Selene retomou à rotina da academia com o peso de ser uma Devereaux. Agora, não havia mais cochichos de palavras maldosas, apenas admiração e respeito. Quem antes lhe dirigia palavras de escárnio agora apenas abaixava o olhar quando ela passava. Era uma sensação nova, mas ela poderia se acostumar.Naquela semana, sentiu falta das cartas de Aiden. O medo de que ele não a quisesse mais a corroía. Apesar de pertencer a um clã rico e influente, não tinha sequer um traço lupino. Seu clã não possuía força, apenas dinheiro. Era mediana em tudo que as outras garotas faziam com facilidade, passando por cada atividade como se fosse um desafio. Ali, em seu país, mesmo sendo uma Devereaux, ela não era uma boa Luna. A depressão a tomou, mesmo com os presentes dos outros alfas chegando. Percebeu que nada daquilo importava se Aiden não a aceitasse. Chegou à conclusão de que precisava se tornar melhor para ele, mesmo que isso significasse se humilhar.Foi então que, num ato de desespero, pediu a Dari
Selene passou as semanas seguintes estudando com Darius, mergulhando no que realmente importava no mundo dos híbridos: os clãs. Os sábados eram reservados para suas aulas oficiais, mas Selene encontrava maneiras de prolongar suas conversas. Depois das aulas de autodefesa, sempre ficava para ajudar Darius a limpar a sala, apenas para terem mais tempo juntos. Logo, suas aulas aconteciam quase todos os dias.Certa tarde, após o treino, estavam sentados em um canto da sala, compartilhando biscoitos que Selene havia guardado do café da tarde. O sol poente projetava sombras alaranjadas no chão de madeira, dando ao ambiente um ar acolhedor.— E sobre o clã Thornheart, o que tem a me contar? — ela perguntou casualmente, mordiscando um pedaço de biscoito.Darius ergueu uma sobrancelha, como se ponderasse se deveria contar. Depois, deu de ombros.— Muitos filhos homens. Todas as mulheres que se unem ao clã acabam tendo um menino. Nosso negócio é sólido na área de segurança e táticas militares.
Os dias continuaram a passar, e Selene teve que admitir para si mesma que já não sentia a falta de Aiden como antes. O tempo ao lado de Darius, suas aulas e conversas haviam preenchido o vazio que antes era dominado pela ansiedade de uma carta ou sinal do alfa. Ainda assim, quando a nova temporada chegou e o clima se tornava propício para viagens e festivais, ela não pôde evitar um ressentimento silencioso. Aiden havia prometido que a levaria para conhecer Vallessia, mas ele sequer havia escrito para cancelar os planos. Seu orgulho doía mais do que qualquer sentimento romântico que ainda pudesse ter.Enquanto as garotas arrumavam suas malas para voltar para casa na sexta-feira e passar as férias com suas famílias, Selene sentia-se deslocada mais uma vez. Não tinha um lar para onde retornar, nem uma família ansiosa por sua chegada. Caminhava pelos corredores observando a euforia das outras alunas, sentindo-se invisível em meio a elas.Naquela manhã, no entanto, algo inesperado acontece
O primeiro dia de viagem foi uma sucessão de descobertas para Selene. Desde o momento em que saiu do hotel até o cair da noite, ela não parava de se surpreender.As ruas de Vallesia eram vibrantes e cheias de movimento. Diferente da cidade Alta, onde tudo parecia cuidadosamente planejado e regulado, ali a vida fluía com naturalidade. Havia letreiros luminosos, lojas modernas, pessoas vestindo roupas despojadas e tecnológicas que pareciam saídas de um futuro distante. Até mesmo o ar parecia diferente, menos pesado, menos carregado de tradições sufocantes.Darius a guiava pelas ruas como se levasse uma criança para conhecer o mundo pela primeira vez. Ele fazia questão de lhe apresentar coisas comuns apenas para ver sua reação encantada.— Olha só isso, Selene. — Ele apontou para uma vitrine de fast food. — Você escolhe, paga, e a comida sai pronta em minutos.Selene arregalou os olhos.— Como assim?! Isso é… isso é possível?— Sim. — Darius riu. — É a maravilha da eficiência moderna.El
