O salão do Palazzo Parigi Hotel em Milão estava iluminado como um conto de fadas. As luzes douradas refletiam em cada detalhe do ambiente requintado, desde as cortinas de veludo até os lustres de cristal que pendiam do teto, espalhando um brilho suave sobre os convidados. As mesas estavam elegantemente dispostas com toalhas brancas e arranjos florais exuberantes, criando uma atmosfera de celebração.
Kevin estava parado em um canto, observando a cena com um olhar distante. Ele parecia estar ali, mas sua mente estava longe, vagando por um labirinto de pensamentos inquietos. A visão de sua noiva animada não parecia atingir seu coração com a mesma intensidade que deveria.
Beatrice aproximou-se dele, radiante em um vestido de noiva deslumbrante, o sorriso em seu rosto era sincero e cheio de expectativa. No entanto, o brilho nos olhos de Kevin estava em falta, como se uma nuvem escura pairasse sobre ele.
— Você está bem, querido? — Beatrice perguntou, colocando a palma da mão sobre a de Kevin, quebrando o transe em que ele estava.
Kevin olhou para ela, tentando esconder a inquietação em seu interior, e então, ele esboçou um sorriso, que pareceu mais forçado do que genuíno.
— Sim! — Asseverou com tom firme. — Por quê?
— Você parece distante. — Ela retirou a mão e olhou para ele com preocupação. — Relaxe, hoje é um dia especial.
Não tinha como Kevin relaxar depois do encontro com a ex. O encontro com a ex-mulher e a súplica desesperada de Justine estavam martelando em sua mente. Uma parte dele queria salvar o garoto, mas a raiva enraizada exigia vingança da mulher que o traiu.
— Licença! — Kevin interrompeu o momento, levantando-se da mesa e deixando Beatrice com um olhar perplexo.
— Aonde vai? — ela perguntou, erguendo o rosto em busca de uma resposta.
— Eu já volto. — Ele apressou-se em sua saída, sem olhar para trás.
Kevin fez um gesto para seu assistente acompanhá-lo. Assim que chegaram a um canto mais reservado, longe dos olhares curiosos dos convidados, Kevin se virou para o Alessandro com uma expressão séria.
— Em que posso ajudá-lo, senhor? — Numa atitude solícita, Alessandro perguntou.
— Descubra em que hospital o garoto está. — Kevin exigiu, seu tom não admitia questionamentos.
— Mas, senhor… — Alessandro hesitou.
— Faça o que mandei. — Kevin endossou a ordem entre dentes.
— O senhor sabe o nome do menino?
— É Bryan, — lembrava-se claramente de Justine ter comentado o nome do garoto.
— Não sabemos o sobrenome, senhor! — Alessandro protestou.
— Você é estúpido? — A fúria reverberou em sua voz. — Justine deve ter colocado o sobrenome dela no garoto…
— Vou procurar pelo Bryan Delacroix, senhor. — O assistente concordou, um pouco chocado pela importância que o chefe dava para o filho de Justine.— Quero as informações em meia hora. — Kevin ordenou, enfiando as mãos nos bolsos.
— Sim, senhor! — A contragosto, Alessandro saiu às pressas para cumprir a ordem.
Naquela noite, Alessandro fez de tudo para informar a Beatrice sobre o retorno da ex do CEO, mas ela estava tão entretida com os convidados no jantar de ensaio que mal lhe dirigiu a palavra naquela noite.
Enquanto isso, Beatrice estava tão imersa na celebração, coordenando os detalhes finais e interagindo com os convidados, que não percebeu o comportamento estranho de Kevin. A animação dela contrastava fortemente com a preocupação e tormento que atormentavam o noivo.
Quando retornou ao salão, Kevin aprumou-se em seu traje de noivo. O terno bem ajustado parecia, de alguma forma, ainda mais opressor para ele. Ele entrou no salão com a postura ereta e a mente carregada, sua atenção dividida entre a iminente cerimônia e a situação angustiante envolvendo o filho de Justine.
