O despertador tocou pela terceira vez, e Alice finalmente se levantou de um salto. Estava atrasada. De novo!
Alice era uma jovem promissora de vinte e três anos, com um rosto angelical e traços delicados. Ela correu até o banheiro, escovando os dentes e jogando água no rosto. Sentou-se rapidamente em frente ao espelho, ajeitando seu cabelo, de tom loiro mel, em um coque apressado. Seus olhos âmbar eram expressivos à fresta de luz que vinha pela janela, revelando sua garra e ao mesmo tempo desespero. Não havia tempo para maquiagem elaborada, então passou um rímel rápido e pegou a bolsa, ao descer pelas escadas. Morar com os pais e dois irmãos mais novos significava uma rotina caótica, e sair cedo para o trabalho sempre era um desafio. A empresa Lancaster Enterprises era o lugar que Alice jamais imaginou fazer parte. Entrou como estagiária aos 19 anos, nervosa e inexperiente, mas com determinação de sobra. Aos poucos, provou seu valor, conquistou a confiança da equipe e, quando seu estágio terminou, recebeu a notícia inesperada: seria efetivada. Um ano depois, veio a maior surpresa: uma promoção para assistente direta do CEO. E o chefe não era qualquer um. Victor Lancaster. Moreno, forte e charmoso, dono de um carisma envolvente, Victor era o tipo de homem que atraía olhares por onde passava. Implacável nos negócios, exigente com seus funcionários, mas surpreendentemente cativante. Ele sabia exatamente como fazer alguém se sentir especial, como motivar e, ao mesmo tempo, impor respeito. Com quarenta e seis anos, dirigia a empresa com maestria e há treze anos casado com Valentina Lancaster, uma mulher que Alice nunca vira pessoalmente. Alice chegou à empresa esbaforida, ajustando a blusa e tentando controlar a respiração enquanto entrava no elevador. Quando as portas se abriram no último andar, o ambiente já era familiar—tons neutros, móveis sofisticados, o perfume amadeirado discreto que preenchia o espaço. Ela seguiu direto para sua mesa, organizando documentos e verificando e-mails. Foi então que sentiu. Uma presença. Levantou os olhos e, por um instante, esqueceu como se respirava. Valentina Lancaster. A mulher parada à sua frente era um espetáculo. Alta, esguia, olhos verdes, vestida em um conjunto impecável de alfaiataria creme que contrastava com seus cabelos negros perfeitamente alinhados. Seus olhos tinham um brilho indecifrável, e seus lábios esboçaram um sorriso sutil — perigoso demais para ser apenas educado. Era provocativo. Alice engoliu em seco. Nunca tinha se sentido tão… observada. Valentina inclinou levemente a cabeça, analisando-a sem pressa, como quem avalia as características de um produto raro. Então, sorriu de um jeito que fez o corpo de Alice se arrepiar. — Então é você... gostei. Alice piscou, confusa. — Perdão, o quê? Valentina deu um passo à frente, diminuindo ainda mais a distância entre elas. — A assistente do meu marido. A voz era baixa e fria, quase sedosa, mas carregava um tom que Alice não conseguia decifrar. Ela sentia o coração batendo em compassos mais acelerados, o peso daquele olhar sobre si, um misto de curiosidade e o indecifrável prazer. Valentina parecia alguém pronta para dar o bote. — Qual o seu nome? — Valentina perguntou. — Alice… Alice Consuelo Martins — respondeu, hesitante. Valentina sorriu, mas não era um sorriso qualquer. Era lento, estudado, como se estivesse saboreando cada sílaba que saía da boca de Alice. — Alice… Um nome delicado — murmurou, inclinando a mão para o rosto. — É um prazer, sou a esposa do seu chefe. Valentina se aproximou com o seu polegar indo em direção a Alice, enquanto ainda falava, esfregou o canto do olho dela. - OK, seu olho estava um pouco borrado. Alice sentiu a garganta secar. O que havia naquela mulher que a deixava tão inquieta? Mas Valentina não parecia preocupada com a reação da assistente. Ajustou a alça da bolsa no ombro e olhou ao redor, como se estivesse se familiarizando novamente com o espaço. — Preciso