No Grande Hospital Metropolitano Niguarda, em Milão, a mãe desesperada fazia uma prece silenciosa. O coração batia com força, e o nó na garganta parecia sufocá-la enquanto as lágrimas banhavam seu rosto. A culpa a corroía por dentro. Ela ficou tão dispersa enquanto pensava no ex que não se deu conta do que acontecia ao seu redor no ponto de ônibus.
— Senhorita Delacroix! — A doutora Spina chamou.
— Como está o meu filho? — Justine ergueu o rosto abatido antes de perguntar.
— Está em estado grave… Bryan teve múltiplas fraturas e uma hemorragia.
— Por favor, salve o meu filho, doutora! — Justine pediu em meio ao desespero.
— O seu filho precisa de uma transfusão, e não temos bolsas de sangue de RH nulo. Averiguei para ver se conseguia em outros hospitais ou pontos de coleta, mas é um tipo sanguíneo raro.
— Tem certeza, doutora?
— Já me certifiquei, senhora Delacroix.
— Ele não pode receber outro tipo sanguíneo?
— Senhora Delacroix, o sangue dourado possui hemácias que não contam com nenhum tipo de antígeno RhD, o que o torna muito especial e perigoso para o seu filho — a médica explicou. — O Bryan só pode receber transfusão de sangue desse mesmo grupo sanguíneo — pacientemente, a Dr.ª Spina detalhou. — Compreendeu?
— Sim, doutora! — A voz embargada pelo choro respondeu.
— Conhece alguém de sua família que tenha esse tipo sanguíneo, senhora Delacroix?
Concordando com a cabeça, Justine passou a mão pelo rosto para secar as lágrimas. Apenas cinquenta pessoas em todo o mundo possuíam o “sangue dourado”, e uma delas era o homem que desprezou Justine quando ela estava grávida.
Pelo filho, ela era capaz de qualquer coisa, até mesmo voltar ao inferno do qual escapou.
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Em frente ao imponente edifício no centro de Milão, Justine fitou o enorme letreiro dourado e leu outra vez: “Compainha Harrison Giordano”. Já fazia mais de duas horas que ela tentava entrar, mas o segurança a barrou na entrada. Não restava outra alternativa a não ser aguardar o momento em que visse o ex-marido.
Uma chuva fina começou a cair; contudo, o desespero de uma mãe era mais forte. Justine tentou encontrar abrigo embaixo do teto do pequeno corredor que dava para a porta giratória na entrada do edifício. Os executivos a olhavam com desprezo, tanto na saída quanto na entrada.
— Essa é a ex do CEO da companhia. — Uma mulher cochichou ao contar a fofoca para outra. — Ela é a traidora — a voz anasalada falou com desdém.
Mesmo diante de todos os olhares condenatórios, Justine permaneceu firme em seu propósito. Não sairia dali até encontrar Kevin. Cansada, ela olhou para o topo do edifício; sabia que o ex-marido estava lá e, em algum momento, alguém informaria sobre a presença da ex do CEO.
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Na sala da presidência da companhia, o homem alto ajeitou o blazer slim fit e ajustou o tecido preto aos músculos de seu peitoral e abdômen.
Ele tinha uma postura autoritária. Apesar da beleza da mandíbula e do queixo bem marcado, mantinha o semblante austero. Pegando o celular, ele abriu o aplicativo de mensagens e ouviu o áudio da noiva: “Querido, não se atrase para o jantar de ensaio do nosso casamento”.
— Estou a caminho, Beatrice. — Ele respondeu e apertou o botão para enviar a mensagem de voz.
Kevin passou as mãos pelos cabelos castanhos com reflexos loiros, jogando os fios lisos para trás. Ajeitou o colarinho da blusa de linho branca e desapertou o nó da gravata que parecia sufocá-lo. Casar outra vez era a última coisa que queria, mas, para ampliar os negócios da família, ele iria até o fim.
As batidas severas na porta fizeram-no franzir ainda mais o rosto. Virando-se, ele avançou até a porta em passadas largas e a abriu.
— O que foi desta vez, Alessandro? — O olhar inquisidor fulminou o assistente.
— Senhor Harrison, a sua ex voltou.
— Como ela ousa? — A testa vincou-se ainda mais.
— O segurança mandou Justine ir embora, mas ela continua parada na frente do prédio. Vou chamar a polícia.
— Não! — Kevin ergueu a mão direita, interrompendo-o. — Vou resolver essa situação de uma vez por todas.
Fechando os punhos ao lado do corpo, Kevin saiu de seu amplo escritório decorado com móveis clássicos.
