— Mamãe, deixe-me ficar aqui essa noite! — Justine pediu.
Após tragar o cigarro, Sophia soltou a fumaça. Ela andou pela sala de estar decorada com móveis provençais enquanto o robe branco de cetim resvalava por entre suas canelas. — Ah, ma chérie, sinto muito, mas não posso. — Deixou o restante do cigarro no cinzeiro. — É só por essa noite. Amanhã, falarei com o Kevin na reunião com o advogado. Tenho certeza de que ele mudará de ideia. — Sério? — Havia um certo desdém na pergunta quando Sophia ergueu uma sobrancelha bem feita. — Olha a foto que a minha amiga enviou. — Virou a tela do celular para Justine ver a imagem de seu marido numa festa ao lado de sua jovem acompanhante. Justine não queria acreditar no que viu. Aquela mulher fingiu ser sua amiga por meses e não perdeu tempo antes de dar o bote. Na foto, Beatrice Drummond estava de mãos dadas com Kevin num evento da empresa. — Incompetente! — Andrew gritou no momento em que entrou na sala. — Todos estão dizendo que o seu casamento com Kevin acabou. — Já te devolvi o dinheiro. — Estúpida! — Vociferou Andrew, nervoso. — Saia da minha casa. — Preciso de um lugar para passar a noite. — Não, você não vai ficar aqui. — O homem robusto aumentou a voz. Andrew tinha quase trinta anos, e embora fosse jovem e tivesse um corpo atlético, apreciava mulheres mais velhas e bem conservadas, como Sophia. — Por favor, mãe! — O olhar suplicante de Justine se deteve na mulher sentada no sofá. — Vá embora, Justine. — Sophia repetiu a ordem de Kevin. — Como pode fazer isso comigo, mamãe? — As lágrimas ardiam em seus olhos. — Primeiro, você me largou com o meu avô depois que o meu pai faleceu e agora, você está me deixando de lado outra vez! — Você não é minha filha, Justine. — A voz de Sophia alterou. — O seu pai era caminhoneiro e, um dia, ele trouxe você para casa depois que sua mãe não quis você. Perdi cinco anos da vida enquanto cuidava de uma criança que não era a minha filha. — Então, foi por isso que a senhora me deixou na França com o meu avô? — É claro, aquele velho te adorava e eu queria viver a minha vida! Aos dezoito anos, Justine saiu da França e foi à Itália procurar Sophia para auxiliar nas despesas médicas do avô, que estava com câncer, mas acabou entrando em um acordo com dois pilantras que destruíram sua vida. De longe, Andrew passou a mão na barba bem feita. Um sorriso apareceu no rosto enquanto ele ouvia a discussão entre Justine e Sophia. — Já chega, pode ir embora, chérie. — Sophia lançou as palavras no ar ao ficar em pé. — Preciso dar um pouco de atenção para o meu marido. — Foi ao encontro de Andrew. Justine nunca sentiu tanto rancor pela mulher que acreditava ser a sua mãe.Ao sair da propriedade Turner, ela pediu ao segurança que chamasse um carro pelo aplicativo. Após chegar no ateliê, ela tirou a aliança de casamento do dedo e entregou ao motorista para pagar a corrida.
Na manhã seguinte, Justine abriu o ateliê, mas nenhuma de suas clientes agendadas apareceu. Por dias, ela esperou, fez algumas propagandas de seu trabalho nas redes sociais e descobriu que muitas clientes estavam falando mal das peças de roupas que ela produziu. Antes, ela mal tinha espaço na agenda e, dias após a separação, não havia mais nada que pudesse fazer para manter o ateliê em funcionamento. Ela demitiu a equipe de funcionárias e fechou o estabelecimento. No dia do divórcio, Kevin mal lhe deu atenção. Apenas rubricou o documento e saiu. Ela correu para alcançá-lo, mas parou ao ver o ex-marido abraçando outra mulher. Ao erguer os olhos, Justine teve um breve vislumbre de Beatrice que, segurou a mão de Kevin, acenou para ela antes das portas se fecharem. As lágrimas brotaram do canto de seus olhos.Arrasada, Justine voltou à sala onde assinou os papéis do divórcio e pegou as coisas que o advogado de Kevin entregou.
— A senhora assinou regime de separação de bens na data do casamento, portanto, o que cada um de vocês possuía antes da união permanece de posse exclusiva das partes. — Não posso ficar com o carro? — O senhor Harrison devolveu o Audi A1 para a concessionária, mas depositou uma quantia de dez mil euros em sua conta bancária. Isso mal dava para sanar as dívidas. Como ela pagaria os salários das funcionárias, os fornecedores, que sempre cobravam, e o senhorio, que insistia em pedir o aluguel do imóvel onde abrigava o ateliê? — E quanto às minhas roupas, os meus sapatos e os meus acessórios? — Justine indagou quando uma ideia lhe ocorreu de repente. — O assistente do senhor Harrison deixou algumas malas com seus pertences. Pedirei à minha secretária para conduzir a senhora até a sala onde estão as bagagens. — E quanto ao meu bebê? Estou grávida! — Já falou com o senhor Harrison sobre isso?— Eu contei, mas o Kevin acha que o filho não é dele.
