AMÉLIA LEAL
Existem duas coisas que podem tornar meu dia melhor e estou indo fazer uma delas agora, já que passar um tempo com Dona Anna Maria se tornou impossível desde que ela decidiu embarcar no mundo da política e participar com frequência dos eventos. Esposa do ano.
Um sorriso se forma em meus lábios assim que avisto a sacada do lar aquarela, morada de quase vinte crianças de ambos os sexos e idades distintas, onde tenho me voluntariado desde os dezesseis. Conheci o lugar quando tinha doze anos, fazendo uma visita ao bairro onde minha mãe cresceu. Acontece que foi paixão a primeira vista e de quebra encontrei um refúgio seguro. O táxi estaciona de frente a instituição e o agradeço, pagando pela corrida e saltando para fora do com pressa. Estou morrendo de saudade dos meus pequenos. Dou uma última olhada pra trás para checar se Júlio e César, meus seguranças, estão me seguindo. Reviro os olhos ao constatar que sim, no começo, até conseguia despistar e viver como uma garota normal e livre, mas eles descobriram e passaram a me seguir de longe, sem grandes interferências, mas nunca passando despercebidos.
Volto minha atenção para a grande casa e bato no portão de ferro, chamando a atenção de seu Severino que cuida da parte de vigilância do lugar. Ele abre um sorriso quando me ver e corre apressado em minha direção.
— Menina, achei que não viesse mais. — Ele fala, abrindo o cadeado e me dando passagem.
Sorrio agradecida.
— Bom dia, seu Severino. Eu sempre venho. — Pisco pra ele e me encaminho para os quatro degraus que me esperam.
Meu corpo está agitando pelo dia de hoje, não consigo deixar de sorrir quando abro a porta e dou de cara com Vivi e Dieguinho brigando por um biscoito, ambos só tem três aninhos e vivem em pé de guerra por qualquer coisa. Como são os mais novos do lar são paparicados por todos, mas meu coração aperta quando os vejo assim, disputando comida.
Nesses momentos vejo o quanto fui previlegiada, tendo tudo de melhor pra comer e vestir. E não é como se eu não gostasse de entrar em uma loja e não ter que me preocupar com preços, eu apenas nunca me importei por achar a coisa mais natural do mundo, sempre ter o que a hora que quer, mas aqui descobri o quanto vivi em um mundo de fantasias.
— Ei, seus pertinhas. — Falo, ganhando a atenção dos dois seres, eles dão gritinhos e correm pra mim.
Me abaixo, ficando na altura deles e os abraço forte. Estava com saudade disso.
Inalo o cheirinho de bebê natural de ambos e beijo a bochecha dos dois.
—Titia, Digo quér meu bicoito. — Vivi fala, segurando meu rosto com suas duas mãozinhas para que eu lhe dê total atenção.
— Mintila,o bicoito é meu! Vi é mentilosa.
Diego fala, puxando o biscoito da mão da menina e colocando todo na boca. Ele parece com raiva quando faz isso, se torna até engraçado pela careta que ele faz pra ela.
Minha menina faz biquinho, ainda olhando pro garoto sem acreditar no que ele acabara de fazer um abre o berreiro. Chorando como uma desesperada, enquanto Diego a olha assustado, quase arrependido do que fez.
Ele cobre os ouvidos.
— Você é muito cholona, Vi. — Diz.
Ela aumenta o choro e sou obrigada a tomar uma atitude.
— Ei, garota. Você não pode chorar por um pedaço de biscoito, você é durona, lembra? — Digo, enxugando as lágrimas do rostinho redondo, empurrando pro fundo da minha consciência a sensação de inutilidade
Ela funga, processando minhas palavras e cessando o choro.
— Eu não gosto dele. — Ela diz, apontando para um Diego silencioso ainda do outro lado.
Ele sempre foi mais observador, quieto.
Quando penso em abrir a boca para interceder, meu menino toma a frente e beija os cabelinhos ruivos de Vivian.