No elevador privativo, ele mirou a carranca do homem com o rosto vermelho refletido no espelho. As veias de sua testa e pescoço estavam saltadas. Mentalmente, ele amaldiçoava o dia em que se apaixonou e fez de tudo pela mulher que o traiu. Quando saiu no saguão, os funcionários se afastaram, dando espaço para o chefe passar.
Alguns dos executivos cumprimentaram-no, mas, naquele momento de fúria, Kevin não queria assunto com nenhum dos colaboradores de sua empresa; os passos duros de seus mocassins sobre o piso vinílico ecoavam até que ele atravessou a entrada principal do edifício.
Do lado de fora, Justine ergueu o rosto. O coração bateu com ferocidade quando olhos dourados e azuis se cruzaram. Justine segurou firme a alça da bolsa no segundo em que encarou a expressão tenebrosa do ex-marido.
— O que veio fazer aqui? — Ele vociferou a pergunta.
— O Bryan…
— Quem é esse? — Kevin a interrompeu. — Por acaso, esse é o seu novo amante?
O rosto de Justine ardia com o constrangimento. Alguns dos transeuntes observavam a cena, curiosos. Mais que depressa, o assistente se aproximou de Kevin, que se agigantou sobre a mulher de estatura mediana.
— Senhor, o seu motorista está lhe aguardando. — Alessandro indicou o Porsche estacionado do lado da calçada.
Passando as mãos no rosto, Kevin tentou recuperar a compostura.
— O Bryan é meu filho e…
— Escute bem, porque eu só vou falar mais uma vez. — Kevin sibilou as palavras entre os dentes cerrados. — Procure o Andrew. — Ele virou sobre os calcanhares, dando-lhe as costas antes de esbravejar: — Faça o favor de não me procurar mais!
O motorista abriu a porta do banco traseiro do Porsche para o chefe. Kevin sentou-se no banco, ajeitando a postura no estofado macio.
— Espere, por favor! — Ela correu e parou ao lado do carro, pondo-se de joelhos antes que ele fechasse a porta. — Ajude o meu filho!
— De quanto dinheiro você precisa para me deixar em paz? — Uma faísca de ódio passou pelo semblante do homem que a fuzilava com o olhar.
— Preciso apenas do seu sangue — a voz trêmula de Justine respondeu.
— Está louca, mulher! — O assistente proferiu e, então, tocou-lhe no ombro para afastá-la.
— Espere. — A voz rouca de Kevin ordenou, enquanto os olhos azuis reprovaram a atitude do assistente. — Para que você quer o meu sangue? — O olhar inquisidor de Kevin pousou em Justine.
— Bryan foi atropelado — o terrível nó na garganta quase a impediu de continuar a contar. Após uma pequena pausa, Justine prosseguiu: — O meu filho está morrendo — ela desatou em lágrimas enquanto tentava explicar. — Ele tem sangue com RH nulo, como o seu.
Em certo momento, a fisionomia de Kevin suavizou. O garoto tinha o sangue raro como o dele.
— Como pode insistir nessa mentira? — Descrente, Alessandro rebateu. — Pare de estorvar o senhor Harrison.
— Estou dizendo a verdade! — Levantando-se do chão, ela se justificou.
Passando pelo assistente do ex, Justine entrou no carro sem ser convidada.
— Saia daí. — Alessandro reclamou, pegando-a pelo braço magro para tirá-la do veículo.
— Kevin, farei qualquer coisa se você salvar a vida do meu filho. — Ela fez a promessa enquanto lutava com o assistente, que a puxou para fora.
— Saia logo, você está molhando todo o assento do carro do chefe. — Alessandro se intrometeu, tirando-a do carro e deixando-a na chuva.
Justine não sabia mais o que fazer. Kevin poderia usar aquilo para se vingar. Por um momento, ela temeu que o ex descontasse a raiva em seu próprio filho.
O assistente entrou no Porsche, fechando a porta do banco do carona em seguida. O motorista deu a partida no carro. Do lado de fora, Justine acompanhou o carro, batendo na janela.
— Prometo que voltarei para a França se o senhor doar um pouco do seu sangue para o meu filho. — Foi tudo o que Justine conseguiu falar antes de o Porsche acelerar. Em prantos, ela viu o carro se afastar.
“E se o garoto for realmente o meu filho?” A questão martelava no subconsciente de Kevin.
— Senhor Harrison, essa mulher está tentando ludibriá-lo, assim como fez da última vez. — Alessandro respondeu como se tivesse escutado os pensamentos do chefe. — Justine é ardilosa. Sei disso porque a deixei na mansão do Andrew Turner depois que o senhor a mandou embora.
