Valentina

Alice ainda sentia o eco das palavras de Dora e Dona Santa em sua mente quando se afastou do refeitório. O peso da conversa parecia ter ficado impregnado na sua mente, uma sensação estranha, como se estivesse carregando um segredo perigoso.

Tentando se concentrar no trabalho, ela passou por alguns departamentos, trocando cumprimentos rápidos com colegas. Mas sua mente não conseguia se afastar da imagem de Valentina Lancaster. A postura, o sorriso, o olhar, tudo parecia envolver Alice em uma rede de incertezas e angústia. Ela ainda estava tentando processar o que tinha acontecido de estranho, quando o telefone tocou e precisou se dirigir ao escritório do CEO. Ela parecia anestesiada, sentindo o cheiro de perfume caro que preenchia o ar.

O escritório de Victor era um reflexo sofisticado da empresa, que trabalhava com cosméticos de luxo. Era um lugar organizado e imponente, um espaço dominado por uma grande mesa de mogno escuro, ladeada por poltronas rústicas. As paredes eram cobertas por prateleiras minimalistas que exibiam catálogos e troféus de reconhecimento profissional. A luz amarelada dos abajures conferia um ar de exclusividade, enquanto uma grande janela de vidro exibia a vista da cidade.

Victor estava em uma ligação, com os olhos focados em papéis espalhados sobre a mesa. Alice ficou em pé ao lado dele, esperando pacientemente. Quando ele levantou os olhos e a viu, seu rosto relaxou em um sorriso caloroso.

— Alice, como você está? — perguntou ele, gesticulando para que ela se sentasse.

Ela se acomodou na cadeira, tentando manter a compostura.

— Bem, senhor Lancaster. Só estava organizando alguns relatórios para trazer para o senhor analisar, antes de anexar.

— Ótimo, pode deixar ai em cima. — Ele fez uma pausa, e Alice percebeu que ele estava observando algo em seu rosto, talvez a leve tensão que ainda marcava seus traços. — Você está parecendo distante. Algo te incomodando?

Seu cabelo caía suavemente pelos ombros. Havia algo nela que despertava confiança alheia, mas também a tornava um alvo fácil na empresa para ataques em jogos de poder.

Ela hesitou. A presença de Valentina ainda pairava sobre ela, mas não poderia revelar suas inseguranças. Em vez disso, forçou um sorriso. Victor pareceu aceitar a resposta sem questionar. Ele voltou sua atenção para os papéis na mesa, mas antes que Alice pudesse retomar suas atividades, ele falou de novo.

— Alice, posso contar com você para algo importante? Preciso de sua ajuda para revisar o conteúdo da campanha para a reunião que teremos amanhã. Você tem algum tempo?

Alice sentiu a familiar pressão da responsabilidade extra, mas ao mesmo tempo, o orgulho de ser alguém em que ele confiava. Ela assentiu.

— Claro chefe, estou à disposição.

Victor sorriu de volta, seu olhar seguro e amigável, mas algo nos olhos dele fez Alice se perguntar se ele estava prestando atenção nas palavras dela ou em outra coisa. Quando ele falou, sua voz parecia um pouco mais sobrecarregada.

— Carlito vai te entregar o conteúdo mais tarde. Ah! Se prepare, porque quem sabe nas próximas campanhas você pode ser escolhida para apresentar as suas propostas. Então, espero que capriche.

Alice saiu do escritório empolgada com a notícia. Logo depois, ela observa Carlito entrando pelo corredor com seu gingado cheio de energia. O carismático agente de marketing e publicitário criativo. Ele era um careca alto e sofisticado, exalava confiança em seu blazer marfim. Costumava estar sempre de bom humor, sua presença tornava o ambiente mais leve e divertido.

— Alice, meu amor! — exclamou, entregando os papéis. — O bonitão já te falou, né? Campanha de outono a todo vapor! Quero que você dê uma checada nessa apresentação, em especial a apresentação do designer do produto e me diga o que achou, ok? Não esqueça de me enviar mensagem avisando, beijos!

Ela sorriu e pegou os portfólios para analisar. Enquanto Carlito se afastava em direção a sala do CEO, cantarolando em meio ao deslumbrante ambiente da Lancaster Enterprises, com suas paredes de tons dinâmicos, móveis modernos de vidro e aço. O diálogo entre eles, embora discreto, podia ser ouvido por uma fresta da porta. Carlito falava com entusiasmo, mas a voz de Victor estava mais baixa e controlada, como se ele tentasse esconder algo. Ela estava tentando se concentrar nas suas obrigações, mas não conseguiu evitar a curiosidade.

Mais tarde, quando o expediente acabou, Alice se viu saindo apressada para enfrentar a tempestade que caía lá fora. A chuva estava forte, e as gotas batiam com força no chão, criando um som constante de fundo. Ela segurava sua bolsa sobre a cabeça, tentando proteger-se da água, enquanto corria até o ponto de ônibus. Seus pés se afundavam nas poças, mas ela não se importava. Só queria chegar em casa.

Enquanto aguardava o ônibus, uma luz de carro se aproximou rapidamente. Era um carro esportivo azul-marinho que parou ao lado dela. A janela abaixou e uma voz familiar surgiu.

— Ei, você está toda molhada! Quer uma carona? — A mulher sorriu amigavelmente, olhando para ela.

Alice logo reconheceu o rosto imponente da esposa do chefe. Ela estava impecavelmente vestida, mesmo sob a chuva. Ela usava um casaco de couro legítimo, com uma boina discreta que cobria parte dos seus cabelos negros curtos e um óculos de grau que parecia estrategicamente combinar com o look. Seus olhos esmeraldas transmitiam um misto de sofisticação e mistério.

Alice hesitou por um momento, mas estava com frio, além da vontade de escapar da chuva. Além de pegar duas conduções e demorar mais de uma hora para chegar em casa.

— Eu agradeço pela gentileza. — Alice entrou no carro, e Valentina a deixou se acomodar antes de seguir pela rua, Valentina acelerou suavemente, e logo "Backstreet Boys" tocou baixinho no rádio. Para sua surpresa, Valentina começou a cantarolar e dançar. Alice deu uma risada e a tensão entre elas parecia desaparecer momentaneamente. Valentina gargalhou em cumplicidade.

— Não liga, eu amo cantar essa música. Esses caras realmente sabiam como fazer um bom hit. Disse Valentina, com um sorriso travesso.

A conversa passou a fluir naturalmente sobre seus gostos musicais em comum e logo foram para ambições pessoais. E logo Alice estava na esquina de sua casa, onde havia pedido para Valentina lhe deixar.

A chuva finalmente havia diminuído, mas a sensação de estar em um redemoinho não. A família a aguardava. Seus irmãos estavam espalhados pela sala, e sua mãe a chamava da cozinha. Ela se sentou rapidamente no sofá, puxando o cobertor de Nicolas, tentando se aquecer.

Quando entrou em seu quarto, ainda com o coração batendo rápido, ela banhou e se deitou na cama. O ambiente estava tranquilo, mas sua mente estava longe de estar em paz. Olhou para o quadro de família na parede, o retrato de momentos felizes suas e com amigas e suspirou. Após, sentou-se com o notebook para revisar os documentos da apresentação de Carlito. Inquieta, se viu pesquisando sobre Valentina Lancaster, quando de repente fechou a tela sem acreditar.

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