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A Fragrância do Outono

Alice, concentrada na tela do computador, ergueu o olhar. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo simples, expondo a linha delicada do pescoço. Antes que pudesse reagir, sentiu o frescor cítrico tocar sua pele quando Valentina borrifou a fragrância sobre ela.

— Sente a diferença? — Valentina perguntou, ansiosa, inclinando-se levemente, observando cada detalhe da reação da assistente.

Alice piscou algumas vezes, inspirando devagar. O cheiro era agradável, sim, mas… não tão diferente do que já conhecia.

— Hm… está agradável, mas… — hesitou, escolhendo bem as palavras.

Valentina franziu a testa.

— Mas, o que tem de errado?

— Não sei se percebo algo tão distinto assim.

— Estranho… Carlito ficou encantado com a nuance. Ele disse que era o toque que faltava. Finalmente capturamos a essência do outono.

Alice olhou para a patroa, que agora cruzava os braços, desconfiada. Sentia que deveria dizer algo a mais, mas não queria mentir. Antes que pudesse pensar numa resposta, Valentina a surpreendeu inclinando-se sobre a mesa, aproximando-se sem cerimônia da sua pele e inalando o perfume diretamente do seu pescoço.

Alice congelou. O gesto foi inesperado e íntimo demais. E foi nesse exato instante que o rangido das rodinhas do balde de limpeza rompeu o silêncio da sala.

Dona Santa, a zeladora, estava parada na porta, com esfregão em mãos e olhos arregalados de puro espanto e incredulidade. A cena era, no mínimo, sugestiva. A idosa piscou algumas vezes, como se tentasse assimilar o que via, e murmurou algo baixinho, tateando o peito em um reflexo de súbita devoção.

Alice sentiu o sangue subindo e, sem pensar, se apressou em explicar e amenizar a situação.

— Dona Santa, não é nada de mais! A Valentina, quer dizer, dona Valentina, só estava testando a fragrância em mim.

Valentina, por sua vez, sequer se deu ao trabalho de desfazer o mal-entendido. Com um ar distraído, pegou novamente o frasco e borrifou o perfume no ar, observando atentamente sua dissipação.

— Por que não se fixou bem na sua pele? — Valentina murmurou para si mesma.

Dona Santa deu um sorriso desconfortável, apenas acenou com a cabeça, sem dizer mais nada, entrou apressada pelo elevador de serviço com seus itens de limpeza.

Alice, querendo afastar a tensão do momento, pegou o frasco da mão de Valentina e borrifou uma pequena quantidade no pulso, levando-o ao nariz.

Novamente, fechou os olhos inspirando lentamente a fragrância.

— Com a suavidade da fixação me faz lembrar um campo florido distante.

Valentina abriu um sorriso de alívio.

— Isso é bom. O quê mais?

Alice hesitou antes de continuar:

— Sabe, essa fragrância poderia ser ideal para o dia a dia. Para pessoas mais sensíveis a cheiros fortes, que costumam enjoar. Possui uma leveza, um tanto delicada e não sufocante. Um frescor não invasivo. Combinação casual do dia a dia. Algo que as pessoas podem usar logo cedo.

De repente, percebeu o que havia acabado de dizer e se calou por um instante. Aquilo era um perfume de luxo, e ela o estava comparando a algo prático e cotidiano. Mas ainda assim, concluiu:

— Isso poderia se destacar no mercado justamente por ser um artigo de sofisticação e ao mesmo tempo essa leveza aconchegante.

Valentina, ao contrário do que Alice esperava, arregalou os olhos com empolgação.

— Alice, isso é genial!

Com um brilho intenso no olhar, sacou o celular e começou a digitar rapidamente, adicionando ideias ao conceito do perfume.

— Você é demais! Essa nuance de luxo e praticidade como um só. Isso pode ser um diferencial incrível!

E antes que Alice pudesse responder, Valentina, ainda em êxtase, segurou seu rosto com as duas mãos e depositou um beijo estalado em sua bochecha. Alice piscou, surpresa, sentindo a umidade daquele beijo no rosto. Valentina já estava anotando freneticamente, murmurando palavras sobre marketing e conceito, enquanto caminhava pelo escritório.

— Outono, um aroma suave e sofisticado que contrasta com a tendência da estação.

Alice riu, um pouco sem graça, mas satisfeita por ter contribuído com algo que claramente encantou Valentina. Talvez, estivesse começando a entender como funcionava a mente intensa e imprevisível de Valentina.