— Cale-se! — Aborrecido, Kevin quebrou o silêncio.
Passando a mão na mandíbula apertada, ele olhou para trás da mesma maneira como fizera há anos, quando deixou Justine na chuva, depois que descobriu a traição. As recordações estavam em fragmentos; as peças espalhadas em sua memória juntavam-se lentamente, mas nenhuma delas evocava qualquer resquício de sentimento por aquela mulher. Contudo, o menino não deveria pagar pelos erros da mãe.
O salão do Palazzo Parigi Hotel em Milão estava iluminado como um conto de fadas. As luzes douradas refletiam em cada detalhe do ambiente requintado, desde as cortinas de veludo até os lustres de cristal que pendiam do teto, espalhando um brilho suave sobre os convidados. As mesas estavam elegantemente dispostas com toalhas brancas e arranjos florais exuberantes, criando uma atmosfera de celebração.Kevin estava parado em um canto, observando a cena com um olhar distante. Ele parecia estar ali, mas sua mente estava longe, vagando por um labirinto de pensamentos inquietos. A visão de sua noiva animada não parecia atingir seu coração com a mesma intensidade que deveria.Beatrice aproximou-se dele, radiante em um vestido de noiva deslumbrante, o sorriso em seu rosto era sincero e cheio de expectativa. No entanto, o brilho nos olhos de Kevin estava em falta, como se uma nuvem escura pairasse sobre ele.— Você está bem, querido? — Beatrice perguntou, colocando a palma da mão sobre a de Kev
A tranquilidade daquele homem não combinava com a aflição de Justine. Ela estava com um olhar melancólico, mas úmidos pelas lágrimas teimosas, enquanto Kevin permanecia calmo, totalmente frio por dentro.Os olhos do senhor Harrison percorreram o quarto, examinando tudo com maestria. Parecia um detetive investigando uma cena terrível sem derramar uma lágrima. Por mais que mantivesse sua frieza habitual, Kevin sentiu um nó na garganta. Não era assim que ele gostaria de conhecer o filho. — Por favor, doutora, comece os procedimentos. — A voz rouca proferiu secamente. — Não tenho o dia todo.— Sim, senhor Harrison. Com licença! — Disse a médica antes de se retirar.A sola dos mocassins batia contra o piso, o som dos passos se misturando à sinfonia dos aparelhos que mantinham o garoto vivo. Kevin estagnou bem ao lado da cama, respirando pesadamente.— Muito obrigada! — A voz de Justine mal constituiu um murmúrio.— Não faço isso por você, — vociferou Kevin ao olhá-la sobre o ombro direito
Por uma parede envidraçada, Kevin viu os funcionários do hospital que se amontoavam para ver o tumulto causado por sua noiva. — Alessandro, leve Beatrice de volta para o hotel. — Sim, chefe! — disse o assistente. — Vou ficar com você, amor. — Fazendo beicinho, Beatrice falou. Ela tocou na camisa de linho, sentindo o peitoral rígido do noivo. De imediato, Kevin segurou no punho magro de Beatrice e puxou-a para fora. Equilibrando-se no salto alto, Beatrice andava até sair do quarto. Abruptamente, o Sr. Harrison parou e aprumou-se. — Você vai acreditar nessa mentira da Justine? — Os cílios de Beatrice piscavam sem parar. — Volte para o hotel! — A ordem saiu entre dentes. — Não vou. — Muito bem! — Kevin franziu ainda mais as sobrancelhas quando exclamou. — Fique aqui e lembre-se que este será o fim do nosso compromisso. — Está rompendo o noivado comigo? — Assumiu uma postura melindrosa. — Isso depende de você… — Kevin enfiou as mãos nos bolsos laterais da calça de linho pret
Após ver o resultado que confirmou que era o pai do filho de sua ex-mulher, Kevin decidiu tomar providências para transferir Bryan para um dos nove melhores hospitais da Itália. Antes mesmo de voltar ao quarto, ele conversou com o diretor do hospital e solicitou a transferência do paciente logo após a transfusão. O clima ficou ainda mais pesado no quarto; a médica saiu de perto e foi até a equipe de enfermagem para dar algumas instruções. — Não vou te impedir de doar sangue para o Bryan. — Ela transpôs o muro invisível erguido pelo silêncio. — Só acho que você não pode passar na minha frente e tomar decisões sobre a vida do meu filho. — Você não tem mais direitos do que eu, Justine… — Direitos? — replicou, ultrajada. — Como se atreve a falar de direitos depois que me enxotou de casa daquela maneira e rejeitou a mim e ao seu filho? Você não tem nenhum direito sobre o Bryan. A equipe médica parou para assistir à cena. Uma das enfermeiras pôs a mão na boca, chocada.— Ven
