Me levanto da cama. Eu tenho uma pilha de roupas para organizar. Caminho até o closet, ainda sentindo aquela sensação incômoda de rejeição. Como se ele tivesse escolhido me deixar aqui, e reservado todo seu tempo e suas palavras para outra pessoa.Domada por um instinto infantil, e um tanto quanto rancoroso também, retiro as camisas de LeBlanc dos cabides, colocando as minhas no lugar. Abro espaço nas gavetas para minhas peças íntimas, e, nas prateleiras, organizo os sapatos. Coloco suas peças nas sacolas, e então as deixo sobre a bancada.Eu sei que provavelmente estou exagerando. Mas esse conhecimento faz nada para parar o trem de carga de emoções que funciona em mim.Algum tempo depois, quando tudo está organizado, volto para o quarto. A garoa tornou-se uma chuva forte. Meu celular tocou algumas vezes, mas eu estava ocupada sendo uma criança mimada, portanto, não atendi. Contudo, checo as ligações perdidas, chegando à inédita e surpreendente conclusão de que são todas de LeBlanc.E
ANGELIC...Santo Deus.Malditas sejam todas as decisões mal tomadas.Eu me levanto, percebendo que agora não temos mais tempo para fugir correndo. Paro diante de Daniel, porque não acho que LeBlanc vá passar por mim. Pelo menos, eu espero que não.- Está tudo bem – digo. Daniel bufa atrás de mim. E quanto mais perto Aaron chega, mais eu me questiono se está tudo bem.Eu tenho certeza de que são as doses de tequila sob minha pele, murmurando pelo meu sistema, mas o pensamento envia uma emoção inesperada através de mim, independentemente dos acontecimentos dos últimos três dias.Algo em seu rosto, além de sua ira, puxa partes profundas dentro de mim. É aquele olhar. Aquele que diz que está farto de tolerar minhas graças. Isso quer dizer que ele vai entrar nessa sala, me pegar, me jogar por cima do ombro e me levar a algum lugar para agir do seu jeito comigo.Nos poucos segundos antes que LeBlanc me alcance, me permito olhar para seus músculos sob o tecido justo da camisa. Ele não está u
Sopro todo ar dos meus pulmões, como se isso pudesse expulsar a raiva de mim.Babaca.- Sei un figlio di puttana – murmuro, em italiano, porque é a única descrição no mundo que me parece plausível para o momento.LeBlanc empertiga-se, tomando distância da porta. Eu dou um passo para trás, porque não quero – e não vou – ceder. Não importa a química que temos, ou a forma como nossos corpos se atraem. Isso não é real. Nós não somos reais. Nós não estamos juntos, e eu não vou me permitir pensar, nem por um segundo, que sim.- Você estava procurando no lugar errado – sua voz baixa vibra por todo meu corpo, forçando-me a baixar a guarda. Ele dá um passo adiante.- Pelo quê? – sussurro.- Por mim.Jesus. Como ele é arrogante.- Eu odeio você – pressiono o dedo contra seu peito – Odeio a forma como coloca o mundo abaixo de si mesmo, como se ninguém mais importasse. Eu simplesmente odeio você.LeBlanc olha para mim. Sua mão envolve a minha, retirando-a de seu peito. E então, antes mesmo que eu
LEBLANC...O consumidor de almas.Há um mito que diz que o diabo, na antiguidade, concedia favores. Era como uma espécie de credor, e as pessoas se endividavam por livre e espontânea vontade. Tempos depois, quando o diabo voltava para cobrar a parte que lhe cabia, as pessoas se negavam a pagar. Ele, por não gostar de ser passado para trás, queimava suas casas, suas crianças e suas fortunas.Olho através das janelas de vidro. É um dia bonito, na medida do possível para a cidade de Nova Iorque. Estou sentado em uma das mesas da cafeteria de três andares, exatamente no centro de Manhattan, uma das melhores da cidade, por sinal.- Senhor? – a atendente chama, com sua voz doce e baixa, porque ela não quer parecer rude.Eu encaro a moça diante da minha mesa. Charlote. Todos os dias, ela acorda no primeiro horário, pega um trem na estação mais próxima de sua casa e chega ao serviço antes mesmo do sol nascer. Charlote abre a cafeteria, limpa as mesas e veste seu impecável uniforme. Ela sorri
