EULÁLIANaquele dia, eu estava pisando novamente no salão que nunca foi acolhedor para mim. O salão de julgamento não era o mesmo salão de festas, de banquete ou do trono.Havia outro trono ali, mas era o lugar de um rei juiz, não apenas um rei. O brasão do reino em alto-relevo atrás do assento de Wulfric, tudo permanecia igual.Tudo, exceto a forma como me olhavam. Hoje, eu não era mais acusada. Mas tampouco estava livre.Além do meu companheiro, vestido de negro e dourado - entre sapatos, calça negra, camisa social e uma longa capa negra com detalhes dourados bordados nas suas extremidades.Ele estava perfeito, apesar das cores que carregava. Seus olhos de duas cores me atraíam como nunca, tanto que eu quase sussurrei um “olá” de forma íntima. Me contive.Nossos olhos se prenderam por um instante, até que eu fiz uma reverência leve, aceita por todos, já que eu era a companheira do Supremo, e todo o conselho tinha conhecimento disso.“Por que só o estou vendo agora?”, choraminguei em
EULÁLIATodo o ar mudou, era a voz de Wulfric, interrompendo o momento para reforçar sua presença inesquecível.Naquele momento, eu não disfarcei como relaxei imediatamente, troquei olhar com o supremo por meros dois segundos, mas foi o suficiente para os dois ao lado perceberem.Rosalina, como sempre, não se conteve em murmurar para o companheiro suas descobertas de forma venenosa.— Ela é louca, como pode olhar assim para ele diretamente? Certamente está desejando a morte.Ciro sussurrou algo e ela respondeu:— O supremo não aceitaria uma criminosa ou comum como ela, só por ser uma loba sem destinado… — Se eu, mesmo perto deles, conseguia ouvir, ela não pensou que o supremo poderia ouvir também?“Ela não vê que estamos em um julgamento?” A encarei, evitando colocar a imagem do seu companheiro na frente dos meus olhos, borrei seu rosto na minha mente e esperava que aquilo funcionasse na vida real.O vestido azul acinzentado abraçava sua silhueta, manteve o queixo erguido, denunciando
EULÁLIA— Mas nem podemos nos defender. — Rosalina disse com pressa e receio.Mas tentou disfarçar, fingindo nervosismo por considerar não ter voz no julgamento.— Vocês que a acusaram, por que querem se defender?— Podemos dizer o contrário? — foi a vez de Ciro, ele não olhou para ninguém além do meu suposto advogado.— Estão aqui para falar. — recordou o homem. — O que os dois têm a dizer sobre isso?— Ela também conspira com alguém para tirar o trono do supremo. — Rosalina devia ter fritado o cérebro de Ciro, ele insistiu no que já havia sido falado.“Ele sempre foi tão imbecil assim?”Foi a pior mentira que eu ouvi. Todos murmuraram entre si, o homem olhou para seu rei e William repetiu a ação apenas por um segundo, depois todos se voltaram para mim, que permanecia embasbacada com os dois acusadores.O assunto foi mudado para as perguntas que ainda não tinham vindo, mas que William me avisou — não por bondade, certamente.— Tudo está ligando até agora a senhorita Rivera à sua alca
EULÁLIA — ...Então me diga se alguém da mesma alcateia o calou, nos impedindo de ouvir sua preciosa informação por completa!— Estão debochando de nós? — Rosalina quase gritou.O homem que tinha os papéis na mão ficou em silêncio por sua ousadia.— Por acaso tem algo a acrescentar? — A voz de Wulfric nunca soou tão rígida para mim. Aquela repreensão foi, de fato, muito aterrorizadora.Rosalina se encolheu.— Uma loba adulta, com suas faculdades mentais em perfeitas condições, saberia onde está.Aquilo foi um insulto? Ciro murchou, Rosalina quase chorou. Mas os olhos do supremo não saíram deles.— Isso foi o que, para você, “luna da Sangue Azul”? Um deboche?“Eu vou gamar nesse lobo.” Não foi premeditado.Imediatamente, ele respondeu, sem olhar para mim, ainda esperando a resposta dos dois patetas.— Corrija suas palavras — disse ele.“Está falando comigo?” Seus olhos saíram deles para mim por apenas um segundo.“Eu não sou um lobo. Sou o seu companheiro supremo e o rei de todos os lo