Alice tamborilava os dedos na mesa, o olhar perdido e a mente inquieta. O episódio que a Dona Santa presenciou lhe causava medo. Ela sabia que a zeladora tinha uma língua afiada para certas histórias e um olhar que interpretava muito além do necessário. Afinal, foi a própria Dona Santa quem, tempos atrás, soltou comentários sobre o caso de Valentina com um antigo assistente.

E se ela tivesse entendido tudo errado? Suspirou fundo. Não podia deixar isso se transformar em um boato maldoso que comprometesse sua reputação – ou pior, que chegasse aos ouvidos errados. E se havia alguém capaz de descobrir algo antes que o fogo se alastrasse, esse alguém era Dora.

Alice aproveitou que já estava quase na hora de ir embora para pegar suas coisas e ir até a recepção, onde Dora organizava alguns papéis. A mulher era íntima das fofocas da empresa, e se algo tivesse começado a circular, ela saberia. Sentou-se na cadeira em frente à mesa de Dora, cruzou as pernas e, num tom casual, perguntou:

— E aí, Dora, alguma novidade?

Dora resmungou, exausta, sem erguer os olhos.

— Muito trabalho. Nem tive tempo para uma pausa.

Alice sorriu de canto, esperando que, em breve, Dora soltasse algo interessante. E, como esperado, a mulher fez uma pausa e comentou:

— Mas, sabe uma coisa que me chamou atenção…?

Alice ergueu a sobrancelha. Pronta para ouvir.

— O quê?

— Valentina. Desde quando ela aparece tanto por aqui? Isso é estranho.

O tom de curiosidade na voz de Dora fez Alice se inclinar um pouco mais na cadeira.

— E o quanto isso é raro? — perguntou, intrigada.

— Você sabe que ela nunca foi mulher de escritório, né? Ela é de começar os negócios, alavanca, vende e some no mapa. Antes, costumava aparecer uma vez e outra no ano e olhe lá.

Alice sentiu um leve arrepio.

— E antes disso? Porque já estou aqui há mais de quatro anos e nunca tinha cruzado com ela antes.

Dora soltou um riso curto.

— Nunca foi frequente. Esses anos estava com um empreendimento em Londres, passava mais tempo lá do que aqui. Mas acabou vendendo pra abrir o ViVa Intensive, que vai inaugurar aqui.

Alice cruzou os braços, pensativa.

— E por que vender, se os negócios iam bem?

Dora soltou os papéis, olhou para os lados e baixou a voz.

— Porque ela enjoa fácil, não consegue se estabelecer em nada por muito tempo. Quando cria algo, se entrega por inteiro. Mas quando o interesse acaba, ela se desfaz, vende e recomeça em outro lugar. Pelo que ouvi, Victor quer conter essa mania dela, então fez questão que esse projeto fosse uma parceria, para que ela não pudesse vendê-lo tão fácil.

Alice franziu o cenho.

— E o pai nunca tentou segurar ela aqui?

— Digamos que sim. Mas depois que Victor foi escolhido como CEO, as coisas mudaram.

Dora se inclinou levemente para frente, gesticulando para Alice se aproximar.

— Tenho pra mim que esse foi o motivo do duelo entre os dois.

Alice piscou, tentando absorver aquilo.

— Como assim?

Dora suspirou, como se estivesse prestes a revelar um grande segredo.

— Valentina queria ser CEO. Mas quem levou o cargo foi Victor.

Alice arregalou os olhos.

— Ela queria o cargo?

— Claro que queria. O império é da família dela. Mas Victor levou a melhor. Se eles não fossem casados, duvido que ainda estariam juntos. Pra ela, isso foi uma traição. E foi aí que o jogo competitivo começou.

Alice sentiu um calafrio. Isso explicava muito da tensão que existia entre os dois.

— Então, eles vivem essa competição desde então?

Dora deu um sorriso sutil.

— Exatamente. Eles se amam e se odeiam. E ninguém sabe até onde isso pode levar.

— Mas então… por que não se separaram?

— Império milionário, querida. — Dora sorriu de canto. — É isso que mantém o jogo interessante pra eles.

Alice engoliu em seco. Ela não sabia exatamente o que pensar sobre tudo aquilo.

Dora estreitou os olhos.

— Me diz, por que esse interesse todo, hein?

Alice tentou manter a expressão neutra, mas sabia que estava tensa.

— Preciso entender melhor as peças desse jogo.

Dora soltou uma risada sarcástica.

— Bom, então cuidado para não ser mais uma peça nele.

Alice considerava que algo poderia estar se desenrolando nos bastidores, e estava instigada para descobrir o que poderia ser exatamente.

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