Um recomeço Inevitável

Cada dia era um recomeço inevitável. Por dois meses, Justine procurou vagas em outros ateliês na cidade da moda, mas não conseguiu outros trabalhos nessa área.

A barriga mal aparecia no quinto mês de gestação. Justine estava muito magra devido à má alimentação. Logo o bebê chegaria e, na situação em que vivia, qualquer trabalho era bem-vindo. 

Por vezes, ela procurou pelo ex para falar sobre a gravidez, mas Kevin foi para Califórnia com a sua amiga Beatrice e não tinha previsão de retorno. Por mais que a Justine pedisse o contato do ex para falar sobre o bebê, não conseguia.

Ela ficou sabendo que o assistente do CEO já tinha dado a ordem para não permitirem a entrada de Justine na empresa e na mansão. Inclusive, proibiu os funcionários de divulgar qualquer informação sobre o chefe.

Para garantir o próprio sustento, Justine lavava louças e limpava a cozinha do restaurante durante a noite.

No oitavo mês da gestação, ela estava limpando o chão quando a bolsa estourou e as suas contrações ficaram mais fortes. Ao invés de socorrê-la, o gerente mandou Justine sair pelos fundos do restaurante e procurar o hospital. Ela andou pelas ruas segurando a barriga até desmaiar. Quando acordou, já estava no hospital e o bebê não estava mais em seu ventre.

— Onde está o meu bebê? — Perguntou para a enfermeira.

— O seu filho está com a avó. — Apontou para a mulher parada ao lado da janela.

— É menino?

— Sim! — A enfermeira respondeu com gentileza.

Do outro lado, Sophia embalava o nenê enrolado numa manta azul.

— Trouxe fraldas, roupinhas e algum dinheiro para você. — Sophia cochichou ao chegar mais perto.

Justine acreditava que aquele ato indulgente era uma forma de Sophia tentar se redimir pela maneira rude como a tratou no dia em que a expulsou da mansão de Andrew Turner.

— O que faz aqui? — A voz fraca de Justine indagou.

— Um senhor encontrou você na rua e trouxe para cá. Assim que o bebê nasceu, o hospital me ligou.

— Esqueci de tirar você dos meus contatos de emergência. — Justine virou a cara para o outro lado. — Por favor, deixe o meu filho e vá embora, Sophia. — Amargurada, ela pediu.

— Posso ficar mais um pouco com o meu neto?

— Não, você não é minha mãe e o Bryan não é seu neto.

— Deu o nome do seu avô. Que fofo! — Continha sarcasmo na voz mansa de Sophia.

Após pegar o bebê, Justine viu os pequenos olhos azuis do menino. Para onde ela fosse, levaria consigo uma lembrança do ex-marido.

— Quando eu vim para Milão, eu morei num conjunto habitacional em Case Bianchi. — Confessou Sophia enquanto vasculhava a bolsa para pegar a chave. — Eu tenho um apartamento no terceiro andar daquele prédio. Ali é um bairro da periferia onde você poderá recomeçar sem ficar no meio do fogo cruzado entre o Kevin e o Andrew.

— Não preciso da sua caridade. — Embora necessitasse, Justine deixou o orgulho falar mais alto.

— Você ficará um tempo sem trabalhar e vai precisar cuidar do bebê por algumas semanas. Como arcará com aluguel no centro de Milão?

Por um lado, Sophia tinha razão. Não tinha mais como Justine se manter naquela cidade. O custo de vida estava bem acima do que ela podia pagar.

Dias depois, Justine recebeu alta do hospital e aceitou a carona de Sophia até o bairro da periferia, onde se instalou no apartamento simples com o bebê. Aquela foi a última vez que as duas se viram.

No ano seguinte, Justine tentou entrar em contato com Sophia para comemorar o aniversário de Bryan, mas recebeu a notícia de que ela morreu.

Apesar de estar magoada, Justine chorou por alguns dias, mas não quis saber a causa da morte da mulher que, um dia, ela chamou de mãe.

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Sete anos depois…

Aos vinte e oito anos, Justine estava habituada a morar em Case Bianchi, na via Salomone. Ela continuava a trabalhar incansavelmente para cuidar do filho longe da cidade da moda e do luxo. 

Apesar de ser designer de moda, a jovem francesa não conseguiu mais trabalhos nessa área desde que se separou do poderoso CEO Kevin Harrison Giordano.

