HENRICO ZATTANI
6 meses depois...
Respiro fundo, inalando finalmente o ar puro da liberdade. Encaro com um sorriso a imagem de Guilhermino recostado sobre sua caminhonete azul do outro lado da rua, ele está aqui assim como prometeu. Olho para trás e encaro uma última vez a penitenciária que foi meu lar por três anos e meio. Caminho em direção a meu amigo, com passos moderados e cautelosos, observo seus olhos estreitarem em minha direção, mais precisamente no cigarro entre meuS lábios e não posso deixar de sorrir logo após soprar a fumaça no ar. Este foi um hábito que adquiri na cadeia, experimentei em uma noite, onde nem mesmos meus planos de vingança conseguiam me trazer paz e voilá. Bingo! Levanto as mãos em rendição quando ele arqueia a sobrancelha esquerda em desaprovação, trago uma última vez do meu Dunhill, presente do meu companheiro de cela em comemoração a minha saída. Tendo a ciência que não terei permissão para fumar dentro de seu carro, apago o cigarro e o descarto na única lixeira próxima.Saco. — Desde quando você fuma? Dou de ombros. — Tem alguns meses. — Respondo sucinto, dando a conversa por encerrada. Eu não quero falar do meu novo vício e ele entende que isso. Entramos em sua caminhonete em silêncio, permanecendo assim até uma música começar a soar no rádio. É estranho voltar ao mundo real, quer dizer, com certeza todas as merdas que aconteceram comigo dentro daquele lugar foram reais, mas eu só tinha paredes pra observar o tempo todo, não existiam expectativas ou bons momentos, todos os dias eram apenas aceitáveis. Abaixo o vidro da janela do carro, permitindo uma visão melhor do que acontece lá fora. Fecho os olhos por um momento e me deixo levar, a música baixa do carro e a brisa suave vindo da janela aberta são o suficiente para que a raiva volte. Ele me tiraram até mesmo isso todos esses meses. Meu maxilar contrai e tento buscar calma no refrão da canção. Posso sentir a tensão vindo de Guilhermino, mas mantenho meus olhos fechados mais um pouco. Compreendo sua preocupação com minhas próximas ações e não o culpo, tenho lhe deixado informado sobre tudo o que planejei para a corja dos Leal e o assustei, fui modificado com a prisão e sou diferente do garoto que ele conheceu moleque. Por isso, eu estava fumando. A nicotina me mantém calmo quando o nervosismo e a ansiedade surgem, funciona como um escape. — Madá está fazendo um belo assado de panela em sua homenagem. — Ele fala, dando um leve tapa em meu ponto para me chamar a atenção. Sorrio sincero com a menção do nome da mulher. — Ótimo. Ele bufa. — Ótimo? Tudo que tem pra falar é isso? Onde está sua empolgação pra comer uma comida de verdade? Um sorriso de canto repuxa meus lábios. A comida não era tão ruim, na verdade, era o menor dos problemas que alguém pode ter naquele lugar. — Não estou com fome. — Digo, justificando minha reação. Ele me olha de relance, franzindo o cenho e o encaro, me antecipando e falando antes que comece seu discurso. — Pensei em montar um pouco. — Falo, sentindo-o relaxar em seu banco. — Sinto muito que você tenha perdido Hércules, mas recebemos cavalos novos, pode escolher qualquer um deles. Assinto, voltando o rosto para a janela, não querendo tocar no assunto com a única pessoa que esteve ao meu lado e acabar sendo um escroto. Hércules morreu algum tempo depois da minha prisão, éramos extremamente ligados e ele sentiu muito meu afastamento, o veterinário cogitou que o motivo da morte tenha sido tristeza. Meu cavalo foi um presente do meu pai quando completei dezoito anos, ele era umas das minhas lembranças do meu velho e sua morte também será paga. A entrada da fazenda começa a aparecer logo à frente, meu coração começa a palpitar vendo todos os funcionários na entrada. Eu quase perdi a única herança que meus pais me deixaram no meio de toda essa confusão, sou muito grato a cada homem e mulher que trabalharam duro e não desistiram de mim quando tudo parecia ruir. — Antes de descermos do carro, quero te perguntar se você ainda mantém aquelas ideias na cabeça. — O olho, sabendo exatamente do que ele fala. — Sim. — Aquele homem é perigoso, você foi parar na cadeia da última vez. —Escuto suas palavras, mesmo já tendo conhecimento sobre isso. — Eu sei, mas não tenho medo. Posso te garantir que não sou o mesmo de antes. — Agora