A FILHA DO MEU INIMIGO
A FILHA DO MEU INIMIGO
Por: CANLI
PRÓLOGO

HENRICO ZATTANI

O barulho de molas soltas repercute por todo o longo e escuro corredor, alguns rugidos são mais altos que outros e estão vindo de todas as celas, mas isso é o que acontece quando você põe lunáticos com tanta merda na cabeça que não podem encontrar uma posição pra dormir e esquecer. Deitado na parte superior da beliche que divido com um dos meus companheiros, encaro a foto arrancada do jornal antigo que Guilhermino conseguiu me trazer, o papel está gasto e a cor se dissipa com o passar dos dias, no entanto, ainda posso ver o contorno do sorriso de cada membro da família Leal e a expressão vitoriosa em seus rostos. Augusto fez como disse e ganhou as eleições de Minas Gerais, se tornando governador do estado com grande vantagem sobre os concorrentes. Eu estou mofando atrás de uma grade, enjaulado como um animal, enquanto todos estão sorrindo e seguindo suas vidas como se não tivessem acabado com a minha. Meus olhos vagueiam até encontrar os cabelos loiros e olhos azuis, admiro mais uma vez o rosto bonito e feminino carregado de maquiagem cara, parando em sua mão esquerda, precisamente no círculo dourado com o diamante no topo.

Algo em mim quebrou quando meu melhor amigo trouxe a notícia do casamento, não acreditei até ele me trazer essa foto como prova, sei que no fundo ele ainda espera que eu siga em frente e esqueça todos eles, apague a ideia de vingança e siga minha vida como se nada tivesse acontecido, mas isso é só mais um reforço para que eu siga com meu plano. Não se pode pedir a um homem que foi julgado e condenado por um crime que não cometeu, alguém que teve sua vida roubada e seu coração destroçado para esquecer tudo e seguir e frente. A mulher que amei estava casada com outro homem, agindo como se eu não mais existisse, mas tudo isso estava prestes a mudar, tenho certeza que seu pai não lhe contou toda a verdade e estou voltando para recuperar tudo que é meu por direito.

Movo meus olhos para a sua irmã mais nova, Amélia Leal.

A bastarda está crescida, os cabelos longos e castanhos foram substituídos por um corte moderno e sexy um pouco acima dos ombros, pintados de preto como a escuridão que me consome diariamente. O elo mais fraco da família, ela sempre pareceu prestes a quebrar e isso à torna o peão mais fácil para manipular. O sorriso me escapa, pela primeira vez no dia e um tipo diferente de felicidade me invade. Ela parece uma mulher agora, o olhar marcante, sedutor, eles costumavam me causar comoção no passado. Esse olhar não parece em nada como antes.

Só que agora não sinto nada, baby.— Sussurro, passando meus dedos por sua imagem, incapaz de desviar os olhos dos dela.— Sem pudor ou piedade. Você terá que lidar comigo e não tem como fugir. — Falo baixo, tomando cuidado para não chamar atenção dos meus companheiros.

Após mais alguns minutos encarando a foto, guardo debaixo do meu travesseiro e tento dormir, fechando os olhos e me recusando a abri-los novamente durante a noite, mesmo com todos os gritos e tipos diferentes de barulho.

Alguns companheiros estão fugindo hoje, e eu tive a opção de me juntar a eles e escapar desse lugar antes da hora, mas Guilhermino colocou alguma razão em mim e desisti.

Eu não posso voltar e vencer Augusto se for um fugitivo, não, eu preciso ter minha liberdade de acordo com a lei para conseguir mover as peças certas.

Apenas mais alguns meses.

Repito até pegar no sono, então quando acordo no dia seguinte com um guarda jogando água em mim e rosnando alguns palavrões, eu apenas sorrio e digo que não sei para onde meus colegas de sela foram.

Quando a noite chega novamente, eu sonho com a garota de olhos verdes e me imagino fazendo as coisas mais perversas com ela na frente do seu pai mentiroso e irmã falsa, até que esses sonhos viram minha obsessão e passo a sonhar durante o dia também, criando as mais odiosas cenas e diálogos, me perguntando se a doce caçula Leal tem alguma experiência com homens e seria capaz de me dar prazer, mas também amando a ideia de ser o primeiro.