Habitualmente, Justine costumava sair de casa às sete da manhã para deixar o filho na escola e ir direto para a fábrica onde prestava serviço como costureira. Depois que encerrava o seu expediente, ela buscava o pequeno Bryan na escola, deixava com a vizinha e corria para uma lanchonete onde lavava pratos.

Em uma tarde de temperaturas amenas, Justine parou em frente à entrada da escola. Ela pegou a presilha na bolsa e passou as mãos nas compridas mechas loiras e então prendeu os fios lisos enquanto os olhos dourados prestavam atenção nas crianças que saíam da escola.

Ao avistar Bryan, ela acenou para o filho. Os seus lábios se comprimiram numa linha fina até esboçarem um sorriso que embelezou ainda mais o seu rosto.

Na semana anterior, Bryan havia completado seis anos e ela deu uma bola de futebol como presente de aniversário. O menino segurava a bola contra o corpo quando se aproximou. Os olhos perspicazes da mãe notaram que tinha algo por trás da tristeza no semblante abatido do filho.

— Oi, mamãe! — O garoto cumprimentou, cabisbaixo.

Apreensiva, ela passou a mão pelos cabelos castanhos claros de Bryan.

— O que houve, querido?

— Não foi nada, mamãe.

Ela tocou o queixo de Bryan, levantou o rosto do garoto e viu lágrimas nos olhos cor de safira.

— Com licença, Senhorita Delacroix! — Uma mulher de mechas grisalhas abordou Justine. — Vou pedir mais uma vez que converse com o Bryan e não incentive o seu filho a contar mentiras.

— O meu filho não é mentiroso. — Justine redarguiu com veemência ao defendê-lo.

— No dia de falar sobre a profissão dos pais, o Bryan disse que o pai dele era jogador de futebol para toda a classe. Sabemos que isso não é verdade. — A professora uniu as mãos na frente da barriga.

Dando um olhar enviesado para o filho, Justine negou com a cabeça.

— Desculpe, senhora Salvini, — pediu meio sem graça. — Vou conversar com o meu filho, isso não vai se repetir.

— Que assim seja! — Exclamou a professora. — Com licença. — Empinou o nariz e voltou para dentro da escola.

Segurando a mão do garotinho, Justine foi para o ponto de ônibus mais próximo. Quando pararam, ela fitou os olhos azuis do menino. Embora fugisse do ex-marido, levava um pedacinho dele consigo, já que o pequeno Bryan parecia muito com o progenitor.

— Por que mentiu para os seus coleguinhas da classe?

— Todos têm um pai e só eu não tenho. Isso não está certo, mamãe… — replicou a voz chorosa da criança. — Não queria que o meu pai tivesse morrido. Eu preferia que o papai estivesse aqui.

Aquelas palavras foram como uma pancada no coração de Justine. Não era fácil ver a tristeza estampada no rosto do filho e continuar sustentando a mentira.

O pai de Bryan ainda estava vivo, mas se tornou um homem frio e calculista depois da separação.

Enquanto esperava o ônibus, a mente de Justine ia e voltava para o episódio que vivenciou há sete anos. Lembrava-se claramente da noite em que voltou para a mansão. Antes mesmo que pudesse atravessar os portões da propriedade, Kevin mandou-a embora e nem lhe deu a chance de se explicar.

Apesar das péssimas recordações, o seu coração de mãe doía por ver o pequeno Bryan chorar; todavia, ela tinha medo de contar a verdade e de seu ex-marido desprezar o menino.

Perdida em seus pensamentos, ela não percebeu quando a bola caiu da mão de Bryan e rolou para a rua. O menino soltou sua mão e, antes que tivesse tempo de esboçar alguma reação, o garoto correu.

De repente, as sirenes do carro da polícia ecoaram durante a perseguição ao outro veículo que vinha em alta velocidade. Alheio à situação, o garoto abaixou para pegar a bola. Quando Bryan levantou, o pequeno corpo foi atingido.

— Não, não, não! — Desesperada, Justine correu para o meio da rua, gritando. — Meu filho, meu filho! — Ela berrava.

O carro de polícia parou ao lado da mãe desolada, que continuou ajoelhada no chão. Justine chorava sem parar, abraçando o corpo inerte do pequeno Bryan.

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