Em seu elegante vestido de seda branco, Beatrice desfilou graciosamente pelo salão até chegar mais perto do noivo.
— Hora de tirar as fotos, querido! — Sorrindo, ela falou discretamente.
Kevin ajustou a postura e posicionou-se ao lado dela. O contraste entre a alegria da noiva e a melancolia de Kevin era quase tangencial. Cada flash das câmeras parecia capturar não apenas a beleza do momento, mas também a sombra de uma lembrança que Kevin não podia esquecer.
Ele não conseguia deixar de pensar na festa de seu casamento com Justine anos atrás. O coração dele saltava de felicidade naquela noite. Não importava o quanto ele se esforçava para distanciar-se do passado, Justine estava eternamente marcada em sua memória. O amor, a traição e a incerteza sobre o futuro de um possível filho. As dúvidas e as emoções contraditórias eram um peso que ele não podia simplesmente ignorar.
A noite avançava e, embora o salão estivesse cheio de alegria e celebração, o coração de Kevin estava em outro lugar, lutando contra um dilema interno que poderia mudar o curso de sua vida para sempre.
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Hospital Metropolitano Niguarda, Centro de Milão.
Na Unidade de terapia intensiva da ala infantil, a mulher desolada estava sentada ao lado da cama do filho. Os cabelos loiros escuros roçavam em seu rosto molhado de lágrimas, enquanto os seus olhos cor de âmbar observavam as marcas roxas e os cortes no rosto do pequeno Bryan. Era doloroso ver o filho debilitado e inerte sobre aquela cama.
Toda a equipe médica continuava em busca do sangue dourado para a transfusão do garoto. Em silêncio, Justine tocava o bracinho engessado do menino. Bryan gostava de jogar futebol, estava sempre a quebrar algum objeto quando jogava bola em casa.Naquele momento tão conturbado, restava-lhe apenas a fé de que uma boa pessoa doasse o sangue e salvasse o pequeno Bryan.— Senhora Delacroix! — A médica chamou.— Sim! — Justine secou o rosto com a palma das mãos.— Conseguimos um doador! — A doutora mencionou com um sorriso contido.— Sério? — Inquiriu ao ficar de pé.Justine mal podia acreditar no que ouviu.— Sim, — A pediatra assegurou. — O doador já está fazendo todos os exames e logo estará pronto para a coleta do sangue.Suspirando aliviada, Justine olhou para o filho adormecido e depois, voltou-se para a médica.— Muito obrigada, doutora! — Abraçou-a.Ela estava de costas para a porta enquanto agradecia à médica e não se deu conta de que uma pessoa surgiu na porta.— Agradeça ao doador do sangue dourado, — disse a doutora ao indicar o homem alto que estagnou na porta.Ao virar sobre os calcanhares, o rosto petrificou. Um nó na garganta impedia Justine de falar. Por que ele decidiu retroceder em sua decisão? A pergunta ocorreu em seu pensamento enquanto encarava os olhos tão azuis quanto o céu numa manhã ensolarada.A tranquilidade daquele homem não combinava com a aflição de Justine. Ela estava com um olhar melancólico, mas úmidos pelas lágrimas teimosas, enquanto Kevin permanecia calmo, totalmente frio por dentro.Os olhos do senhor Harrison percorreram o quarto, examinando tudo com maestria. Parecia um detetive investigando uma cena terrível sem derramar uma lágrima. Por mais que mantivesse sua frieza habitual, Kevin sentiu um nó na garganta. Não era assim que ele gostaria de conhecer o filho. — Por favor, doutora, comece os procedimentos. — A voz rouca proferiu secamente. — Não tenho o dia todo.— Sim, senhor Harrison. Com licença! — Disse a médica antes de se retirar.A sola dos mocassins batia contra o piso, o som dos passos se misturando à sinfonia dos aparelhos que mantinham o garoto vivo. Kevin estagnou bem ao lado da cama, respirando pesadamente.— Muito obrigada! — A voz de Justine mal constituiu um murmúrio.— Não faço isso por você, — vociferou Kevin ao olhá-la sobre o ombro direito
