CAPÍTULO 4

AMELIA LEAL

Chegar a maior idade costuma ser um grande marco para a maioria dos adolescentes, a euforia da tão sonhada independência e falsa liberdade, mas não pra mim. O vestido caro e elegante que alguém do marketing do meu pai escolheu está deitado sobre minha cama faz meia hora e tudo que consigo sentir é frustração. Eu ainda quero fugir e ligar o foda-se pra todo mundo dessa casa, mas não é tão fácil e por mais que eu queira pegar minha mochila, encher com roupas simples e sumir do mapa, Augusto me encontraria a onde quer que eu fosse. Preciso ser paciente a calma, assim como fiz ano após ano, esperando, ansiando pelo dia que nada poderia me prender. Aceitei que meus aniversários se transformassem em eventos políticos e sociais para planejar.

Suspiro, aliso o tecido rendado do vestido negro e passo pelos meus braços, virando para encarar minha imagem no reflexo do espelho quando já estou por inteira vestida. O modelo abraça minhas curvas e ressalta a cor esverdeada dos meus olhos cobertos por uma maquiagem simples, o pequeno decote em forma de coração é discreto comparado com a grande abertura na lateral, revelando a pele pálida da minha coxa. Meu cabelo está bagunçado, como se eu tivesse penteado com os dedos ou deixado secar naturalmente, ao menos, isso foi escolha minha.

A festa está barulhenta, o Dj toca músicas atuais e a maioria dos convidados estão jogados na pista, dançando de forma eufórica. A mídia não foi permitida aqui dentro, nem mesmo os convidados terão permissão para gravar ou fotografar. Pelo menos, não enquanto meu pai estiver circulando. Sorrio para alguns convidados, alguns conhecidos e outros nem tanto.

Aproveito o momento de distração que meus pais se encontram e escapo de fininho rumo ao bar. Ajeito a máscara de renda preta que cobre metade do meu rosto, apenas para assegurar que ela está no lugar certo. Bato no balcão para chamar a atenção do bar man e sorrio ao constatar o quão bonito ele é.

O moreno corresponde e sorrir de volta, mostrando uma covinha pra lá de charmosa no canto esquerdo da boca.

O que a senhorita deseja?

Sinto minha pele esquentar com os pensamentos que surgem com sua pergunta.

Campari, por favor.

Ele arqueia uma de suas sobrancelhas, me avaliando por inteira, provavelmente julgando meu pedido antes de assentir e estender o copo na minha frente.

Quantos anos você tem? —Pergunta com interesse, apoiando as duas mãos no balcão, fixo no meu rosto.

Idade suficiente para provar bebida de verdade. — Uma voz desconhecida fala. Um homem alto, com uma máscara cobrindo só metade do seu rosto, usando blusa social negra com as mangas levantadas até a parte dos cotovelos surge bem ao meu lado, puxando um dos bancos e se sentando sem nenhum convite.

Franzo o cenho, fazendo cara feia. Não consigo visualizar seu rosto com precisão por conta da máscara, mas tenho a sensação de familiaridade e me contorço por dentro com a possibilidade de ser algum dos filhos desses políticos meia boca, a droga dessa festa está cheia deles.

Já tenho minha bebida.— Falo, aproveitando para tomar um gole dela.

Com o canto dos olhos observo que é a vez dele de fazer cara feia.

Isso é bebida de gente fresca. — Sibila.

Torço o rosto. Voltando minha atenção pra ele, ignorando que ele acabara de me chamar de fresca e tento soar educada, levando em consideração que ainda não sei sua identidade, embora pareça que ele sabe quem sou.

Com licença. — Falo, me pondo de pé, deixando até mesmo minha bebida pra trás.

Ele se levanta, agarrando meu braço e me impedindo de prosseguir, encaro sua mão e depois seus olhos escuros. O bar man já nos deixou para atender outras pessoas faz um bom tempo, olho a nossa volta checando se tem alguém prestando atenção.

Quem é você? — Questiono.

Sabe quem eu sou. — Responde, me fazendo estreitar as sobrancelhas em confusão. Ele está próximo o suficiente para que possa sentir o aroma forte do seu perfume. Me lembra madeira molhada.