ir ver o meu marido agora — disse, casualmente, mas com um brilho afiado no olhar. — Passei dias fora, e ele fez questão de deixar claro que queria me ver… urgentemente! Foi o que ele me escreveu por mensagem. Ela enfatizou a última palavra de um jeito que fez Alice desviar o olhar, desconfortável. O que ela queria dizer com aquilo? Valentina sorriu de novo. Quase como se estivesse se divertindo com a situação de ver a garota assustada. Então, virou-se e caminhou em direção à porta do escritório de Victor, seus saltos ecoando suavemente pelo chão de mármore polido. Mas, ao invés de entrar imediatamente, ela parou. E se virou. — Foi um prazer conhecê-la, Alice! — Sua voz ecoou moderadamente, quase um sussurro íntimo. — Tenho a sensação de que nos daremos super bem. E então, sem mais uma palavra, desapareceu dentro do escritório, fechando a porta. Alice permaneceu imóvel, ela começou a sentir pontadas de forma estranha na cabeça. O estômago revirando. Ela não aguentava a pressão, então se afastou discretamente do corredor principal. Precisava de ar. Precisava processar o que acabara de acontecer. O impacto do olhar de Valentina ainda pairava sobre ela, e aquele sorriso… Havia algo naquele sorriso que a deixava inquieta. Aproveitando que Victor estava ocupado, ela se dirigiu à cozinha compartilhada, onde sempre conseguia uns minutos de paz. Mas, antes mesmo de conseguir encher um copo d’água, ouviu o som apressado de saltos e passos pesados atrás dela. — Menina, pelo amor de Deus, o que a esposa tentação veio fazer aqui?! — Dora, a secretária gordinha e simpática do escritório, se aproximou trabalhada na elegância, com os olhos arregalados, segurando os braços de Alice como se estivesse prestes a ouvir um grande escândalo. Alice piscou, confusa. — Você tá falando da… senhora Lancaster? Dora suspirou, impaciente. — Senhora Lancaster, nada! Aquilo ali é Valentina, a sedutora encarnada. E ela quase nunca pisa por aqui, sabe disso, né? Alice negou com a cabeça, ainda sem entender o que estava acontecendo. — Pois é, minha querida — Dora abaixou a voz, como se estivesse prestes a revelar um segredo obscuro. — A última vez que ela apareceu por aqui… bem, não acabou tão bem. Antes que Alice pudesse perguntar o que isso significava, outra voz entrou na conversa. — Essa daí não é flor que se cheire. Alice virou-se e encontrou Dona Santa, a funcionária mais antiga da empresa, que trabalhava lá desde a época do pai de Valentina. Ela se aproximou, os braços cruzados, os olhos estreitos de desconfiança. — O último assistente do chefe sumiu depois de uns boatos que ele tava envolvido com ela. Alice sentiu um frio na barriga, incrédula. — Envolvido… como assim? Dora e Dona Santa trocaram olhares significativos. — Como assim, menina? — Dora cochichou, arregalando os olhos. — Caso. Romance proibido. Segredo sujo! Você acha que um assistente dedicado, braço direito do chefe e do sogro, ia ser demitido do nada? Dona Santa fez um som de desdém. — Além disso, o rapaz era pobre e o Sr.Ramon nunca iria concordar. Depois disso, Victor ficou mais esperto e passou a contratar pro cargo de assistente mulheres ou homens afeminados que não gostam de jeito nenhum de mulheres. Talvez seja por isso que a sua mulher perdeu o interesse de continuar vindo. Alice engoliu seco, processando o que ouviu. — Mas… Victor é tão apaixonado por ela, não é? Dora soltou uma risada abafada. — Apaixonado é pouco. Ele é obcecado! E ela sabe disso. Se aproveita da situação. Alice sentiu um arrepio. — Então por que ela veio aqui hoje? As duas se entreolharam, e Dona Santa estreitou os olhos. — Isso é o que me pergunto. Porque, se tem uma coisa que sei, é que o chefe não quer nem saber dela pintada por aqui. E hoje ele ter pedido para ela vir, é estranho. Alice mordeu o lábio, lembrando da forma como Valentina a olhou, do sorriso provocativo. Era uma mulher intimidadora.Alice ainda sentia o eco das palavras de Dora e Dona Santa