Por uma parede envidraçada, Kevin viu os funcionários do hospital que se amontoavam para ver o tumulto causado por sua noiva. — Alessandro, leve Beatrice de volta para o hotel. — Sim, chefe! — disse o assistente. — Vou ficar com você, amor. — Fazendo beicinho, Beatrice falou. Ela tocou na camisa de linho, sentindo o peitoral rígido do noivo. De imediato, Kevin segurou no punho magro de Beatrice e puxou-a para fora. Equilibrando-se no salto alto, Beatrice andava até sair do quarto. Abruptamente, o Sr. Harrison parou e aprumou-se. — Você vai acreditar nessa mentira da Justine? — Os cílios de Beatrice piscavam sem parar. — Volte para o hotel! — A ordem saiu entre dentes. — Não vou. — Muito bem! — Kevin franziu ainda mais as sobrancelhas quando exclamou. — Fique aqui e lembre-se que este será o fim do nosso compromisso. — Está rompendo o noivado comigo? — Assumiu uma postura melindrosa. — Isso depende de você… — Kevin enfiou as mãos nos bolsos laterais da calça de linho pret
Após ver o resultado que confirmou que era o pai do filho de sua ex-mulher, Kevin decidiu tomar providências para transferir Bryan para um dos nove melhores hospitais da Itália. Antes mesmo de voltar ao quarto, ele conversou com o diretor do hospital e solicitou a transferência do paciente logo após a transfusão. O clima ficou ainda mais pesado no quarto; a médica saiu de perto e foi até a equipe de enfermagem para dar algumas instruções. — Não vou te impedir de doar sangue para o Bryan. — Ela transpôs o muro invisível erguido pelo silêncio. — Só acho que você não pode passar na minha frente e tomar decisões sobre a vida do meu filho. — Você não tem mais direitos do que eu, Justine… — Direitos? — replicou, ultrajada. — Como se atreve a falar de direitos depois que me enxotou de casa daquela maneira e rejeitou a mim e ao seu filho? Você não tem nenhum direito sobre o Bryan. A equipe médica parou para assistir à cena. Uma das enfermeiras pôs a mão na boca, chocada.— Ven
Justine observava a palidez do ex-marido, como se a cor da vida tivesse sido drenada de seu rosto. O ambiente ao redor era uma confusão de vozes baixas e murmúrios ansiosos. — Não posso deixar o senhor nessas condições — Justine insistiu, tentando manter a calma enquanto olhava para o homem enfraquecido. Os olhos azuis de seu ex-marido estavam mais fundos e sombrios, demonstrando a fraqueza que ele não conseguia disfarçar. — Peça aos seus guarda-costas para deixá-lo em casa. Ele tentou permanecer ereto, mas o corpo tremeu levemente. — Não! — disse com veemência. — Vou ficar aqui até ter notícias do meu filho. — A voz rouca era quase inaudível. Era irônico vê-lo enchendo a boca para dizer “meu filho” após ter rejeitado Bryan quando ainda estava no ventre da mãe. Sete anos haviam se passado e Kevin, com todo o seu orgulho e distanciamento, estava reconhecendo a importância de seu herdeiro, mas de uma forma dolorosamente tardia. Justine estava tão concentrada em tentar ajudar