— Converse com seu advogado sobre isso e peça para entrar em contato comigo, por agora, isso é tudo. Como pagaria um advogado naquela altura da vida? Ela mal tinha onde dormir ou comer, quem dirá pagar os honorários de um advogado que exigisse uma pensão do senhor Harrison.Justine saiu de lá, levando uma bagagem por vez até o táxi que a aguardava na portaria do prédio. Logo, ela fez um dinheiro vendendo as roupas, os sapatos e os acessórios de grife em um brechó improvisado. Ela conseguiu pagar algumas das dívidas e alugou um apartamento pequeno e modesto no centro.
Em poucos dias, Justine arrumou trabalho como assistente em outro ateliê e destacava-se em tudo o que fazia, mas, certo dia, foi demitida após reclamações de uma das melhores clientes. — Qual nome dela? — Justine quis saber a todo custo. — Por favor, não complique a minha situação. Aqui está seu pagamento, agora vá! — A dona do Ateliê de Moda dispensou sem lhe dar maiores explicações.Cada dia era um recomeço inevitável. Por dois meses, Justine procurou vagas em outros ateliês na cidade da moda, mas não conseguiu outros trabalhos nessa área.A barriga mal aparecia no quinto mês de gestação. Justine estava muito magra devido à má alimentação. Logo o bebê chegaria e, na situação em que vivia, qualquer trabalho era bem-vindo. Por vezes, ela procurou pelo ex para falar sobre a gravidez, mas Kevin foi para Califórnia com a sua amiga Beatrice e não tinha previsão de retorno. Por mais que a Justine pedisse o contato do ex para falar sobre o bebê, não conseguia.Ela ficou sabendo que o assistente do CEO já tinha dado a ordem para não permitirem a entrada de Justine na empresa e na mansão. Inclusive, proibiu os funcionários de divulgar qualquer informação sobre o chefe.Para garantir o próprio sustento, Justine lavava louças e limpava a cozinha do restaurante durante a noite.No oitavo mês da gestação, ela estava limpando o chão quando a bolsa estourou e as suas contrações
No Grande Hospital Metropolitano Niguarda, em Milão, a mãe desesperada fazia uma prece silenciosa. O coração batia com força, e o nó na garganta parecia sufocá-la enquanto as lágrimas banhavam seu rosto. A culpa a corroía por dentro. Ela ficou tão dispersa enquanto pensava no ex que não se deu conta do que acontecia ao seu redor no ponto de ônibus.— Senhorita Delacroix! — A doutora Spina chamou.— Como está o meu filho? — Justine ergueu o rosto abatido antes de perguntar.— Está em estado grave… Bryan teve múltiplas fraturas e uma hemorragia.— Por favor, salve o meu filho, doutora! — Justine pediu em meio ao desespero.— O seu filho precisa de uma transfusão, e não temos bolsas de sangue de RH nulo. Averiguei para ver se conseguia em outros hospitais ou pontos de coleta, mas é um tipo sanguíneo raro.— Tem certeza, doutora?— Já me certifiquei, senhora Delacroix.— Ele não pode receber outro tipo sanguíneo?— Senhora Delacroix, o sangue dourado possui hemácias que não contam com nenh
O salão do Palazzo Parigi Hotel em Milão estava iluminado como um conto de fadas. As luzes douradas refletiam em cada detalhe do ambiente requintado, desde as cortinas de veludo até os lustres de cristal que pendiam do teto, espalhando um brilho suave sobre os convidados. As mesas estavam elegantemente dispostas com toalhas brancas e arranjos florais exuberantes, criando uma atmosfera de celebração.Kevin estava parado em um canto, observando a cena com um olhar distante. Ele parecia estar ali, mas sua mente estava longe, vagando por um labirinto de pensamentos inquietos. A visão de sua noiva animada não parecia atingir seu coração com a mesma intensidade que deveria.Beatrice aproximou-se dele, radiante em um vestido de noiva deslumbrante, o sorriso em seu rosto era sincero e cheio de expectativa. No entanto, o brilho nos olhos de Kevin estava em falta, como se uma nuvem escura pairasse sobre ele.— Você está bem, querido? — Beatrice perguntou, colocando a palma da mão sobre a de Kev