Não consigo enxergar seu rosto. — Falo, me justificando. Comprimindo mais os olhos, tentando pegar algum detalhe que me relembre Alguém.

Eu te reconheci mesmo de máscara. — Fala e eu bufo em resposta.

Ela é transparente, não esconde muita coisa.

Você tem razão. — Concorda comigo.

Vai soltar meu braço agora? — Pergunto, encarando seus dedos que ainda apertam, não tão forte, a pele desnuda do meu braço.

Ele sorrir, embora não mostre seus dentes.

Claro, garota bonita. Você vai me deixar te mostrar o que é bebida de verdade? — Fala, largando meu braço.

O olho com incredulidade. O cara chega na maior pretensão, agarra meu braço e ainda acha que ficarei aqui bancando a boa anfitriã?

Não conte com isso.

O sorriso dele se alarga, dessa vez mostrando os dentes bonitos.

Eu sei que vai, serei o ponto alto do seu aniversário. A melhor coisa que vai te acontecer nessa noite.

Abro a boca para retrucar, dizer qualquer coisa que expulse a sua pose arrogante, mas a imagem de Aurora e Pedro na entrada da boate me faz mudar de ideia. Talvez eu precise de uma bebida forte para me manter sã durante a noite toda.

Você vai me dizer seu nome? — Pergunto, voltando a me sentar no banco do bar.

Duas doses de tequila, por favor. — Ele pede ao bar man, ignorando minha pergunta.

Eu não bebo tequila. — Falo.

Você é chata. Sua vida parece chata. Você deve beber muita tequila hoje.

Aqui está. — O Ricardo, o nome que li no crachá do bar man que ele pediu nossas bebidas fala. Depositando a tequila em copos pequenos na nossa frente, depois um pequeno recipiente de vidro com sal e um prato com pedaços de limão. —Franzo o cenho, não entendendo exatamente o porque do limão.

Assim. — O desconhecido, como eu resolvi chamá—lo fala.

Ele pega um pouco de sal e coloca no torço da mão, lambendo em seguida, virando o copo com a tequila de um vez e depois mordendo o limão, fazendo cara feia no final.

Isso não parece bom. — Comento.

É fenomenal, Amélia. — Diz, falando meu nome pela primeira vez, soando estranhamente natural.

Quem é você? — Volto a perguntar.

Sua vez. — Empurra o copo com a bebida em minha direção, faço exatamente o que ele fez, seguindo a mesma sequência e imitando todo o processo. A bebida queima quando engulo.

Aqui. — Diz. Trazendo o limão para os meus lábios. —Abra a boca e chupe, pode morder se quiser, acho que o efeito é mais rápido assim. — Faço o que diz.

O limão amenizou o gosto da tequila, dando um novo sabor a bebida. Sorrio.

Não é ruim. — Digo.

Mais uma rodada. — Ele fala.

Nós já tínhamos virado mais de cinco copos cada, quando tudo começou a rodar e disparei a rir como uma doida de tudo, qualquer coisa mesmo. Ele pediu uma garrafa d'água e me abanou um pouco, usando as próprias mãos, sorrindo. Eu me senti feliz pela primeira vez naquele dia, mas provavelmente teria uma ressaca no dia seguinte. Estreito os olhos para a imagem se formando a minha frente, a loira bonita parece tensa me encarando de longe, cochichando para o homem que enlaça sua cintura. Desvio meu olhar para ele, os olhos preocupados e carinhosos me vistoriam de forma lenta, uma chama se acende dentro de mim. Paro de respirar, balançando com a cabeça em negação, achei que esses sentimentos já tivessem passado.

Deve ser o maldito álcool.

O que foi? — O desconhecido pergunta.

Minha irmã está vindo pra cá. Falo, sentido-o tensionar ao meu lado. Penso em perguntar se ele está bem, mas minha cabeça volta a girar e tenho que fechar os olhos para voltar ao normal.

Tenho que ir. — O desconhecido diz.

Abro os olhos a tempo de vê-lo mergulhar no meio das pessoas e se perder entre elas.

Droga, ela está bêbada. — A voz estridente de Aurora chega aos meus ouvidos. Viro para encará-la de frente, mas quando faço o movimento brusco, outra tontura me bate e tudo fica escuro.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo