O eco das palavras de Dora e dona Santa ainda eram penetrantes quando a assistente se afastou da copa.
“Quando Valentina aparece, alguém sempre se queima... dá última vez foi o assistente.”
Essa frase martelava em sua mente como um alerta que não podia ser ignorado. Um peso invisível, como se estivesse carregando um segredo perigoso demais para ser compartilhado.
Caminhava pelos corredores, tentando reorganizar os próprios pensamentos, mas cada passo a arrastava para um turbilhão de suposições. A esposa do chefe não saía da sua cabeça, como se tivesse deixado nela uma marca invisível. Era mais do que a imagem de uma mulher deslumbrante. Era a forma ousada, envolvente. Um olhar que ultrapassava a pele.
Passou por alguns departamentos, trocando sorrisos automáticos com os colegas. Mas por dentro, era como se estivesse em outra dimensão. Cada vez que sorria, sentia que estava sendo forçada. Era difícil se concentrar com tanta coisa fervilhando por dentro.
Estava tão distraída, que quando o telefone tocou, levou um leve susto. Victor queria vê-la. Aquilo fez com que ela sentisse um certo arrepio. Não sabia se era pelo nervosismo ou a expectativa. Então, respirou fundo, tentando se recompor. A cada passo, sentia como se estivesse anestesiada. Apesar do local ser familiar, sempre sentia um leve frio na barriga ao entrar ali. Não pelo espaço, mas pela figura que o ocupava.
O CEO estava ao telefone, os olhos focados nos papéis espalhados sobre a mesa. Alice permaneceu em pé, paciente observando o escritório que refletia o prestígio da Lancaster. Uma empresa renomada de cosméticos de luxo. O ambiente era imponente, mas elegante. A mesa de mogno parecia brilhar sob a luz amarelada dos abajures. As prateleiras minimalistas, com catálogos e troféus, pareciam cintilar em silêncio.
Quando Victor desligou finalmente o telefone, ergueu a cabeça para Alice, suavizando a expressão com um sorriso genuíno.
— E aí, finalizou a revisão daqueles documentos? — Perguntou, indicando com a mão para que ela se sentasse.
Ela obedeceu, ajustando a postura. Mas por dentro, o coração ainda estava em ritmo descompassado.
— Digamos que sim. Também organizei os relatórios para o senhor poder revisar, antes de anexar.
— Ótimo, pode deixar aqui em cima. — Ele apoiou os cotovelos na mesa, fez uma pausa, analisando ela com atenção. — Você me parece distante. Tem alguma coisa te incomodando?
Ela hesitou, forçando um sorriso discreto. A pergunta mexeu mais do que ela esperava. O que gostaria de dizer: “sua esposa apareceu e me abalou com um simples sorriso! Eu não vou aceitar isso!”. Mas tudo o que conseguiu responder foi:
— Tá, sim. Só estou um pouco cansada porque fiquei até tarde revisando os documentos e não dormi direito.
Victor assentiu lentamente. Observando como o jeito dela despertava confiança alheia, mas também a tornava um alvo fácil para ataques de manipulação.
— Alice, posso contar com você para algo importante? — Perguntou, após um breve silêncio. — Preciso de sua ajuda para revisar o conteúdo da reunião de amanhã. Você tem disponibilidade?
Ela concordou, quase aliviada. Ali, ela sabia como se mover.
— Com certeza. Estou à disposição.
Victor sorriu, firme e confiante. Mas ela percebeu uma hesitação sutil, como se ele estivesse escolhendo as palavras com cuidado.
— Carlito vai te entregar o material mais tarde. Ah! Prepare-se. Quem sabe nas próximas campanhas você não se torna responsável por algum projeto ou possa apresentar suas ideias. Quero ver o seu melhor, ok?
Alice sentiu o estômago revirar de leve, pelo peso da responsabilidade, mas também estava orgulhosa. Ser notada por Victor Lancaster não era pouca coisa. Saiu do escritório radiante. O elogio, o desafio, a dúvida... tudo se misturava.
Ela sentou tentando se acalmar quando viu aquele homem alto e moreno vindo em sua direção. O carismático agente de marketing criativo, trabalhado na sofisticação em um blazer marfim, com um gingado cheio de energia que só ele tinha, exalando confiança.
— Alice, meu amor! O bonitão já te falou, né? Temos a campanha de outono. Acredito que vai ser bafônico! — Exclamou, entregando os papéis, com seu brilho habitual. — Quero que revise a apresentação, principalmente a parte do design do produto. Me dá um retorno, hein? Beijos!
Ela sorriu e pegou os portfólios. O observando seguir em direção à sala do chefe, cantarolando. O diálogo, embora discreto, podia ser ouvido por uma fresta da porta. A voz de Carlito era entusiasmada. Já a de Victor era quase imperceptível, num tom abafado. Não contendo a curiosidade, ela ouviu trechos do diálogo. Escutou algo interessante e um tanto peculiar.
Horas depois, prestes a sair do trabalho, formou-se um temporal. A chuva estava intensa, e as gotas batiam com força no chão, criando um som constante de fundo. Ela tentou esperar, mas não deu. Saiu segurando a bolsa sobre a cabeça, tentando se proteger. A água gelada batia em seu rosto, e os sapatos afundavam nas poças. Naquele momento ela não se importava tanto. Só queria chegar em casa logo.
Enquanto esperava no ponto de ônibus, tremendo de frio, viu luzes de faróis se aproximando. Era um carro esportivo, que parou ao lado. O vidro abaixou lentamente. Uma voz surgiu:
— Você tá encharcada, desse jeito vai ficar doente. Entra no carro! — Disse, em um tom doce e firme ao mesmo tempo.
Alice a reconheceu na mesma hora. Era ela.
A garota hesitou por um momento. Tudo dentro dela gritava para recusar. Mas estava ensopada, com frio, e ainda teria que esperar a condução. Então, respirou fundo e entrou no Mustang azul. O interior era lindo, confortável e aquecido.
— Obrigada pela gentileza.
— Sinta-se à vontade, Alice.
Valentina a olhou de relance com um sorriso tranquilo e amigável. Pegou uma manta no banco traseiro e a entregou, antes de arrancar pela avenida suavemente.
Alice espreitava o estilo impecável de Valentina, mesmo debaixo de chuva. Usava um casaco de couro legítimo, destacando os acessórios, como a boina branca e o óculos de grau que parecia milimetricamente escolhido para o look. Os olhos esmeralda dela transmitiam uma elegância inquietante.
Logo, a música preencheu o espaço. Uma batida nostálgica começou a tocar baixinho, e para espanto de Alice, a mulher começou a cantarolar e dançar discretamente no banco. Ela deu uma risada, sem conseguir evitar. Sentindo-se menos ameaçada. Valentina sorriu de volta, cúmplice.
— Não liga não, tá? É que eu amo cantar e dançar. E essa batida é contagiante, gotosa de se ouvir.
Nisso, a conversa fluiu com mais naturalidade do que Alice esperava. Falaram sobre seus gostos musicais, e Valentina chegou a perguntar até sobre a playlist de infância. De músicas em comum, passaram para as ambições. Pouco depois, chegaram na esquina de sua casa.
A chuva havia diminuído, mas ainda havia aquela sensação estranha, como se estivesse no meio de um redemoinho. Alice se despediu e agradeceu novamente.
— Até a próxima! — Acenou Valentina, partindo com satisfação.
A família aguardava Alice para o jantar. Seus irmãos e o pai estavam na sala, assistindo futebol. A mãe os chamava para a mesa. Mas, ela só trocou de roupa e se jogou no sofá, puxando o cobertor do irmão para se aquecer.
Mais tarde, já no quarto, em meio ao ambiente silencioso. Olhou para os quadros das fotos na parede, revivendo lembranças de viagens em família e com seus amigos. Suspirou e sentou-se na cama, pegando o laptop para revisar os arquivos da reunião. Porém, ela estava inquieta, dúvidas que não a deixava em paz. Seus dedos acabaram digitando um nome na barra de busca:
“Valentina Lancaster.”
O que surgiu na tela, até certo ponto, parecia normal. Mas o problema foi o que encontrou depois. Isso fez seu corpo gelar. O coração bater acelerado. Então, fechou o aparelho com força. Ligeiramente parecia ter sido infestado por vírus.
Como aquilo chegou até a ela?
A sala de reuniões estava impecavelmente organizada, mas o ar quente e carregado de expectativa fazia o ambiente parecer menor. Alice distribuía os papéis da campanha, sentindo a pressão pairar sobre a equipe. A nova fragrância de outono não poderia ter falhas, e ela sabia que tudo dependeria da forma como a reunião acontecesse.O som suave da porta se abrindo fez com que algumas cabeças se virassem. Valentina entrou. Seu andar era impecável, a postura tão precisa que, por um instante, parecia que tudo ao redor perdia importância.O vestido formal lhe caía como uma segunda pele, e ao se aproximar da mesa, Ao atravessar a porta, com um leve sorriso, sentou-se na cadeira mais próxima, cruzando as pernas de forma impecável. pousou sua bolsa tiracolo na cadeira ao lado e retirou os óculos escuros com um gesto fluido, deixando-os sobre os papeis. Valentina possuía um gesto elegante. Ela demonstrava tanta naturalidade que até as luzes da sala pareciam se ajustar à sua presença. Antes de mai
Diferente de Valentina, que exalava um magnetismo intenso, Alice era mais tranquila como uma brisa suave em meio a uma tempestade. Valentina sabia que não era qualquer pessoa que trabalhava para seu marido, só pessoas altamente eficazes e de confiança. E isso despertava o desejo dela de explorar o mundo de Alice. O que ela tinha de tão especial? — Você é publicitária, certo? — Valentina perguntou, com um ar de interesse. — Sou sim… — Alice respondeu, sem entender aonde aquilo ia levar.Valentina sorriu de canto e se levantou, chegando mais próximo de Alice. — Minha proposta é simples, quero que você trabalhe comigo. O silêncio preencheu a sala. Alice piscou, confusa. Victor arregalou os olhos, indignado. Não podia acreditar no que acabara de ouvir. Em um movimento instintivo, puxou Valentina pelo braço, obrigando-a a encará-lo. — Que palhaçada é essa? Como você ousa ser cara de pau! — disparou, com os olhos faiscando. — Fazer uma proposta dessas para minha assistente?! Valent
Algumas semanas depois, Alice assinava o contrato que a tornava oficialmente agente publicitária da nova empresa de Valentina. Ela mal acreditava no que acabara de assinar. Mas aquilo era apenas o começo. Não apenas pelo cargo da nova linha de Valentina, mas pelo que aquilo significava. Valentina estava construindo algo ambicioso, e ela seria uma das primeiras a ver de perto e ter melhores oportunidades de reconhecimento no mercado.No final da tarde, Valentina a levou para conhecer o novo local de trabalho. O edifício ficava na Avenue, a poucos quarteirões da sede da Lancaster, e logo não se tratava de uma empresa comum. Ao cruzar as portas automáticas, Alice foi recebida por um ambiente que misturava elegância e inovação. A fachada era revestida de tijolos ecológicos e aço com paineis que cobriam parte da estrutura. Ao entrar, Alice sentiu o frescor do ambiente. O ar não era acondicionado de forma artificial, mas por um sistema de ventilação inteligente que regulava a temperatura co
Alice, concentrada na tela do computador, ergueu o olhar. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo simples, expondo a linha delicada do pescoço. Antes que pudesse reagir, sentiu o frescor cítrico tocar sua pele quando Valentina borrifou a fragrância sobre ela.— Sente a diferença? — Valentina perguntou, ansiosa, inclinando-se levemente, observando cada detalhe da reação da assistente.Alice piscou algumas vezes, inspirando devagar. O cheiro era agradável, sim, mas… não tão diferente do que já conhecia.— Hm… está agradável, mas… — hesitou, escolhendo bem as palavras.Valentina franziu a testa.— Mas, o que tem de errado?— Não sei se percebo algo tão distinto assim.— Estranho… Carlito ficou encantado com a nuance. Ele disse que era o toque que faltava. Finalmente capturamos a essência do outono.Alice olhou para a patroa, que agora cruzava os braços, desconfiada. Sentia que deveria dizer algo a mais, mas não queria mentir. Antes que pudesse pensar numa resposta, Valentina a surpree
A inauguração da empresa, VIVA Intensive, era um evento digno da ambição de Valentina. O salão principal estava decorado com um design sofisticado, seguindo a identidade visual que a empresária tanto prezava. Tons terrosos, madeira de reflorestamento e plantas suspensas criavam um ambiente acolhedor e moderno. Os garçons circulavam com bandejas de drinks e petiscos refinados. A música ambiente mesclava jazz e ritmos eletrônicos suaves. O aroma de flores frescas e especiarias se misturava ao cheiro de vinho e canapés finamente preparados. Alice circulava entre os convidados, observando o quanto Valentina parecia no controle de tudo. O evento reunia investidores, empresários, influenciadores e amigos próximos de Valentina. Ela estava deslumbrante em um vestido vinho elegante, conversava com potenciais clientes, enquanto observava Alice no centro do salão, radiante em um conjunto preto de alfaiataria. Porém, ela não se sentia totalmente à vontade naquele ambiente. Valentina perdeu o ol
Era um final de semana tranquilo na fazenda dos Laucaster. A família estava reunida, aproveitando a atmosfera acolhedora do ambiente. Os pais de Valentina, Silvana e César Ramon, estavam acomodados no jardim, enquanto que Rique, acabava de chegar na residência se juntando aos pais. O sol filtrava-se pelas vidraças da estufa, iluminando suavemente as plantas e flores coloridas do ambiente. Valentina, logo cedo, resolveu passar a manhã pela estufa, cercada por suas plantas. Ainda vestida em um robe de cetim rosa e pantufas fofas, ela colhia algumas espécies e as depositou em um cesto de vime, organizando-as com cuidado, além de fazer anotações em sua pequena agenda sobre o crescimento dessas ervas. O aroma úmido das folhas e flores preenchia o espaço. Aparentemente seu amor pelas plantas era evidente nos gestos meticulosos. Naquele instante o barulho da porta se abrindo havia interrompido seu momento de paz. Era Rique, entrando com uma postura despreocupada, os olhos ligeiramente pregu
Alice estava em frente de casa quando o táxi chegou para buscá-la. Ela se despediu dos pais e entrou no carro, se recostou no banco, observando a cidade passar pela janela. O sol alto dourava os prédios e iluminou as ruas. O barulho das conversas entre turistas que aproveitavam o dia e o movimento de bicicletas cortando o trânsito criavam um ritmo peculiar à cidade. Ao chegar à VIVA Intensive, o edifício parecia maior na calmaria do dia. Alice respirou fundo e entrou. Ao chegar no escritório, Valentina entregou Alice para Rique levar para conhecer os imóveis, conforme havia prometido. Alice hesitou, perguntando se ela não iria. Ao telefone, Valentina apenas sorriu e disse que os acompanharia depois — precisava resolver algumas pendências. O primeiro apartamento era luxuoso demais para Alice. Embora encantador, não sobraria muito no fim do mês. O segundo ficava próximo ao movimento dos barqueiros, ela achou barulhento de mais para concentrar sua criatividade. Durante as visitas, A
A semana havia começado e Alice passou a sentir o novo ritmo de trabalho entre a Interprise e a VIVA, mal tinha tempo para respirar. O dia foi intenso, e ela percebeu que a transição entre os dois empregos exigiria muito mais do que imaginava. Pela manhã, trabalhava para Victor, lidando com reuniões, campanhas e um fluxo intenso de demandas. À tarde, na VIVA, Valentina exigia sua total dedicação na expansão dos projetos. A pressão vinha de todos os lados, e ela pegava se perguntando quanto tempo conseguiria manter aquele ritmo frenético. Saiu da VIVA depois das sete da noite, exausta, depois de entrevistar alguns candidatos para equipe de desenvolvimento. Valentina estava ausente, o que para Alice era estranho. Ela deixou a responsabilidade em suas mãos. O trajeto até em casa parecia mais longo do que nunca. O transporte lotado, o calor abafado e a mente distante com todas as novas responsabilidades contribuíam para seu cansaço. Quando finalmente chegou, encontrou a casa em silêncio.