— Desculpe, não tinha intenção de acordá-lo. — Como está o Bryan? — A doutora Spina disse que conteve a hemorragia, mas ele continua na unidade de terapia intensiva, recebendo o sangue que o senhor doou. — Só fiz o que estava ao meu alcance para salvar a vida do meu filho. — Kevin respondeu em um tom neutro, recuperando a postura enquanto ajeitava as costas no travesseiro. — Farei o possível para que os melhores médicos cuidarem dele e para dar a vida que o meu filho tem direito. — O que está querendo dizer com isso? — Justine indagou, incrédula. — Como você sabe, eu já pedi a transferência do meu filho para o hospital de Turim. Aliás, eu planejo criar meu filho em minha casa, a qual é o lugar dele. A mente não conseguia formular as palavras certas para expressar o que sentia. Justine precisou de mais quinze segundos para vencer a incredulidade, e Kevin encarou aquele extenso silêncio como encorajamento para continuar a propor: — Logo, vou me casar e adoraria cuidar
Os olhos de Beatrice arregalaram mais quando Justine se afastou de Kevin, enrubescendo profundamente de vergonha. A situação era incrivelmente desconfortável. — O que está acontecendo aqui? — Beatrice perguntou. Justine abaixou a cabeça, incapaz de olhar nos olhos da outra mulher. — Eu estava agradecendo ao seu noivo por doar sangue para o meu filho. — Justine redarguiu cautelosa quando percebeu o olhar do ex-marido. Beatrice cruzou os braços, tentando mascarar a dúvida e o ciúme que se agitava dentro dela. — Não é o que parece para mim. — A noiva enciumada fez uma pausa, lutando para encontrar as palavras certas. — Não é o que está pensando, querida! — Percebendo o quão ruim a situação parecia, Kevin proferiu. — Quando o Alessandro contou que você desmaiou, vim correndo para o hospital e te encontrei abraçando essa traidora. — Desta vez, Beatrice mirou em Kevin. — O que eu devia pensar? Justine deu um passo para o lado, estava claramente desconfortável. — Por favor, não v
— Vim até aqui para saber como está o meu filho.— Ele vai ficar bem, Bryan é um garoto forte. — Justine disparou sem olhar no rosto dele.— Já pensou na proposta que te fiz?— O meu filho não está à venda. — Justine replicou secamente. — Não foi isso que insinuei. — A voz profunda de Kevin redarguiu. — Eu te aconselho a se dedicar a sua carreira ao invés de desperdiçar o seu tempo como uma subalterna em uma fábrica de costura. Você já fez muito pelo nosso filho nos últimos anos. De hoje em diante, eu posso cuidar do Bryan enquanto você se dedica a sua profissão.A raiva corroía Justine cada vez que ela ouvia a voz irritante do ex-marido.— Quantas vezes vou ter de dizer que não quero o seu dinheiro? — Levantou o rosto, mirando nos olhos azuis do ex-marido enquanto continuava a falar. — Prefiro ficar com o meu filho. Além disso, eu posso me dedicar a minha vida profissional e recomeçar de onde parei quando estiver na França. Era difícil para o Senhor Harrison aceitar um “Não” como re
Justine abriu os olhos com dificuldade, a cabeça latejando como um martelo em fúria. Uma silhueta esguia se destacava no quarto, desfocada e quase fantasmagórica. Ela piscou, tentando clarear a visão, até que a figura se tornou reconhecível. Beatrice usava um vestido preto de manga longa da Balenciaga. O tecido assimétrico, com torção, realçava sua silhueta magra enquanto andava pelo cômodo do pequeno apartamento com móveis rústicos. — Como se sente, querida? — Beatrice cortou o silêncio. Justine tentou se levantar, mas a dor na cabeça a fez cambalear de volta para a cama.— Traga um pouco de água para ela! — Ao olhar para o guarda-costas, Beatrice ordenou. Os ouvidos de Justine captaram as passadas pesadas e, em seguida, o ranger da porta abrindo e fechando. — Foi o seu noivo quem mandou você me sequestrar? — A voz de Justine era um fio de seda, desaparecendo num sussurro. — Ah, não, o Kevin não tem nada a ver com isso! — Beatrice deu uma risada seca e sem humor. — Aliás, o