é sua vez de me olhar. —Eu vejo isso. Estou aqui para o que precisar. —Fala. — Não vou te envolver nisso. —Declaro. —Henrico, seu pai me acolheu quando eu ainda era um molecote e precisava de ajuda, pra mim você é como um irmão mais novo, e eu não abandono a família. Fecho os olhos, solto um longo suspiros. Não vou tentar convencê-lo do contrário agora. — Tenho uma coisa pra te mostrar. —Ele estende seu celular, aberto em uma página de fofoca e o encaro confuso. — Apenas leia. — Fala. “Amélia Leal fará festa para comemorar seus 18 anos em uma boate local super badalada, a jovem conta com a presença dos pais, a irmã mais velha e os amigos mais próximos. Boatos dizem que será algo refinado e discreto como ela, mas todos estarão mascarados e a comemoração durará madrugada inteira.” Leio a matéria inteira duas vezes. Uma foto da menina estampa a parte de cima da notícia e pisco algumas vezes enquanto encaro a imagem. Lembranças da primeira vez que a vi invadem minha memória. “Desço do quarto me pedindo resiliência e controle, tento esquecer por este momento as últimas informações que obtive sobre a família da minha esposa e bancar um bom anfitrião, mas o que vejo ao deixar o último degrau me tira do eixo. — Quem é você? — Avalio a figura pequena que acaricia a penugem de uma galinha no meio da minha sala. – Inclino a cabeça, tentando melhorar meu campo de visão e entender o que está acontecendo.— O gato comeu sua língua, menina? Não pode invadir minha casa, roubar minhas galinhas e depois me ignorar.A garota sussurra, o longo cabelo castanho cobrindo a metade do seu rosto, mas ainda posso perceber seus ombros se movendo como se estivesse falando algo. —O que disse? Fala alto, porra!—Digo impaciente. — Eu disse que meu nome é Amélia e não invadi sua propriedade ou planejava sequestrar sua preciosa galinha, idiota.” — Você sabe a data e o endereço exato dessa boate? — Pergunto. — Ocorrerá amanhã a noite na boate Vazz, você sabe qual é. Sim, eu sabia. Era uma das minhas boates favoritas quando mais jovem. — Vou precisar de uma máscara. — Falo. — Não, nós vamos precisar de duas máscaras. — Ele me surpreende ao dizer, mas decido não questionar, será bom ter alguém conhecido para controlar minha raiva.HENRICO ZATTANIO fato de Curvelo ser um município pequeno e interiorano faz com que todos os seus habitantes se sintam membros de uma só família e se intrometam sem permissão na vida uns dos outros, apesar de ser um homem reservado meus pais me educaram para ser gentil e cortês com qualquer pessoa que cruze meu caminho, independente se essas pessoas são um bando de bisbilhoteiros intrometidos ou não. Ainda assim, eu não me senti bem-vindo ou confortável na minha própria casa, meus pensamentos estavam distantes e perdidos nas lembranças. Faz muito te
AMELIA LEALChegar a maior idade costuma ser um grande marco para a maioria dos adolescentes, a euforia da tão sonhada independência e falsa liberdade, mas não pra mim. O vestido caro e elegante que alguém do marketing do meu pai escolheu está deitado sobre minha cama faz meia hora e tudo que consigo sentir é frustração. Eu ainda quero fugir e ligar o foda-se pra todo mundo dessa cas
HENRICO ZATTANIEu quase estraguei tudo. Esqueci por algum tempo que estava na maldita festa para vigiar e conhecer mais sobre o inimigo, mas acabei dividindo copos de tequila e confraternizando, foi tão natural que não percebi que estava baixando a guarda e relaxando, na cadeia se manter em alerta é o que te mantém vivo, não é os guardas que estão ali para supostamente nos vigiar e "resguardar", muito menos os seus parceiros de selas,
AMÉLIA LEALExistem duas coisas que podem tornar meu dia melhor e estou indo fazer uma delas agora, já que passar um tempo com Dona Anna Maria se tornou impossível desde que ela decidiu embarcar no mundo da política e participar com frequência dos eventos. Esposa do ano.Um sorriso se forma em meus lábios assim que avisto a sacada do lar aquarela, morada de quase vinte crianças de ambos os sexos e idades distintas, onde tenho me voluntariado desde os dezesseis. Conheci o lugar quando tinha doze anos, fazendo uma visita ao bairro onde minha mãe cresceu. Acontece que foi paixão a primeira vista e de quebra encontrei um refúgio seguro. O táxi estaciona de frente a instituição e o agradeço, pagando pela corrida e saltando para fora do com pressa. Estou morrendo de saudade dos meus pequenos. Dou uma última olhada pra trás para checar se Júlio e César, meus seguranças, estão me seguindo. Reviro os olhos ao constatar que sim, no começo, até conseguia despistar e viver como uma garota normal e