Justine observava a palidez do ex-marido, como se a cor da vida tivesse sido drenada de seu rosto. O ambiente ao redor era uma confusão de vozes baixas e murmúrios ansiosos. — Não posso deixar o senhor nessas condições — Justine insistiu, tentando manter a calma enquanto olhava para o homem enfraquecido. Os olhos azuis de seu ex-marido estavam mais fundos e sombrios, demonstrando a fraqueza que ele não conseguia disfarçar. — Peça aos seus guarda-costas para deixá-lo em casa. Ele tentou permanecer ereto, mas o corpo tremeu levemente. — Não! — disse com veemência. — Vou ficar aqui até ter notícias do meu filho. — A voz rouca era quase inaudível. Era irônico vê-lo enchendo a boca para dizer “meu filho” após ter rejeitado Bryan quando ainda estava no ventre da mãe. Sete anos haviam se passado e Kevin, com todo o seu orgulho e distanciamento, estava reconhecendo a importância de seu herdeiro, mas de uma forma dolorosamente tardia. Justine estava tão concentrada em tentar ajudar
— Desculpe, não tinha intenção de acordá-lo. — Como está o Bryan? — A doutora Spina disse que conteve a hemorragia, mas ele continua na unidade de terapia intensiva, recebendo o sangue que o senhor doou. — Só fiz o que estava ao meu alcance para salvar a vida do meu filho. — Kevin respondeu em um tom neutro, recuperando a postura enquanto ajeitava as costas no travesseiro. — Farei o possível para que os melhores médicos cuidarem dele e para dar a vida que o meu filho tem direito. — O que está querendo dizer com isso? — Justine indagou, incrédula. — Como você sabe, eu já pedi a transferência do meu filho para o hospital de Turim. Aliás, eu planejo criar meu filho em minha casa, a qual é o lugar dele. A mente não conseguia formular as palavras certas para expressar o que sentia. Justine precisou de mais quinze segundos para vencer a incredulidade, e Kevin encarou aquele extenso silêncio como encorajamento para continuar a propor: — Logo, vou me casar e adoraria cuidar
Os olhos de Beatrice arregalaram mais quando Justine se afastou de Kevin, enrubescendo profundamente de vergonha. A situação era incrivelmente desconfortável. — O que está acontecendo aqui? — Beatrice perguntou. Justine abaixou a cabeça, incapaz de olhar nos olhos da outra mulher. — Eu estava agradecendo ao seu noivo por doar sangue para o meu filho. — Justine redarguiu cautelosa quando percebeu o olhar do ex-marido. Beatrice cruzou os braços, tentando mascarar a dúvida e o ciúme que se agitava dentro dela. — Não é o que parece para mim. — A noiva enciumada fez uma pausa, lutando para encontrar as palavras certas. — Não é o que está pensando, querida! — Percebendo o quão ruim a situação parecia, Kevin proferiu. — Quando o Alessandro contou que você desmaiou, vim correndo para o hospital e te encontrei abraçando essa traidora. — Desta vez, Beatrice mirou em Kevin. — O que eu devia pensar? Justine deu um passo para o lado, estava claramente desconfortável. — Por favor, não v
— Vim até aqui para saber como está o meu filho.— Ele vai ficar bem, Bryan é um garoto forte. — Justine disparou sem olhar no rosto dele.— Já pensou na proposta que te fiz?— O meu filho não está à venda. — Justine replicou secamente. — Não foi isso que insinuei. — A voz profunda de Kevin redarguiu. — Eu te aconselho a se dedicar a sua carreira ao invés de desperdiçar o seu tempo como uma subalterna em uma fábrica de costura. Você já fez muito pelo nosso filho nos últimos anos. De hoje em diante, eu posso cuidar do Bryan enquanto você se dedica a sua profissão.A raiva corroía Justine cada vez que ela ouvia a voz irritante do ex-marido.— Quantas vezes vou ter de dizer que não quero o seu dinheiro? — Levantou o rosto, mirando nos olhos azuis do ex-marido enquanto continuava a falar. — Prefiro ficar com o meu filho. Além disso, eu posso me dedicar a minha vida profissional e recomeçar de onde parei quando estiver na França. Era difícil para o Senhor Harrison aceitar um “Não” como re