EULÁLIA“Licaon foi o primeiro lobisomem da história, segundo as lendas gregas. Ele ousou cozinhar a carne de um escravo para oferecê-la a Zeus e, como punição, o deus o amaldiçoou. Desde então, ser um lobisomem sempre foi visto como uma maldição.”“Agora somos sinônimos de poder.”Aquela seria a noite em que minha vida mudaria, não que eu soubesse se seria uma mudança boa ou ruim.— Estão invadindo… — foi tudo muito rápido.O novo Beta da matilha Sangue Azul me puxou pela mão para longe de toda a confusão. A princípio, acreditei que seria pela posição de Luna que meu namorado havia prometido.— Por aqui. — Ele me levou rumo à floresta.— Mas eu posso ajudar as mães e crianças desamparadas se estiver lutando junto com todos.— Sua segurança é mais importante. E são ordens diretas.— De Ciro? — perguntei, seguindo-o. Ele ainda me puxava com pressa.— Sim.Meu sorriso ampliou. Por dentro, estava muito feliz por ele não estar mais estranho como antes.“Ele está me protegendo.”Acompanhei
EULÁLIALutei como podia, até perceber que ele queria me matar de verdade. Por isso, tive que empurrá-lo com tudo que tinha e pular de pé, mesmo machucada. Capturei a adaga que tinha no bolso da calça e encarei Ciro em sua forma de lobo, agora maior que antes, e sua suposta verdadeira namorada.— Por que está me atacando? — quase gritei. Ele, por sua vez, apenas me rondou.“Eles sempre planejaram me eliminar depois da ascensão de Ciro ao cargo de Alfa. Mesmo tendo sido eu a ajudá-lo a ganhar uma boa imagem.”— Porque você é a traidora, aquela que chamou os inimigos e fez o pai dele morrer antes da hora. — Era Rosalina falando por ele novamente.— Você não sabe mais falar, não? Só essa v***a aí? — explodi.Tudo estava se encaixando, e isso me deixava muito brava. Eu era o alvo de todos, principalmente daqueles dois. Então, recordei que o Beta foi o mesmo que entrou correndo, dizendo que estávamos sendo atacados, e foi ele quem me levou até ali, para esperar por meu suposto namorado.—
EULÁLIA — Você é uma loba bonita e fértil, mas só serve para isso, procriar. E eu nunca seria louco de me deitar com você para ter lobos ruivos. Lobos estranhos. Quando tenho minha companheira de verdade. Engoli o gosto da decepção. Eu era uma loba que não podia deitar-se com qualquer um; diziam que deveria ser apenas de um alfa, para procriar e elevar o nível da matilha, mas essa era a parte em que eu nunca contei a Ciro. Ele só sabia que eu era uma loba para ter filhos e não alguém dita como especial. — Eu sou especial. — Digo com os olhos cinzas já injetados de raiva. — Claro que é. Nunca achou seu par e não vai achar. Não era por isso que estava comigo? — Riu da minha fraqueza, magoando-me profundamente. Uma vez, aquele mesmo oráculo que me disse sobre meu modo especial também me disse que alguém como eu não tinha um par, que não tinha um companheiro de nascença. Só restava ter um de sangue, algo como uma segunda chance. Mas era quase impossível. — Eu ainda tenho uma chance
“Quem se disfarça tão bem quanto um humano?” Meu coração batia forte no peito, eu tentei me afastar, mas meus pés quase tropeçaram. Naquele nível, eu só cairia e atrairia toda a atenção indesejada para mim.— Quem é você? — perguntei, assustada.Desta vez, olhei ao redor e todos não passavam de meros humanos, incluindo a pessoa que os servia bebidas, menos aquele homem. Minha espinha arrepiou.— A pergunta é minha. Você que é nova aqui. — Senti que sua última frase soou uma ameaça disfarçada.“Ele não é um lobo comum.” Gravei rapidamente suas características enquanto dava passos vacilantes para trás.Eu nunca ouvi falar dele. Mas era notório que não deveria estar com ele.— Eu peço desculpas… Estou indo… — me virei para partir, mas a voz dele me parou, não soou audível para ninguém, só para mim.“Acha que pode escapar de mim?” Fiquei paralisada, sua voz estava na minha cabeça, aquilo era impossível.Eu já estava convencida de que minha forma e a forma de todos os lobos era uma maldiçã