HENRICO ZATTANIÉ tortura vê-la tão feliz com outro, saber que existe alguém ocupando o lugar que é meu por direito me deixa insano, na verdade, traz o de pior em mim à tona.Parece que minha vida foi arrancada sem que eu tivesse chance de escolha e tudo está fora do lugar.Me agarrei ao nosso amor quando fui preso, acreditei que ela ficaria contra o pai e me apoiaria, ou, encontraria provas da minha inocência e me tiraria de lá, mas nem ao menos uma visita ela se dignou a fazer. Aurora é quatro anos mais velha que eu, e fiquei enfeitiçado com sua segurança, beleza e independência quando nos conhecemos. Meu erro.Ela casou com um menino do interior sem se importar com o falatório e críticas, mas acreditou na primeira mentira que ouviu.Eu não sou mais um menino, no entanto. Não sou mais tão ingênuo e definitivamente não tão apaixonado.Ela não parece mais com a minha Aurora.No entanto, meus pensamentos sempre são guiados para os momentos em que vivemos juntos, os poucos meses que pass
AMÉLIA LEAL —É um menino. — É a primeira frase que Pedro fala assim que envolve seus braços ao meu redor, me abraçando com força.Os olhos brilhando em encantamento me fazem sorrir e trazem uma felicidade inexplicável para meu coração,ele é uma das poucas pessoas que me fazem bem, além dele só tem mamãe e as crianças do orfanato. Correspondo ao seu abraço e o aperto de volta, permitindo que meu corpo relaxe junto do seu, embora esteja confusa sobre sua fala.— Descobrimos o sexo hoje cedo e não sei por qual motivo, mas quis dividir com você. Acho que é por ser como minha irmãzinha mais nova e melhor amiga. — Diz e uma pedra de gela se infiltra no meu estômago.Irmãzinha.Sério? Entre todas as palavras, ele tinha que usar essa?— Eu sei que sua irmã iria lhe falar, mas não me aguentei e quis ser primeiro. — Engulo a seco, me sentando na cadeira quando ele faz o mesmo e se senta à minha frente.Minha irmã. Não estou certa se Aurora me contaria sobre o sexo do filho, meu sobrinho, na ver
HENRICO ZATTANIEu gosto de como o cabelo dela está jogado para lado, assim tenho uma visão privilegiada da pequena tatuagem de estrela que ela mantém escondida atrás da orelha esquerda. O que não significa que goste de observá-la ou tenha ficado minimamente curioso sobre o significado do desenho, também não estou pensando se existem outras pelo seu corpo. Estou aqui para dar mais uma passo em meu plano, hoje consegui provas suficientes pra derrubar o chefe de gabinete do meu ex sogro e deixá-lo sem muitas saídas. O tal Alencar está envolvido com lavagem de dinheiro e foi fácil descobrir, o idiota estava lavando em um lava-jato. Amador.O paspalho não deve assistir noticiário, se assistisse saberia que esse tipo de estabelecimento é o primeiro a ser investigado. Infelizmente não consegui nada contra Augusto Leal, contudo, continuo feliz.Primeiro você derruba toda a cavalaria, depois o rei.Amanhã estará estampado em todos os jornais e meios de comunicação. Soares me garantiu a prisão
AMÉLIA LEAL O gosto do chocolate trufado, recheado com licor de cereja, inunda meu paladar na primeira mordida e em poucos segundos os hormônios da felicidade são estimulados, fazendo com que pequenos suspiros de prazer saiam de minha garganta.Essa foi a sobremesa que ele deixou para mim.Acabo com todos os bombons em poucos minutos, me questionando a cada mordida como o filho da mãe sabe da minha preferência por chocolate, certo que esse deve ser um doce apreciado por quase todo mundo, mas como ele pode saber que esse em questão é o meu PREFERIDO.Gemo, culpada por esvaziar a caixa toda e ser tão fácil manipulada.Aceitei ser vendada enquanto jantava com um desconhecido, nem ao menos sei seu nome e mesmo assim fui, me submeti a um ato de submissão apenas para saciar minha curiosidade. Ele tinha razão, eu fiquei excitada com toda a situação. O mistério, a sua voz rouca me puxando sempre ao seu encontro e o jogo todo me envolve e instiga a querer mais e mais.No entanto, estou fic