EULÁLIA
Éramos um emaranhado de meus cabelos entre nós, nos juntando ao mesmo tempo. Só notei isso quando ele se mexeu. — Espera um pouco! — pedi, tentando tirar meus fios de seu corpo e rosto. No processo, tive que deslizar meus dedos, tocando sua pele e seu corpo por cima da roupa. Meu rosto esquentou com o choque elétrico nas pontas dos meus dedos. Tentei não pensar se ele sentia ou não, porque ele leria meus pensamentos. Mas minha mente tinha vontade própria, e, uma hora ou outra, eu acabaria pensando em algo muito pior do que um choque elétrico e arrepios gostosos pelo corpo. Parecia que os segundos eram eternos. Os fios vermelhos dos meus cabelos o enrolando apenas o deixavam ainda mais bonito. Mas não durou muito, porque ele logo se desfez daquela situação e conseguiu se soltar. Ele não queria ser preso mais nenhum segundo. A situação seria engraçada se ele não fosse um completo desconhecido. "Devo pedir desculpas?" — Não há necessidade! — ele disse imediatamente. Mesmo com pressa, tomou cuidado para não quebrar nenhum fio de cabelo. Ele tinha precisão. O homem se pôs de pé em milissegundos, parecendo ter encontrado algo de muito errado. Então me deu a mão, de forma estranhamente gentil, apesar da face séria. — Levante-se, temos que ir! — avisou. "Ah! O conselho." Suspirei internamente, esticando a mão para ele. Ele arqueou uma sobrancelha e então me puxou para algum lugar. Antes de chegar ao seu carro, vi um grupo da minha antiga alcateia entrar lá, e, antes que eu pudesse pensar, um deles me viu. — Acabou a busca! Achamos ela! — gritou aquele que me viu. Todos os olhos se voltaram para nós. O desconhecido me encarou depois de encará-los. — Olha! Parece que sua antiga alcateia deseja mais o seu pescoço do que eu. — Ele brincou, sombrio. — Pois é. Meu lugar não é nesse plano terreno. — Suspirei, os vendo se aproximar devagar por notarem o homem comigo. — Já conformada? — Ele quase riu. — Era escolher eles ou o conselho. No caso, você. Prefiro que você me mate. — Digo sem pesar. — Pois bem. Pelo menos por isso não irei brigar. — Me lançou um quase sorriso. Meu coração pareceu balançar de um lado a outro, minha face esquentou sem motivo, e minhas palavras foram silenciadas. "Que tipo de poder é esse?" Queria saber qual era o motivo de eu ficar assim na sua presença. "Ele está dizendo que vai me matar e eu fico assim? Só posso estar louca." Ele ignorou meu comentário, finalmente aceitando minha privacidade. Esperava eu. — Está ajudando essa fugitiva? Ao menos a conhece? — um dos homens perguntou a poucos metros de nós. Ele cheirou o ar e, mesmo assim, não sentiu, assim como eu, nada naquele homem que estava comigo. — Um humano? Que idiotice, ele nem sabe o que tá levando com ele. — Riu o lobo para o grupo. Todos riram acompanhando ele, começando a fazer piadas sem graça e até mesmo depreciativas conosco. "Quero ver quando souberem que ele não é um lobo comum." Eu ri. Os olhos do meu raptor me sorriram. Pelo visto, ele ainda ouvia meus pensamentos. Meu coração continuou galopante. Eu não podia pensar em nada embaraçoso. — Vamos embora daqui. — Disse ele, me incentivando a entrar no seu carro alto. — Ei! Não pode nos ignorar! Ela é nossa. Nossa presa e nossa caça! — gritou o homem que parecia o novo beta. Talvez fosse seu irmão. — Presa e caça? Eu a peguei primeiro, não foi? Não é assim a lei da natureza? Eu fiquei entre a porta aberta e o carro. — O que está insinuando? Você não sabe de nada, é um comum de merda. — Tá querendo morrer? — Disse outro. Eu já sentia um arrepio me dominar só por imaginar que o desconhecido ao meu lado iria matá-los rápido. Pelo menos era meu desejo. — Pelo visto, ninguém dessa matilha segue as regras… — Ele me lançou um olhar desconfiado, mas ao mesmo tempo interessado. Talvez recordando que eu não havia me transformado em loba para fugir dele por seguir as leis? Ou poderia ser porque ele pediu que eu não fugisse, e foi exatamente o que fiz? Quase escondi minha cara de vergonha. No pior dos casos, eu estava sendo comparada àquele grupo ridículo da minha antiga matilha. Preferia ser considerada uma covarde e medrosa a isso. — Ainda bem que você não é tão burro, sabe o que somos. Isso pelo menos nos ajuda. Continuaram