Ela vai me odiar no final, mas também vai aprender sobre si mesma e duvidar dos próprios sentimentos. Eu vou quebrá-la até o âmago, tomarei seu corpo para mim e guardarei sua alma para meu deleite.

De qualquer forma, meu plano inicia e acaba com ela.

Eu serei o seu fim.

Ei. — Antonio, um guarda que não odeio completamente e mantenho na folha de pagamento me chama, empurrando uma folha impressa de algum jornal digital que gosta de postar sobre a família Leal. — Você me deve. — ele diz e se afasta, gritando com alguns presos que iniciaram uma discussão sobre quem consegue levantar mais peso.

Empurro o pedaço de papel dentro da calça e volto para a cela, depois de ter certeza que estou sozinho, retiro o papel de dentro da calça e leio o pequeno texto acima da foto. Ignoro a bajulação do editor sobre Augusto e me concentro nos nomes mencionados, meus olhos baixando para memorizar as feições do novo marido de minha ex-mulher.

O gosto amargo da traição entorpece minhas papilas gustativas, causando uma necessidade irresistível de brincar, mas não o faço. Eu seguro o olhar do homem na foto e então sigo sua mão, um braço em volta da cintura de sua esposa e o outro em volta de sua irmãzinha.

Parece uma família perfeita, mas tenho um pressentimento estranho sobre o idiota, especialmente porque sua mão está tocando o que é meu.

Respiro fundo, fechando os olhos até afastar a raiva do quarto escuro que mantenho em minha cabeça e voltar a controlar minhas ações.

Apenas mais alguns meses.

Os dias passam e eu me desfaço na autopiedade, buscando refúgio na vingança, nas brigas e nos exercícios.

Termino minha série de levantamento de peso com o equipamento improvisado por alguns internos e descanso no banco de cimento, fechando os olhos para respirar fundo e relaxar os músculos.

Alguém b**e no meu ombro.

Ei menino bonito.

Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar agora, foi a primeira lição que aprendi desde que cheguei aqui, e mesmo que nunca tenhamos trocado uma palavra com ele, eu sabia que era preocupante ter sua atenção em mim agora.

Shadow não é conhecido por fazer amigos, não, da última vez que fui avisado me disseram para não ficar sozinha com ele no escuro se não quisesse me tornar sua bonequinha.

O que você quer!?— Eu rosno, esperando que o idiota perceba que ele é um incômodo.

Ele olha para mim com um sorriso torto que me diz que ele não está impressionado.

Reviro os olhos.

O cara tem um metro e oitenta e está coberto de tatuagens, incluindo uma caveira na garganta, então é claro que não o intimidei.

Eu só pensei que você precisava relaxar.— ele diz com um encolher de ombros e eu olho para ele com desconfiança.

Eu não gosto de caras.— Eu falo e o sorriso dela morre.

E você é muito magro para o meu gosto, idiota. Estou aqui para lhe oferecer um cigarro, não a arma que guardo entre as pernas.—

Quase sorrio com sua comparação de merda, então lembro que estou na cadeia e esse cara é um assassino.

E você está me oferecendo isso?

Ele bufa.

Eu sou um cara como um cara, mas isso não significa que estou dando em cima de você, bonitão.

Eu belisco minhas sobrancelhas juntas.

Ok, me desculpe se eu fui crítico.

Sim, você estava.— ele me corta e eu olho para o cigarro entre seus dedos.

O que essa oferta significa então?

São só cigarros, cara. Essa merda mata, então você não precisa ficar todo emocionado.

Ele estende o cigarro de novo e eu pego, deixando que ele acenda para mim.

Isso aqui é uma merda, talvez a morte seja uma saída melhor.— diz ele, soprando a fumaça para cima, o olhar perdido em um grupo de rostos a alguns passos de nós.

Eu dou de ombros, segurando a fumaça por mais tempo do que deveria.

O que te impede então?

Minha filha.— revela e a surpresa toma conta de mim, mas considerando que ele não parece disposto a dizer mais nada sobre isso, engulo minha curiosidade.

E você?— ele pergunta depois de um tempo.

Vingança.

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