— Você é minha amiga, não é? — Ele pergunta, segurando o rosto dela com as duas mãos, todo bonitinho, cheio de personalidade.
Um silêncio paira sobre os dois e observo tudo com atenção. Eles parecem se conectar só com o olhar.
— Você é mau. —Ela resmunga, baixo.
— Não sou mau, você é minha vi.
— Não sou. — Diz emburrada.
— Descupa, depois compro montão de bicoito pra você.
— Mesmo? —Os olhos graúdos e esverdeados brilham de expectativa.
— Mesmo, você ainda gosta de mim? — Isso faz meu coração partir.
Eles estavam brigando por comida.
— Sim.
A cena é tão fofa que intercalo entre sorrir e chorar. Os dois se abraçam e depois saem correndo.Me levanto e vou rumo as outras garotas que também são voluntárias no lugar, meu trabalho é interagir com as crianças e trazer atividades lúdicas. Mas Simone, que é formada em matemática ensina para as crianças mais velhas três vezes por semana.
Passo uma boa parte do meu dia por lá, saindo pelo fim da tarde, sendo interceptada na saída por um Diego que pede para que eu compre um monte de biscoito de chocolate. Garoto esperto.
Sorrio pra ele e garanto que sim, eu já tinha pensado nisso e em outras coisas também. Preciso encontrar uma dessas pessoas que ajudam financeiramente instituições carentes, talvez algum dos excelentíssimos amigos de meu pai.
Corruptos nadam na grana fácil, esse dinheiro é do povo mesmo.
Beijo sua testa, bagunço seu cabelo e dou tchau pro resto das crianças. Pego um táxi e volto pra casa, tirando minhas roupas e jogando pelo meu quarto. Eu amo aquelas criaturinhas, mas elas me deixam esgotada.
Meu celular apita sobre a cama e uma mensagem aparece. Franzo o cenho, pois o número é desconhecido.
Um sorriso involuntário me toma quando leio o conteúdo.
O mascarado da tequila.
Céus, tive que aguentar um discurso incessante do Senhor Augusto de como uma dama deve se portar nos lugares. Mamãe não falou nada enquanto ele falava, parecia perdida enquanto me fitava, só depois que ficamos a sós é que ela começou a chorar e a rir, balbuciando o quanto a neném dela estava crescida e perguntou sobre o tal cara misterioso. Foi uma conversa estranha em mutos sentidos.
"Eu vi vocês lá, sorrindo um pro outro como se fossem íntimos. "
Ela disse.
Minhas bochechas esquentaram e coloquei a culpa no álcool, ela sorriu maliciosa e concordou, mas continuou sorrindo. Quando terminou uma lista de perguntas, ficou séria e me mandou nunca mais dar perda total em uma festa, esclarecendo que qualquer pessoa deve ficar sóbria o suficiente para achar o caminho de volta pra casa sozinha.
Balanço minha cabeça, afastando as lembranças e voltando para o presente.
Franzo o cenho e busco pelo meu quarto, olhando diretamente para escrivaninha que é onde Germana coloca minhas encomendas que chegam, suspiro, surpresa ao visualizar uma pequena caixa preta de veludo.Curiosa, largo o celular na cama e corro para a caixa, abro e encontro um par de brincos de esmeraldas juntos de um bilhete escrito a mão. São pequenos e delicados, nada muito chamativo como gosto.
Como ele sabe das minhas preferências?
Leio o bilhete, tem apenas uma frase escrita nele.
"Só pensei em você quando os vi."
Pego de volta o celular, ainda surpresa com seu gesto e escolha de presente. Demoro uns dois minutos para pensar em uma resposta de agradecimento, mas lembro que não sei nem ao menos seu nome." Então, como devo chamá-lo? Sr. Mascarado é a única coisa que me vem a cabeça. Odiei os brincos, eles acentuam demais a cor dos meus olhos"
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