A tranquilidade daquele homem não combinava com a aflição de Justine. Ela estava com um olhar melancólico, mas úmidos pelas lágrimas teimosas, enquanto Kevin permanecia calmo, totalmente frio por dentro.Os olhos do senhor Harrison percorreram o quarto, examinando tudo com maestria. Parecia um detetive investigando uma cena terrível sem derramar uma lágrima. Por mais que mantivesse sua frieza habitual, Kevin sentiu um nó na garganta. Não era assim que ele gostaria de conhecer o filho. — Por favor, doutora, comece os procedimentos. — A voz rouca proferiu secamente. — Não tenho o dia todo.— Sim, senhor Harrison. Com licença! — Disse a médica antes de se retirar.A sola dos mocassins batia contra o piso, o som dos passos se misturando à sinfonia dos aparelhos que mantinham o garoto vivo. Kevin estagnou bem ao lado da cama, respirando pesadamente.— Muito obrigada! — A voz de Justine mal constituiu um murmúrio.— Não faço isso por você, — vociferou Kevin ao olhá-la sobre o ombro direito
Por uma parede envidraçada, Kevin viu os funcionários do hospital que se amontoavam para ver o tumulto causado por sua noiva. — Alessandro, leve Beatrice de volta para o hotel. — Sim, chefe! — disse o assistente. — Vou ficar com você, amor. — Fazendo beicinho, Beatrice falou. Ela tocou na camisa de linho, sentindo o peitoral rígido do noivo. De imediato, Kevin segurou no punho magro de Beatrice e puxou-a para fora. Equilibrando-se no salto alto, Beatrice andava até sair do quarto. Abruptamente, o Sr. Harrison parou e aprumou-se. — Você vai acreditar nessa mentira da Justine? — Os cílios de Beatrice piscavam sem parar. — Volte para o hotel! — A ordem saiu entre dentes. — Não vou. — Muito bem! — Kevin franziu ainda mais as sobrancelhas quando exclamou. — Fique aqui e lembre-se que este será o fim do nosso compromisso. — Está rompendo o noivado comigo? — Assumiu uma postura melindrosa. — Isso depende de você… — Kevin enfiou as mãos nos bolsos laterais da calça de linho pret
Após ver o resultado que confirmou que era o pai do filho de sua ex-mulher, Kevin decidiu tomar providências para transferir Bryan para um dos nove melhores hospitais da Itália. Antes mesmo de voltar ao quarto, ele conversou com o diretor do hospital e solicitou a transferência do paciente logo após a transfusão. O clima ficou ainda mais pesado no quarto; a médica saiu de perto e foi até a equipe de enfermagem para dar algumas instruções. — Não vou te impedir de doar sangue para o Bryan. — Ela transpôs o muro invisível erguido pelo silêncio. — Só acho que você não pode passar na minha frente e tomar decisões sobre a vida do meu filho. — Você não tem mais direitos do que eu, Justine… — Direitos? — replicou, ultrajada. — Como se atreve a falar de direitos depois que me enxotou de casa daquela maneira e rejeitou a mim e ao seu filho? Você não tem nenhum direito sobre o Bryan. A equipe médica parou para assistir à cena. Uma das enfermeiras pôs a mão na boca, chocada.— Ven
Justine observava a palidez do ex-marido, como se a cor da vida tivesse sido drenada de seu rosto. O ambiente ao redor era uma confusão de vozes baixas e murmúrios ansiosos. — Não posso deixar o senhor nessas condições — Justine insistiu, tentando manter a calma enquanto olhava para o homem enfraquecido. Os olhos azuis de seu ex-marido estavam mais fundos e sombrios, demonstrando a fraqueza que ele não conseguia disfarçar. — Peça aos seus guarda-costas para deixá-lo em casa. Ele tentou permanecer ereto, mas o corpo tremeu levemente. — Não! — disse com veemência. — Vou ficar aqui até ter notícias do meu filho. — A voz rouca era quase inaudível. Era irônico vê-lo enchendo a boca para dizer “meu filho” após ter rejeitado Bryan quando ainda estava no ventre da mãe. Sete anos haviam se passado e Kevin, com todo o seu orgulho e distanciamento, estava reconhecendo a importância de seu herdeiro, mas de uma forma dolorosamente tardia. Justine estava tão concentrada em tentar ajudar
— Desculpe, não tinha intenção de acordá-lo. — Como está o Bryan? — A doutora Spina disse que conteve a hemorragia, mas ele continua na unidade de terapia intensiva, recebendo o sangue que o senhor doou. — Só fiz o que estava ao meu alcance para salvar a vida do meu filho. — Kevin respondeu em um tom neutro, recuperando a postura enquanto ajeitava as costas no travesseiro. — Farei o possível para que os melhores médicos cuidarem dele e para dar a vida que o meu filho tem direito. — O que está querendo dizer com isso? — Justine indagou, incrédula. — Como você sabe, eu já pedi a transferência do meu filho para o hospital de Turim. Aliás, eu planejo criar meu filho em minha casa, a qual é o lugar dele. A mente não conseguia formular as palavras certas para expressar o que sentia. Justine precisou de mais quinze segundos para vencer a incredulidade, e Kevin encarou aquele extenso silêncio como encorajamento para continuar a propor: — Logo, vou me casar e adoraria cuidar