insultando-o, e eu fiz um sorriso quadrado, os achando extremamente idiotas por tal coisa. — Vamos, como quer morrer? Rápido e indolor? — Perguntou outro para o meu estranho. O homem riu com uma leve fungada. Eu quase ri junto, de nervoso. — Tortura. Eu gosto de tortura. — Disse o loiro, cruzando os braços sem se preocupar. O grupo gargalhou, e eu me mantive na porta, sem saber se assistia de dentro ou ainda fora. Olhei para a porta do outro lado, onde daria acesso a mim, e vi outro cara vindo por ali. Provavelmente para me pegar dentro do carro e puxar.EULÁLIA “Certo. São mesmo uma decepção.” Eu estava feliz por não fazer mais parte deles. — Acha que ele aguenta um tapa? — riram entre si. — Se você aguentar um osso quebrado, ele aguenta um tapa, sim! — eu gritei, para chamar a atenção de todos para mim e dificultar a tentativa do outro de me pegar de forma silenciosa. O loiro me encarou no momento em que percebi que aquele que tentava me pegar dentro do carro havia se escondido atrás de alguma coisa. — Ela está louca. Devemos matá-la também. — Não vamos esperar o conselho? — Claro que não. Não vê que ela está se confiando em um humano? É patético. — Que tal você vir aqui dar um tapa nele? — insisti de novo. O loiro olhou para mim e então soltou uma risada divertida. “Eu espero que não seja uma tentativa de fuga.” — disse ele na minha cabeça. Era uma voz tão prazerosa que me deixou tímida. “Você é o único ceifador aqui. Vá em frente. Eu estarei aqui. Prometo!” Selei os dedinhos acima da porta do carro que eu ainda segurava.
EULÁLIA Paralisei, repassando tudo. “Eu só me ferrei!” — Para onde eu irei? — Segui o homem que era quase uma espécie de braço direito, assistente ou seja lá o que fosse do supremo. — Por ora, para um quarto. O depois é discutível. “Eles ainda não foram informados sobre mim, não é?” Aceitei sem hesitar. — E quanto ao supremo? — perguntei com cuidado. — Ele está com o conselho. — Esse cara devia ser um ômega ou algo assim. “Então agora devem estar discutindo sobre mim.” Não sabia identificar se seria muita sorte ou azar eles não saberem sobre a mentira que Ciro espalharia para tentar, ao menos, chegar perto do supremo. “Pensar que ele esteve tão perto daquele idiota e não pôde fazer uma visitinha para cortar seu pescoço pessoalmente.” De repente, fiquei amargurada. Um quarto me foi apresentado. Era divino para mim. Comparado a ser o último cômodo com regalias que teria antes da morte, aquilo era quase o céu na Terra. — Se instale. Para tudo que precisar, use a campainha ao la
EULÁLIA— Segundo os relatórios da alcateia Sangue Azul… — Reviraria os olhos só de ouvir o nome da minha antiga alcateia, se tivesse esse costume e se não estivesse sob tantos olhares, principalmente o dele.Enquanto o Beta continuava, eu sentia os olhares em cada parte de mim, mas apenas um tinha o poder de me atingir.Suspirei devagar e da forma mais sutil que pude, tentando continuar firme diante das acusações. Porém, os olhos cinzentos, com sua aliança vermelha ao redor das pupilas, me chamaram.Ele me prendeu em seu contato visual, como se tivesse escutado até o meu baixo suspirar cansado. Por um momento, pareceu que havia apenas nós.“Claro que ele ouviu. Ele escuta melhor que ninguém.”Recordei do que ele disse sobre meus batimentos cardíacos. Baixei os olhos, tentando não parecer ousada. Pus-me a prestar atenção nas palavras do Beta.— As acusações apontam Eulália Rivera não apenas como traidora de seu companheiro… — Levantei a cabeça imediatamente.“Companheiro? Que companhe
EULÁLIA— E por que eles fariam isso? — perguntou o Beta.— Eu sou descartável. Eu não passo de uma loba fraca e sem companheiro. Mas poderia estragar seus planos de atentar contra o supremo.Risos soaram pelo salão. Não me senti idiota por isso, eu sabia o quanto a ideia de Ciro era tola, mas ele não.Sua fixação por se autodenominar rei, sua vontade de ser alfa antes do tempo, isso tudo só percebi tarde demais.— Como isso poderia levar ao nosso supremo? Vocês não têm força contra o supremo. — desdenhou o Beta.— Eu não faço mais parte deles. — corrigi sem medo.Recebi em troca alfinetadas de suas íris verdes.— E qual é o plano dele? Nos enviar uma isca para nos distrair? — percebi seu tom irônico.“Ele quer dizer que se não sou a traidora, ainda estou fazendo a vontade de alguém e arquitetando com eles?”— Não. Eu deveria ser morta, é tudo que sei.— E por que ainda está viva? — Aquele Beta parecia ter um problema comigo.Havia um julgamento pessoal ali. Eu sentia.— Eu fugi!— E