em sua mente quando se afastou do refeitório. O peso da conversa parecia ter ficado impregnado na sua mente, uma sensação estranha, como se estivesse carregando um segredo perigoso. Tentando se concentrar no trabalho, ela passou por alguns departamentos, trocando cumprimentos rápidos com colegas. Mas sua mente não conseguia se afastar da imagem de Valentina Lancaster. A postura, o sorriso, o olhar, tudo parecia envolver Alice em uma rede de incertezas e angústia. Ela ainda estava tentando processar o que tinha acontecido de estranho, quando o telefone tocou e precisou se dirigir ao escritório do CEO. Ela parecia anestesiada, sentindo o cheiro de perfume caro que preenchia o ar.O escritório de Victor era um reflexo sofisticado da empresa, que trabalhava com cosméticos de luxo. Era um lugar organizado e imponente, um espaço dominado por uma grande mesa de mogno escuro, ladeada por poltronas rústicas. As paredes eram cobertas p
A sala de reuniões estava impecavelmente organizada, mas o ar quente e carregado de expectativa fazia o ambiente parecer menor. Alice distribuía os papéis da campanha, sentindo a pressão pairar sobre a equipe. A nova fragrância de outono não poderia ter falhas, e ela sabia que tudo dependeria da forma como a reunião acontecesse.O som suave da porta se abrindo fez com que algumas cabeças se virassem. Valentina entrou. Seu andar era impecável, a postura tão precisa que, por um instante, parecia que tudo ao redor perdia importância.O vestido formal lhe caía como uma segunda pele, e ao se aproximar da mesa, Ao atravessar a porta, com um leve sorriso, sentou-se na cadeira mais próxima, cruzando as pernas de forma impecável. pousou sua bolsa tiracolo na cadeira ao lado e retirou os óculos escuros com um gesto fluido, deixando-os sobre os papeis. Valentina possuía um gesto elegante. Ela demonstrava tanta naturalidade que até as luzes da sala pareciam se ajustar à sua presença. Antes de mai
Diferente de Valentina, que exalava um magnetismo intenso, Alice era mais tranquila como uma brisa suave em meio a uma tempestade. Valentina sabia que não era qualquer pessoa que trabalhava para seu marido, só pessoas altamente eficazes e de confiança. E isso despertava o desejo dela de explorar o mundo de Alice. O que ela tinha de tão especial? — Você é publicitária, certo? — Valentina perguntou, com um ar de interesse. — Sou sim… — Alice respondeu, sem entender aonde aquilo ia levar.Valentina sorriu de canto e se levantou, chegando mais próximo de Alice. — Minha proposta é simples, quero que você trabalhe comigo. O silêncio preencheu a sala. Alice piscou, confusa. Victor arregalou os olhos, indignado. Não podia acreditar no que acabara de ouvir. Em um movimento instintivo, puxou Valentina pelo braço, obrigando-a a encará-lo. — Que palhaçada é essa? Como você ousa ser cara de pau! — disparou, com os olhos faiscando. — Fazer uma proposta dessas para minha assistente?! Valent
Algumas semanas depois, Alice assinava o contrato que a tornava oficialmente agente publicitária da nova empresa de Valentina. Ela mal acreditava no que acabara de assinar. Mas aquilo era apenas o começo. Não apenas pelo cargo da nova linha de Valentina, mas pelo que aquilo significava. Valentina estava construindo algo ambicioso, e ela seria uma das primeiras a ver de perto e ter melhores oportunidades de reconhecimento no mercado.No final da tarde, Valentina a levou para conhecer o novo local de trabalho. O edifício ficava na Avenue, a poucos quarteirões da sede da Lancaster, e logo não se tratava de uma empresa comum. Ao cruzar as portas automáticas, Alice foi recebida por um ambiente que misturava elegância e inovação. A fachada era revestida de tijolos ecológicos e aço com paineis que cobriam parte da estrutura. Ao entrar, Alice sentiu o frescor do ambiente. O ar não era acondicionado de forma artificial, mas por um sistema de ventilação inteligente que regulava a temperatura co