LEBLANC...Eu gosto de explicações lógicas e racionais. Eu não acredito em atitudes vindas da alma, ou do coração. Esse tipo de merda simplesmente não faz sentido para mim. Dito isso, eu gostaria de entender o que está acontecendo comigo.O que é esta sensação de que estou quebrando quando Angelic está perto de mim? Como se eu estivesse cheio, transbordando, e depois desmoronando.Uma fraqueza?Um quadro médico?Fecho os olhos e deixo a água do chuveiro levar esta sensação para o ralo enquanto tomo banho. Tento me livrar do cheiro dela, da sensação da pele dela, da visão do sorriso dela. Tudo que me deixa fraco. No entanto, esta tem sido uma tarefa difícil. Angelic tem meu cheiro, tem minhas manias e minhas roupas. Ela tornou-se uma parte de mim. Eu me vejo nela, tanto que a sinto até mesmo quando estou sozinho.Desligo o chuveiro e alcanço a toalha, que está molhada por causa do banho de Angelic. Eu a uso de qualquer forma, porque estou decidido a ter um dia de paz. Quando passo em f
ANGELIC...Uma roda gigante. Neste momento, sinto que estou em uma roda gigante.Eu vivi em cinco meses o que nunca havia vivido em vinte anos. Isso foi bom, foi uma aventura. No entanto, não posso negar que também foi aterrorizante.Aaron aperta minha mão e me guia até um portão de ferro. Estamos no fim do Bronx, na parte mais isolada do bairro. Ele bate com as costas dos dedos contra o portão.- O que está acontecendo? – pergunto, sussurrando.- Você não estava totalmente segura.Olho ao redor de um dos bairros mais perigosos do país.Eu estou mais segura aqui?- Por quê? – questiono.Minha pergunta morre entre nós, pois, pouco tempo depois, o portão começa a subir. Me aproximo de LeBlanc, talvez por um instinto ridículo que me diz que estou mais segura ao lado dele.Um homem surge do outro lado. Até então, nada para me preocupar, mas então noto a arma em suas mãos. Eu, claramente, não entendo sobre revólveres, mas o tamanho deste, em específico, me diz que ele pode causar um grande
Grávida.Sim, muito grávida.Inegavelmente grávida.Encaro a televisão diante de mim, estática como um pedaço de madeira, pálida como um pedaço de papel. Pisco diversas vezes, esperando que o sonho termine e a realidade surja. No entanto, não acontece. Esta é a realidade.Margot Donneli está grávida.Elliot será pai novamente.Olho para a primeira dama na televisão muda, porque eu zerei o volume, em algum momento, para poder focar em meus pensamentos. Preciso conferir se meu queixo não está no chão conforme Elliot e Margot se abraçam, felizes pela benção em suas vidas.O tempo passa, tanto que as notícias mudam e a imagem do então presidente e sua esposa some. Eu continuo no mesmo lugar, sentada no meio da cama, olhando para o nada. Me permito sentir a rejeição, e também um pouco da inveja. Eu não queria estar no lugar deste bebê, pois não confio nas habilidades maternas de Margot. Contudo, eu sinto falta de ter uma família, por mais peçonhenta que a minha tenha sido.Continuo encaran
ANGELIC...Desperto, esticando a mão para o lado e percebendo que estou sozinha na cama. Meu corpo protesta, dolorido em todos os lugares. E que Deus me perdoe por toda profanidade que estou cometendo, mas não consigo me arrepender.Levanto-me. Alcanço minhas roupas no chão, porém elas tornaram-se farrapos inutilizáveis na noite de ontem. Vejo que minha mala está ao lado da porta, então a pego e abro sobre a cama. Escolho jeans e camiseta, para não mostrar as marcas avermelhadas na minha pele.Quando vestida, decido sair do quarto. A casa de Yolanda está sempre com as janelas e portas fechadas, o que não é surpreendente, já que ela mora no Bronx, mas é desconfortável. Os corredores parecem tenebrosos.Desço os degraus, varrendo a sala com os olhos. Há um homem armado na porta de entrada, e ele acena para mim, como se não estivesse pronto para enfrentar uma guerra enquanto eu mal abri os olhos. Contudo, aceno de volta.Este mundo é uma loucura.Me deixo guiar pelo cheio de café que vem