ALFA SUPREMO (WULFRIC DRAVEN)Sob meu olhar, vi aquela mulher tremer levemente. Ela entendeu imediatamente o significado das minhas palavras. Eu não tornei nada difícil para haver compreensão. "Isso é real?" — ouvi seus batimentos acelerados, sua respiração falhar.Ela custou a acreditar. "Eu tenho mesmo um companheiro? É possível?" — Apertei a mandíbula, chateado.Esperava que essa negação passasse mais cedo do que tarde, mas me incomodou por começar justo agora, que seu cheiro rondava minhas narinas. Eu queria seus olhos apenas em mim.— O que faremos com ela agora? — alguém ousou perguntar de forma impertinente.— Vamos ter que cavar a história — disse William, meu Beta.— Por hora, esse assunto está encerrado! — declaro, quebrando nosso contato visual para procurar objeções nos rostos presentes.Ninguém se opôs ou fez barulho, então me movi, passando por minha bela companheira ainda ajoelhada.— Nos vemos mais tarde — murmuro para que ela escute.— William! — chamo assim que alc
WULFRIC DRAVEN William colocou o indicador embaixo do queixo, com o cotovelo apoiado no outro antebraço, assim como eu fazia quando pensava. — Ele será o alvo da alcateia por acreditarem que ele é mais fraco, e não irão imaginar que ele é do conselho. — Isso com certeza irá acontecer. — Recordei-me de como me insultaram fora daquele bar. — Então irei pedir para que ele se prepare. — William já estava prestes a se retirar. — Não se esqueça de adicionar uma observação curiosa ao seu relatório… — atrair sua atenção. — O novo alfa terá de pagar pelos insultos que recebi dos seus seguidores mais cedo. Portanto, Reymond não pode tirar os olhos deles. Eles são covardes também. — Então isso é quase uma prova de que nossa Luna está certa sobre aquele alfa desejar o seu poder? — Isso ele nunca terá! — asseguro. — Obviamente, não. A profecia foi cumprida quase completamente. Quem poderia com o grande reinado do nosso destino supremo? — me bajula. — Está na hora de ir avisar Reymond. —
EULÁLIAQuando ele disse seu nome no salão, me fez perceber que, naquele momento, era como uma aceitação do nosso laço. Ele não me rejeitou.Seu nome foi escolhido assim que ele nasceu com aquela aparência — alguém dito como quase albino, com heterocromia central nos olhos: condição ocular em que a íris tem dois ou mais círculos de cores diferentes.É uma característica incomum, mas nada grave. Além de ser muito atraente para mim.A íris tem um anel externo de uma cor e um anel interno de outra.O anel interno pode ter "espinhos" de cores diferentes que irradiam da pupila.A cor externa é considerada a verdadeira cor da íris.Há casos esporádicos de causa não genética. Esse era o caso dele.O Supremo não herdava aquelas condições raras de ninguém da sua família.“Seus olhos voltaram ao normal quando ele disse aquelas palavras e ninguém contestou.” Continuei pensando em como tudo aquilo parecia loucura.“Eu achei que viraria Luna…” começo a contar nos dedos enquanto olho para o teto, d
EULÁLIAHesitei por um instante, não sabia se de fato seriam informações importantes agora.— Ciro... ele me contava histórias quando éramos crianças.Wulfric franziu o cenho.— Histórias?— Sim... Histórias sobre um lobo negro de olhos vermelhos. Sobre um rei de cabelos brancos e olhos de duas cores. — busquei seus olhos, procurando ver sua reação.— Ele contava a profecia? — a voz de Wulfric saiu mais grave, quase um rosnado.— Não exatamente... Ele nunca chamava de profecia. Mas dizia que um dia o mundo mudaria quando esse lobo surgisse.Ele esperou saber mais, pressentindo haver mais do que apenas as mesmas palavras de sempre.— Que ele seria temido por todos, menos por mim. — completei.“Ele só não voltou a falar sobre mim na profecia quando crescemos.”— Por que você? — Me fitava com intensidade.“Talvez ele soubesse…”— Porque, segundo ele, eu era a única que poderia reconhecer a alma dele mesmo quando o corpo ainda estivesse quebrado. — eu não havia entendido isso antes, mas p