu já tinha feito o jantar e eu sempre faço para mais de uma pessoa. — Eu imagino, Ian. E sei também que você cozinha muito bem. Entro na cozinha e coloco um prato no balcão para que ela se sirva da comida que está no fogão, eu não me sinto na obrigação de montar uma mesa para jantar sendo que apenas eu irei comer. Hayley pega o prato enquanto ai
Não há remetente na carta, sem um nome no qual eu possa ter certeza que a carta seja verdadeira, talvez a senhora da livraria saiba o que pode estar esperando por mim assim que eu ler esse livro, mas não voltarei a ver ela para que me olhe como me olhou hoje. Talvez eu esteja completamente encrencado. Depois de deixar o livro de lado eu acabo me sentando para fazer a lista dos possíveis lugares nos quais posso levar Catarina, não sei se serão os melhores lugares para que ela veja, mas escolho os pontos turísticos da cidade e as lanchonetes mais calmas também. Meia hora antes do combinado para ir ao jantar na casa das vizinhas eu decido tomar banho, não consegui ler o livro, mas tenho certeza de que a curiosidade vai ficar martelando na
Como alguém ficou sabendo sobre essa história para poder escrever esse livro? Pelo o que entendo, essa foi a peste que fez Santis Lorde se tornar a cidade sombria que ela é hoje. Ainda não sei como fez ela ser abandonada, quase uma cidade fantasma e também não sei o que eu, ou melhor, Catarina tem a ver com essa história? E porque ela estaria em um salão lotado de pessoas mortas? # # # # # Passei o resto da semana deitado, em pé e sentado, mas não larguei o livro nem por um segundo. Consegui adiantar muita coisa, li moti
A campainha está tocando quando percebo que lera durante o dia inteiro. Minha barriga reclama de fome, meus olhos ardem e minha garganta está seca. O livro está me consumindo por inteiro, passei os dias da mesma maneira sem graça e viciante lendo sem parar. Levanto-me da cama para atender a porta. Antes de descer passo uma água no rosto para disfarçar as olheiras profundas de cansaço. Vejo de relance o sol que se ponhe ainda no horizonte e repentinamente sinto como o dia está frio, porque o piso do corredor está gelado e a janela aberta. Novamente a campainha volta a tocar quando chego ao pé da escada, mas ao abrir a porta não encontro nenhuma sombra. Nenhum ser humano. Ninguém. Olho para a área da frente e pr
Ao chegar em Santis Lorde acelero exageradamente a velocidade do carro para não chegar atrasado, por sorte assim que estaciono e olho no relógio, faltam apenas dois minutos para as oito. Pego meus papéis e minha pasta onde o livro está. Entro sem bater na porta e encontro no balcão da recepção as três garotas que já me ajudaram ao chegar no hospício, Bridget é a única que sorri, Blondie revira os olhos e Samanta apenas vem até mim com os papéis nas mãos. — Bom dia, Dr. Price — Ela finalmente sorri, alegre demais. — Bom Dia, Samanta — Pego os papéis e devolvo um sorri um pouco mais cansado
O caminho que pego fica do lado oposto ao que eu passo quando saio da cidade. Mesmo não conhecendo esse lado, meu coração palpita rapidamente cada vez que me aproximo da floresta densa e escura. Acabo levando isso como um sinal de que encontrarei o que procuro. Quando a estrada abre para uma trilha na floresta com espaço suficiente para o carro passar, pego essa direção e vou até o fim. O canto dos pássaros é assustador durante o caminho e cada metro percorrido me deixa mais inquieto. Passo por uma casa grande e malcuidada, mas muito bem estruturada, e me lembro do livro automaticamente. Então paro e desço do carro. A casa é grande mesmo e há ga
Volto para casa antes de passar no hospital. Mandei uma mensagem para Danny avisando que chegarei um pouco tarde, preciso de um momento sozinho em um lugar conhecido onde eu sei que estou seguro, para pensar um pouco mais sobre o que ouvi hoje. Sobre tudo, na verdade. Mas eu ainda tenho dúvidas e depois de ouvir aquela história outras perguntas se formaram na minha cabeça. Em casa o sol ainda arde do lado de fora, o que não acontece em Santis Lorde, inclusive a sensação do calor do sol contra a minha pele é reconfortante e muito melhor do que aquele frio estranho que parece carregado de outras coisas. Com os pensamentos a mil, indo e voltando entro em casa, notando que não posso demorar muito. Eu disse a Hayley que voltaria e eu tenho que volt