Alice, concentrada na tela do computador, ergueu o olhar. O cabelo estava preso em um rabo de cavalo simples, expondo a linha delicada do pescoço. Antes que pudesse reagir, sentiu o frescor cítrico tocar sua pele quando Valentina borrifou a fragrância sobre ela.— Sente a diferença? — Valentina perguntou, ansiosa, inclinando-se levemente, observando cada detalhe da reação da assistente.Alice piscou algumas vezes, inspirando devagar. O cheiro era agradável, sim, mas… não tão diferente do que já conhecia.— Hm… está agradável, mas… — hesitou, escolhendo bem as palavras.Valentina franziu a testa.— Mas, o que tem de errado?— Não sei se percebo algo tão distinto assim.— Estranho… Carlito ficou encantado com a nuance. Ele disse que era o toque que faltava. Finalmente capturamos a essência do outono.Alice olhou para a patroa, que agora cruzava os braços, desconfiada. Sentia que deveria dizer algo a mais, mas não queria mentir. Antes que pudesse pensar numa resposta, Valentina a surpree
A inauguração da empresa, VIVA Intensive, era um evento digno da ambição de Valentina. O salão principal estava decorado com um design sofisticado, seguindo a identidade visual que a empresária tanto prezava. Tons terrosos, madeira de reflorestamento e plantas suspensas criavam um ambiente acolhedor e moderno. Os garçons circulavam com bandejas de drinks e petiscos refinados. A música ambiente mesclava jazz e ritmos eletrônicos suaves. O aroma de flores frescas e especiarias se misturava ao cheiro de vinho e canapés finamente preparados. Alice circulava entre os convidados, observando o quanto Valentina parecia no controle de tudo. O evento reunia investidores, empresários, influenciadores e amigos próximos de Valentina. Ela estava deslumbrante em um vestido vinho elegante, conversava com potenciais clientes, enquanto observava Alice no centro do salão, radiante em um conjunto preto de alfaiataria. Porém, ela não se sentia totalmente à vontade naquele ambiente. Valentina perdeu o ol
Era um final de semana tranquilo na fazenda dos Laucaster. A família estava reunida, aproveitando a atmosfera acolhedora do ambiente. Os pais de Valentina, Silvana e César Ramon, estavam acomodados no jardim, enquanto que Rique, acabava de chegar na residência se juntando aos pais. O sol filtrava-se pelas vidraças da estufa, iluminando suavemente as plantas e flores coloridas do ambiente. Valentina, logo cedo, resolveu passar a manhã pela estufa, cercada por suas plantas. Ainda vestida em um robe de cetim rosa e pantufas fofas, ela colhia algumas espécies e as depositou em um cesto de vime, organizando-as com cuidado, além de fazer anotações em sua pequena agenda sobre o crescimento dessas ervas. O aroma úmido das folhas e flores preenchia o espaço. Aparentemente seu amor pelas plantas era evidente nos gestos meticulosos. Naquele instante o barulho da porta se abrindo havia interrompido seu momento de paz. Era Rique, entrando com uma postura despreocupada, os olhos ligeiramente pregu
Alice estava em frente de casa quando o táxi chegou para buscá-la. Ela se despediu dos pais e entrou no carro, se recostou no banco, observando a cidade passar pela janela. O sol alto dourava os prédios e iluminou as ruas. O barulho das conversas entre turistas que aproveitavam o dia e o movimento de bicicletas cortando o trânsito criavam um ritmo peculiar à cidade. Ao chegar à VIVA Intensive, o edifício parecia maior na calmaria do dia. Alice respirou fundo e entrou. Ao chegar no escritório, Valentina entregou Alice para Rique levar para conhecer os imóveis, conforme havia prometido. Alice hesitou, perguntando se ela não iria. Ao telefone, Valentina apenas sorriu e disse que os acompanharia depois — precisava resolver algumas pendências. O primeiro apartamento era luxuoso demais para Alice. Embora encantador, não sobraria muito no fim do mês. O segundo ficava próximo ao movimento dos barqueiros, ela achou barulhento de mais para concentrar sua criatividade. Durante as visitas, A