Aquelas foram as primeiras férias da vida de Selene, e ela viveu coisas que jamais imaginaria.A balada era barulhenta, vibrante, cheia de luzes piscantes e pessoas dançando juntas sem a mínima preocupação com status ou hierarquia. Ela não amou a experiência, mas a liberdade ali era palpável. Havia híbridos de todas as espécies e até humanos, todos se divertindo como iguais. Era algo inimaginável na Cidade Alta, onde cada um sabia seu lugar – e os humanos estavam sempre no mais baixo degrau.Mas foram os restaurantes que realmente a encantaram. Sentar-se em um ambiente onde betas serviam humanos e vice-versa, onde as pessoas simplesmente coexistiam, era quase surreal para ela. Não havia aquela briga de egos interminável que moldava sua cidade. Pela primeira vez, Selene sentiu que a desigualdade da Cidade Alta não era inevitável.Os novos humanos não tinham culpa do que seus antepassados fizeram. Não mereciam ser marginalizados, forçados à pobreza como punição por algo que nunca comete
A semana seguiu seu curso na academia, mas para Selene, nada parecia ter o mesmo peso de antes. As lições, as etiquetas, os ensinamentos sobre como se portar—tudo lhe parecia vazio agora. Sabia que, no fim, não importava o quanto estudasse ou se dedicasse. As escolhidas para se tornarem Lunas eram sempre as mais bonitas, as que se encaixavam perfeitamente no ideal da Cidade Alta. E de alguma forma, ela sentia que já pertencia àquele grupo.Ainda assim, mantinha sua rotina de passar as tardes com Darius. Às vezes conversavam, outras vezes simplesmente ficavam em silêncio, compartilhando uma tranquilidade rara naquele ambiente opressor. Ele já não mais tocava no assunto dos clãs, e Selene também não perguntava, não tinha mais interesse.Foi em uma dessas tardes, enquanto ela observava o céu cinzento da varanda da academia, que decidiu mencionar algo que vinha remoendo há dias.— Aiden voltou a me enviar cartas e presentes. Disse que as outras cartas simplesmente não haviam sido entregue
A felicidade no salão de baile não era unânime. Enquanto as híbridas dançavam e brindavam em comemoração ao noivado de Camille, e a própria aniversariante rodopiava nos braços de seu alfa, Selene notou uma cena contrastante ao fundo do salão.Astrid estava sentada sozinha, um copo sempre cheio em mãos, a postura oscilante e os olhos vidrados em algum ponto indefinido. Ela não dançava, não sorria, apenas bebia. E bebia mais. O álcool escorria pelo canto de sua boca em um dos goles apressados, mas ela não parecia se importar.Selene suspirou. Aquilo estava prestes a se tornar um desastre. Precisava tirá-la dali antes que fizesse um escândalo.Buscando ajuda, seus olhos varreram o salão até encontrar Darius, que conversava tranquilamente com um grupo de professores. Ela se aproximou rapidamente, tocando levemente seu braço para chamar sua atenção.— Estão passando bastante tempo juntos, não é? — o professor de história comentou com um tom insinuante, um sorriso malicioso nos lábios.Dari
No instante em que os lábios de Selene e Darius se separaram, ambos pareciam despertar de um transe. Darius recuou um passo, sua expressão mudando rapidamente para algo próximo do arrependimento.— Me desculpa! — ele disse de maneira firme, desviando o olhar e girando nos calcanhares, pronto para sair dali.Mas Selene reagiu instintivamente, segurando seu braço antes que ele escapasse.— Precisa limpar sua boca, está suja de batom.Darius piscou, confuso, e passou a língua pelos lábios como se tentasse sentir a mancha. Selene, por sua vez, caminhou pelo quarto, abrindo gavetas até encontrar lenços umedecidos. Ao pegá-los, riu baixinho.— O que foi? — ele perguntou, pegando o lenço que ela lhe estendia.— Eles dizem renegar a tecnologia pelo peso que ela representa, mas só fazem isso com a tecnologia que pode acabar com a alienação — ela comentou, balançando a cabeça. — Ainda podemos gozar de todo o resto: energia elétrica, saneamento básico, comidas processadas… Menos da comunicação r